Nunca em toda nossa história uma CPI se mostrou tão necessária para apurar os diversos crimes praticados contra os mais vulneráveis, justamente os aposentados e pensionistas do INSS, que foram literalmente “assaltados” por agentes públicos e políticos inescrupulosos, além de particulares, que, sem nenhuma comiseração e pudor, descontaram ilicitamente, desviaram e se apoderaram dos parcos recursos de milhões de brasileiros, que contam os centavos para poderem arcar com as despesas para sua sobrevivência e da família.
E o pior é que um partido político sempre envolvido nesses tipos de escândalos, seus afiliados e partidários tentam de tudo para que essa investigação não ocorra, talvez por medo que os fatos levem a pessoas nas entranhas do poder.
A lógica é muito simples: quem não tem o que temer, apoia a CPI, mas, por outro lado, quem tem medo do que pode aparecer com as investigações, é contra a CPI. Aqui vale um velho ditado popular: “quem não deve, não teme”.
A CPI não deveria ser instrumento para fins políticos, mas é impossível que isso não ocorra, já que conduzida por políticos.
Óbvio que as investigações, como sempre ocorreu, serão empregadas para minar ainda mais a credibilidade de políticos adversários, mas será outro instrumento de investigação que, se bem empregado, pode chegar a quase todos os criminosos que se enriqueceram às custas do sofrido povo brasileiro.
E o que é uma CPI? Quais os seus poderes?
Vou tentar explicar da forma mais simples possível.
Tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados, em conjunto ou separadamente, poderão criar as comissões parlamentares de inquérito para a apuração de fato certo e determinado e por prazo certo. Para sua criação, há necessidade do requerimento de um terço dos membros de cada Casa, na hipótese de ser instalada em uma das Casas, ou de um terço dos membros do Congresso, no caso de uma Comissão Parlamentar Mista, e a comissão terá os mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas. A CPI também poderá ser criada pelos Estados e Municípios, devendo ser regulamentada no âmbito do respectivo Poder Legislativo Estadual ou Municipal.
Dispõe o art. 58, § 3º, da Constituição Federal:
“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
As comissões parlamentares de inquérito situam-se dentro do poder de fiscalização atinente ao Poder Legislativo e fazem parte do sistema de freios e contrapesos dos Poderes da República. Elas poderão investigar possíveis atos ilícitos praticados não só pelo Poder Legislativo, mas também pelo Executivo ou Judiciário, bem como outros fatos de interesse público relevante.
Note-se, assim, que a CPI possui os mesmos poderes investigatórios dos órgãos da persecução penal, além de outros que lhe podem ser outorgados pelo regimento interno da Casa, cuja finalidade é investigar fatos certos e determinados, ainda que vários, e que sejam relevantes para a nação.
A CPI possui poderes de investigação parecidos com o do Magistrado. Há medidas, contudo, que por ela não podem ser determinadas, posto que sob reserva jurisdicional.
A Constituição Federal dá à CPI poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Inclusive, o art. 4º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar 105/2001 possibilita à CPI a quebra do sigilo bancário, atendidos alguns requisitos. No entanto, há algumas medidas que somente poderão ser determinadas pelo Judiciário por afrontarem direitos individuais extremamente importantes, ficando dentro da reserva de jurisdição.
Analisando o tema, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a CPI pode determinar fundamentadamente a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico das pessoas investigadas, desde que presentes os mesmos requisitos para a medida se ela fosse decretada judicialmente, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora (MS 23452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. em 16.09.1999, v.u). Portanto, essas medidas deverão ser fundamentadas, sob pena de serem anuladas pelo Poder Judiciário.
Por outro lado, fica sob a reserva jurisdicional a determinação de interceptação telefônica, busca e apreensão e decretação de prisão cautelar, exceto flagrante delito, medidas essas excepcionais que somente podem ser analisadas pelo Juiz competente.
Evidente, portanto, que a CPI pode ser controlada pelo Judiciário quando extrapolar certos limites, que estão previstos em normas constitucionais e legais.
Nenhum Poder da República está acima da Constituição e seus atos podem ser apreciados pelo Poder Judiciário e, se for o caso, anulados, desde que utilizados abusivamente ou fora dos requisitos determinados pela própria lei.
Entretanto, a ninguém é dado atrapalhar as investigações por ela produzidas, podendo, caso isso ocorra, ser aplicadas regras previstas na legislação ordinária em geral, inclusive no Código Penal.
Assim, como a comissão possui poderes próprios das autoridades judiciárias e tem como função constitucional investigar fatos ou atos jurídicos, normalmente ilícitos, pode e deve requisitar documentos de todas as espécies, inclusive filmagens, de pessoas físicas e jurídicas, inclusive entes estatais e até mesmo de Ministérios, que não podem sonegá-los, sob pena de cometimento de crime, no caso de desobediência ou prevaricação, a depender do caso concreto.
Entendendo a pessoa, física ou jurídica, haver extrapolação dos poderes constitucionais atribuídos à comissão, deve acionar o Supremo Tribunal Federal visando cassar o ato, mas não se negar simplesmente a atendê-lo.
E isso ocorre justamente para que não se impeça a normal investigação realizada pela comissão. Do contrário, decidindo sonegar documentos ou não atender às requisições investigatórias, estará a atrapalhar a colheita de provas. Como já dito, deve buscar o atingido a via judicial própria para não atender à requisição e não o contrário, ou seja, a comissão requerer ao Pretório Excelso a determinação judicial de cumprimento de uma ordem judicial (exceto as que estejam sob reserva jurisdicional), cujo poder de assim o fazer a comissão já possui, que lhe é outorgado pela Carta Constitucional.
Em se tratando de documentos sigilosos, que não possam ser apresentados para não comprometer investigação em andamento, basta o seu compartilhamento com a comissão e que se proceda a transferência do sigilo, isto é, também deverão ser mantidas em segredo para que não se tornem públicas, ficando restritas apenas aos agentes políticos e públicos envolvidos no procedimento investigatório.
Com efeito, absolutamente ilegal a negativa de apresentação de documentos ou outras provas já produzidas para a CPI, desde que estejam em poder dos entes atingidos pela determinação, que, entendendo ser o ato ilegal, devem buscar o Poder Judiciário, no caso o Supremo Tribunal Federal, para não o cumprir, sob pena de cometimento de ilícito penal (desobediência ou prevaricação), a depender da real intenção do agente.
No caso de não atendimento da requisição, deve a comissão encaminhar cópias das peças necessárias à Polícia Federal ou à Procuradoria Geral da República para a instauração da competente investigação, além de requerer ao Supremo Tribunal Federal a entrega pela autoridade pública ou mesmo a busca e apreensão do material requisitado, cujo mandado será cumprido no local onde as provas se encontrarem armazenadas.
Instalada a CPI, cabe a ela requisitar de todas as autoridades públicas e particulares documentos e outras provas para que os fatos sejam cabalmente apurados, uma vez é comum, por motivação política ou para assegurar a impunidade, os detentores do poder se negarem a apresentá-las para que não sejam determinadas pessoas atingidas pela investigação ou mesmo identificadas outras, que possam colaborar com o esclarecimento dos fatos.
Anoto, por necessário, que, presentes os requisitos constitucionais, não cabe ao Presidente do Senado ou da Câmara dos Deputados deixar de instalar a CPI. Não se trata de ato discricionário, mas vinculado e obrigatório, não ficando ao seu alvedrio a decisão de instalar, ou não, a CPI ou quando irá fazê-lo. O ato não é político e sim jurídico, pouco importando os fundamentos invocados para não instalar a comissão parlamentar de inquérito.
Incumbe ao Poder Judiciário fazer valer as normas constitucionais que trazem os requisitos necessários para a instalação da CPI. No caso de estarem preenchidos os requisitos e houver omissão do Presidente do Senado ou da Câmara dos Deputados, ingressado com a competente ação, a Suprema Corte não só pode como deve fazer valer as normas constitucionais e determinar a instalação da CPI, sem que isso importe usurpação da função legislativa ou quebra da separação dos Poderes da República.
As CPIs são importantes meios de investigação, mas não podem extrapolar seus limites constitucionais. Portanto, para que a prova por ela produzida seja eficaz, vários requisitos deverão ser observados. São eles:
1º A criação de uma CPI depende do requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa (se tramitar em uma das Casas) ou de um terço dos membros do Congresso (se tramitar no âmbito das duas Casas – CPI mista). Sem esse requisito, nem sequer poderá haver a instauração da comissão;
2º A apuração deverá visar a fatos determinados e concretos, ainda que vários, que tenham relevante interesse para o País. Fatos vagos e imprecisos não podem ser levados em consideração para a instauração da investigação parlamentar, pois implicaria usurpação da função judicial de investigação;
3º Deverá ser criada com prazo certo de duração, podendo, se houver fundada necessidade, ser prorrogada.
Concluída a investigação, elaborar-se-á relatório conclusivo, que, após votado e aprovado, será encaminhado a todos os órgãos competentes (Ministério Público, Polícia Federal, Advocacia Geral da União etc.) para que sejam tomadas as devidas providências contra os responsáveis pelos ilícitos.
Enfim, todo o Brasil quer, exceto aqueles envolvidos ou movidos por ideologia ou interesse, que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis processados e punidos na forma da lei.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.