Abril é o mês da conscientização sobre o espectro autista. E mais do que iluminar prédios de azul, precisamos iluminar mentes. Porque quando falamos sobre autismo, não estamos falando apenas sobre diagnóstico. Estamos falando de pessoas, de realidades diversas, de desafios diários e de um potencial imenso que ainda é incompreendido por muitos.
Como mãe de um menino autista, afirmo com conhecimento prático e emocional que o maior obstáculo não é o espectro. É a falta de compreensão sobre ele.
O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação e na interação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos. Mas o espectro é amplo, variado, e cada pessoa com autismo é única.
É por isso que dizemos: “se você conheceu uma pessoa autista… você conheceu UMA pessoa autista”. Generalizações são perigosas.
Existem autistas verbais e não verbais, com alta ou baixa demanda de suporte, com diferentes habilidades e formas de perceber o mundo. E isso não é defeito: é diversidade neurológica.
O que muda para quem convive com uma pessoa autista?
Tudo. Mas nem sempre da forma que você imagina.
Para as famílias, o primeiro impacto geralmente é o emocional. O diagnóstico pode vir acompanhado de medo, dúvida, culpa, sobrecarga, solidão e, muitas vezes, até um certo luto pelas expectativas que talvez você tivesse.Mas também pode ser o início de um caminho de descobertas e reconexão com o essencial: enxergar o mundo com outros olhos.
Para educadores, profissionais de saúde e terapeutas, conviver com uma pessoa autista é um convite constante a sair da caixa, revisar métodos e exercitar a escuta ativa. É ensinar sem padronizar. É atender sem rotular. É acolher sem impor.
Erros comuns na compreensão sobre o autismo
1. Esperar “comportamentos típicos”
O autista pode aprender, se comunicar, se desenvolver, mas muitas vezes de maneira diferente. A insistência em que a criança se comporte como as demais, em vez de observar seu próprio ritmo e estilo de comunicação, é frustrante para todos os lados.
2. Julgar pela aparência
Nem todo autista é facilmente identificável. Muitos têm autonomia, frequentam escolas regulares, trabalham e possuem uma vida social ativa. O capacitismo — julgamento baseado em estereótipos de deficiência — é uma barreira cruel.
3. Reduzir a pessoa ao diagnóstico
O autismo é uma parte da pessoa, mas não a define. Assim como você não se resume à sua profissão ou à sua idade, a pessoa autista é mais do que seu CID. Há interesses, sonhos, talentos, sensibilidades.
O que profissionais precisam entender (com urgência)? Se você trabalha com educação, saúde ou desenvolvimento infantil, aqui estão verdades que precisam ser ditas:
- O comportamento é comunicação. Antes de tentar “corrigir”, escute o que ele está dizendo.
- Tratamentos não podem ser maratonas. Pressionar por resultados pode gerar trauma. O progresso real vem do vínculo, da consistência e do respeito ao tempo da criança.
- Intervenções devem ser personalizadas. O que funciona para um, não funciona para outro. Observe, registre, adapte, tente e tente de novo, e de novo…Você nem sempre vai acertar de primeira.
- Empatia é parte da técnica. E sem ela, não há escuta, não há conexão.
O papel da família: mais do que cuidar, lutar
As famílias de pessoas autistas têm duplo papel: o de cuidar e o de educar o mundo.
Elas enfrentam filas de espera, negacionismo, olhares atravessados em espaços públicos, profissionais despreparados, inclusões irrealistas e um sistema que ainda funciona melhor para quem é “neurotípico”.
Por isso, se você é pai, mãe ou cuidador, aqui vai um lembrete: você não está sozinho. Busque redes de apoio. Informe-se. Estabeleça limites. Você não precisa se explicar para todos, mas pode ser ponte para muitos.
E o que todos nós podemos fazer?
1. Parar de romantizar ou vitimizar o autismo
O autismo não é um superpoder, nem uma condenação. É uma forma diferente de existir. Respeitar essa diferença é o primeiro passo para a convivência real.
2. Falar com a pessoa, não sobre ela
Mesmo que a pessoa não fale, ela ouve e entende muito. Mesmo que não olhe nos olhos, sente. O respeito começa por reconhecer sua presença.
3. Lutar por acessibilidade real
Acessibilidade não é só rampa e braile. É linguagem simples, é compreensão nas relações, é adaptação no atendimento, é saber ouvir sem pressa.
4. Mudar o discurso
Palavras constroem realidades e podem reforçar preconceitos. Em vez de dizer “ele sofre de autismo”, diga simplesmente “ele é autista”. O autismo não é uma condenação, é uma condição neurológica. A linguagem deve ser um instrumento de respeito e inclusão.
Como apoiar uma família com autismo: passo a passo
- Pergunte como pode ajudar. Não presuma. Pergunte com humildade.
- Ofereça apoio prático. Um tempo de descanso, ajuda com tarefas, companhia em consultas.
- Evite dar opiniões não solicitadas. Dizer “ele vai melhorar” ou “isso é falta de limite” não ajuda.
- Inclua, convide, celebre. Crianças autistas também gostam de festas, passeios, amizades.
- Informe-se por fontes confiáveis. Não espalhe mitos. Espalhe conhecimento.
Conscientizar é mais do que explicar o que é o autismo.
É questionar o que somos ensinados a esperar do outro.
É parar de medir o valor das pessoas por padrões de comportamento e começar a enxergar a beleza na singularidade.
Pessoas autistas não precisam ser encaixadas. Precisam ser entendidas.
Não precisam de mais exigência — precisam de mais espaço para existir sem serem corrigidas o tempo todo.
Leve essa consciência adiante. No seu olhar, na sua linguagem, nas suas escolhas diárias.
Isso transforma tudo.