Há quarenta anos o Brasil viveu momentos dramáticos e decisivos. A súbita hospitalização do presidente eleito Tancredo Neves, poucas horas antes da posse, sem se conhecer qual a gravidade do estado de saúde, colocava em dúvida a situação do vice-Presidente José Sarney, recusado por parcela do PMDB, e, também, comandantes das Forças Armadas, fiéis ao general João Baptista Figueiredo, até então presidente da República.
Para considerável grupo do PMDB, se posse houvesse, deveria ser investido o dr. Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados e do partido. Por outro lado, para elevado número de oficiais generais o nome do dr. Ulysses era inaceitável.
Participo do reduzido número de ministros de Estado, nomeados pelo dr. Tancredo, integrantes do primeiro ministério do presidente José Sarney, ainda vivos. Estive presente e acompanhei todas as tratativas desenvolvidas entre a internação do dr. Tancredo e o reconhecimento de José Sarney como presidente interino da Repúb5lica, situação na qual permaneceu até a morte do dr. Tancredo, em 21 de abril de 1985,
Durante aproximadamente dez horas o Brasil aguardou, sem saber, a solução que estava sendo tomada, e para a qual foi decisiva a posição do gal. Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército, nomeado, mas ainda não empossado, que tomou nas mãos a responsabilidade de investir José Sarney na presidência da República.
Internado no Hospital de Base, por volta de 21:00h do dia 14, Tancredo Neves não se encontrava empossado. Dizia o art. 77 da Constituição de 1967 (Emenda nº 1/1969): “Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á no de vaga, o Vice-Presidente”. Se não havia tomado posse, “em sessão do Congresso Nacional”, conforme ordenava o art. 76, Tancredo Neves não era Presidente, tampouco José Sarney seu Vice-Presidente. A crise que se aprofundava exigia, porém, medidas radicais e imediatas. As bases jurídicas da posse foram construídas pelo jurista dr. João Leitão de Abreu, ex-Chefe do Gabinete Civil do presidente João Figueiredo.
Nesse sentido, se lê no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: “Nesse mesmo dia, com a saída do general Figueiredo, Leitão de Abreu deixou o Gabinete Civil. Foi em sua residência em Brasília que Ulisses Guimarães e outros líderes políticos decidiram dar condições legais à posse efetiva de Sarney, em virtude da morte de Tancredo Neves em 21 de abril, antes de assumir a chefia do Executivo federal” (DHBB, Ed. FGV, RJ, 2001, vol. 1, pág.16). De pouco valeria a construção jurídica, não fosse a posição do general Leônidas Pires Gonçalves, garantindo a José Sarney a presidência da República.
O decreto que me nomeou Ministro do Trabalho foi assinado por Tancredo Neves, como presidente, na noite de 14 de março de 1985, antes de ser conduzido ao Hospital de Base. O mesmo, acredito, aconteceu com os demais ministros. Ao tomar posse, José Sarney conservou o ministério que lhe foi deixado. As posses foram simples, sem formalidades. As primeiras alterações vieram a acontecer meses depois, com a saída de Fernando Lira, ministro da Justiça, de Roberto Gusmão, ministro da Indústria e Comércio, de Olavo Setúbal, ministro das Relações Exteriores. Francisco Dornelles, ministro da Fazenda, deixou o governo no início de 1987, para dar lugar a Dilson Funaro,
O ministério do Trabalho tornou-se alvo de remanescentes do Regime Militar, inconformados com a política não intervencionista adotada em relação a sindicatos grevistas. A sucessão de greves, deflagradas à margem da lei, dava aos meus adversários argumentos para me atacarem e exigirem a minha demissão. A esquerda, por sua vez, representada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), liderados por Luís Inácio Lula da Silva e Jair Meneguelli, não dava tréguas ao governo, recusando-se a participar do combate à inflação e ao aumento do custo de vida.
Foi sob circunstâncias adversas que encontrei no presidente, e em alguns companheiros de ministério, o apoio de que necessitava. José Sarney governou cinco anos como democrata. Enquanto fui Ministro do Trabalho (15/3/1985 -20/9/1988) foram mais de 12 mil greves, sem intervenção ou prisão, quatro ministros da Fazenda, quatro planos econômicos, inflação ascendente, duas moedas, duas tentativas infrutíferas de pacto social.
Quarenta anos após o dramático amanhecer de 15 de março de 1985, serenadas as paixões, baixada a poeira do tempo, José Sarney goza do prestígio, da admiração e respeito dos brasileiros.
Foi o presidente da transição.