Por que dói tanto e como o cérebro e o inconsciente tentam sobreviver à perda afetiva
O fim de um relacionamento é uma experiência emocionalmente intensa e, muitas vezes, devastadora. Ainda que racionalmente compreendido como necessário, ele ativa mecanismos profundos tanto do ponto de vista neurobiológico quanto inconsciente.
O cérebro entra em alerta. O corpo adoece. E a mente, em silêncio, se reorganiza.
É nesse entrelaçamento entre neurociência e psicanálise que encontramos as razões mais profundas do sofrimento e também as possibilidades de reconstrução.
Quando o fim é entendido como ameaça
Do ponto de vista neurológico, o término de uma relação aciona áreas cerebrais primitivas ligadas à dor, à ameaça e à sobrevivência como o córtex cingulado anterior, o núcleo accumbens, a amígdala e o hipotálamo. Essas regiões reagem como se o sujeito estivesse perdendo algo vital.
Já na perspectiva psicanalítica, essa perda atinge o sujeito em sua constituição narcísica: a relação amorosa funciona como um espelho que confirma a existência e sustenta a autoestima. Quando esse espelho se quebra, o “eu” se vê desamparado, desorganizado, buscando desesperadamente retomar o equilíbrio que antes era garantido pelo vínculo afetivo.
O que a neurociência chama de ameaça à sobrevivência, a Psicanálise reconhece como reencontro com o desamparo primordial, vivido ainda na infância, quando o sujeito percebe pela primeira vez que não é tudo para o outro.
A dor é real: no corpo e no psiquismo
A neurociência comprova que a dor da perda amorosa é processada nas mesmas áreas cerebrais da dor física.
Não é metáfora: o cérebro interpreta o abandono como ferida, e reage com insônia, taquicardia, náuseas, angústia e pensamentos obsessivos.
Para a Psicanálise, essa dor representa o retorno de conteúdos inconscientes de perda, rejeição e castração. A separação, portanto, não é apenas do outro, mas também de partes idealizadas de si mesmo que foram projetadas na relação. O sujeito sofre não apenas pelo outro que partiu, mas por aquilo que ele investiu emocionalmente e agora precisa reelaborar.
O amor é químico. O apego, simbólico.
Nos relacionamentos afetivos, o cérebro opera com base em neurotransmissores como dopamina (prazer), serotonina (bem-estar), oxitocina (vínculo) e endorfina (alívio). Quando a relação termina, o cérebro sofre uma espécie de abstinência semelhante à de substâncias psicoativas.
Na linguagem psicanalítica, diríamos que o sujeito vive um luto: a libido (energia psíquica) antes investida no objeto amado, precisa, aos poucos, ser retirada e redistribuída. Mas esse “desinvestimento” não acontece de forma rápida ou linear ele exige trabalho psíquico, simbolização, elaboração.
E é por isso que tanta gente “trava” nesse processo: porque o inconsciente resiste a perder o objeto amado, mesmo que ele já não esteja mais presente.
A ativação do sistema de alarme
A amígdala cerebral, responsável por identificar ameaças, dispara sinais de alerta logo após a perda. O medo, a ansiedade e o desespero surgem como mecanismos de defesa biológicos e emocionais.
A Psicanálise acrescenta: o sujeito sente-se em perigo porque, na ausência do outro, reaparece o medo da aniquilação psíquica. O relacionamento cumpria uma função de sustentação interna quando ele termina, o sujeito pode sentir-se despido de referências, exposto ao vazio, à solidão, à angústia existencial.
É por isso que, muitas vezes, o sofrimento não é proporcional ao tempo do relacionamento, mas à função simbólica que o outro ocupava em sua história emocional.
O looping mental: sobrevivência e repetição
Do ponto de vista do cérebro, rever cenas, conversas e hipóteses faz parte do processo de tentativa de reorganização. O cérebro tenta encontrar uma lógica para evitar novas dores.
Para a Psicanálise, esse looping é reflexo do princípio da repetição: o sujeito retorna, inconscientemente, ao lugar da ferida para tentar reescrevê-la mesmo que isso o machuque. É uma forma de manter o vínculo ativo, mesmo na ausência, e adiar o luto.
Enquanto a neurociência vê isso como mecanismo de adaptação, a Psicanálise vê como resistência à perda simbólica do objeto. Ambas apontam para o mesmo ponto: a dor é insistente porque tem raízes profundas.
O que fazer com tudo isso?
Valide sua dor: ela não é exagerada nem irracional. Ela é legítima, e precisa ser acolhida com respeito.
Evite alimentar o ciclo da ausência: buscar por fotos, mensagens ou notícias do ex-parceiro pode parecer alívio, mas reforça a dependência química e simbólica.
Cuide do corpo: sono, alimentação e movimento são aliados na regulação neuroquímica.
Busque apoio profissional: a terapia cria espaço para simbolizar a perda, reorganizar os afetos e reconstruir a narrativa de si.
Dê tempo ao tempo: tanto o cérebro quanto o inconsciente precisam de tempo para reelaborar a ausência. Isso se chama neuroplasticidade e, na Psicanálise, trabalho de luto.
Fim como travessia
O fim de um relacionamento pode ser o início de uma travessia emocional profunda. Não se trata apenas de “seguir em frente”, mas de atravessar a dor com consciência e cuidado.
A neurociência nos diz que o cérebro pode se reorganizar.
A Psicanálise nos lembra que o sujeito pode se reinventar.
Ambas afirmam: o sofrimento não é o fim da história.
É possível amar de novo. Mas, antes, é preciso amar a si com maturidade, integridade e coragem para renascer das ruínas.