Se Notre Dame é a catedral das catedrais, Moulin Rouge é o cabaré dos cabarés. Entra-se em ambos com respeito e devoção. Notre Dame, templo do sagrado e Moulin Rouge, templo do profano.
É na Belle Époque no final do século XIX que ocorreu uma revolução de ideias e de costumes comparável a dos hippies entre as décadas de 1960 e 1970 e na qual iremos encontrar a origem e significado do Moulin Rouge.
Tudo começou em 1871, com o término da terrível guerra franco-prussiana. Teve então início uma era particularmente próspera e feliz na França.
Em Paris, nasce a Belle Époque. A capital se torna uma cidade luminosa, a “cidade luz”, onde um novo estilo, Art Nouveau, decora prédios e objetos.
Surgem os pintores impressionistas, inaugura-se o Canal de Suez construído pelos franceses, constrói-se a Torre Eiffel e as primeiras estações do metrô de Paris. Pierre e Marie Curie descobrem o rádio, os irmãos Lumière apresentam a cinematografia, Pasteur descobre várias vacinas e o método de esterilização de alimentos, a “pasteurização”.
A França exporta produtos e cultura para todo o mundo e o nível de saúde e bem-estar da população aumenta consideravelmente.
O local escolhido para o Moulin Rouge foi a zona de Pigalle, no bairro Montmartre.
No final do século XIX, Montmartre era um bairro conhecido por suas ladeiras, suas tavernas pitorescas, seus malandros e moças de “vida fácil”, seus salões de baile e cabarés artísticos.
O bairro boêmio por excelência, onde, como se dizia na época, até o cidadão mais respeitável, “s´encanaille”, vira um canalha.
Montmartre tornou-se o coração boêmio de Paris após a abertura do Moulin Rouge, e inspirou grande parte da cultura da cidade.
Os empresários Charles Zidler e Joseph Oller tiveram uma ideia de gênio. Compraram um velho cabaré de Pigalle, reformaram o prédio e o transformaram num imenso bar e salão de baile contendo, ao fundo, um pequeno palco. Esse palco foi, literalmente, o berço de uma dança endiabrada, o “can can”.
Ao som de músicas de ritmo acelerado e alegre, muitas delas compostas por Offenbach, célebre criador de operetas, raparigas de belas pernas e gênio forte oferecem aos espectadores um espetáculo cuja ousadia, poucos anos antes, poria todo mundo na cadeia.
O “can can” era bastante escandaloso para a época, e, embora não fosse ilegal, as pessoas, às vezes, eram presas por realizá-los.
Levantando as saias e as anáguas, elas alçam as pernas a alturas impensáveis, deixando aparecer calções rendados sobre os quais, às vezes, na parte da frente, às vezes, na de trás, são bordados corações nas mais vivas tonalidades do vermelho.
A plateia delirava e cada um aclamava aos gritos a sua dançarina favorita.
O chute da dança do “can can” também serviu a um propósito prático: foi usado como um tiro de advertência para homens que estavam ultrapassando seus limites e talvez tocando lugares onde suas mãos não deveriam estar vagando.
As mademoiselles do Moulin Rouge tornaram-se celebridades e apesar do que, muitas vezes, é retratado nos filmes de Hollywood que elas tinham que vender seus corpos para ganhar a vida, não é verdade, embora fossem sedutoras altamente habilidosas que deslizavam pelo cabaré alegres, dançando e conversando com todos os cavalheiros presentes.
Misturados às pessoas, figuras da alta sociedade e muitos artistas começam a frequentar a casa.
Entre esses últimos, um pintor baixinho, quase um anão, muito feio de aspecto, porém de alma e talento esplêndidos, faz do Moulin Rouge uma espécie de segunda residência: Henri de Toulouse-Lautrec. Graças a ele, desenhos extraordinários retratando as dançarinas e a vida no cabaré chegaram à posteridade.
Parte do fascínio do Moulin Rouge era ser um dos únicos lugares onde se podia ir beber o absinto e fazer ópio. Acrescente o fato de que havia mulheres bonitas desfilando pelo lugar, flertando com os clientes do sexo masculino. Portanto, era um negócio de sucesso!
O Moulin Rouge evoluiu com o tempo, desenvolvendo a fórmula que, depois, ficou conhecida como Teatro de Revista.
Ventríloquos, animais de circo, acrobatas, malabaristas, esquetes cômicos, piadistas, cantores de renome, não tinham fim o número de atrações.
De todas elas, no entanto, a que mais se firmou e correu mundo foi a apresentação de um grande número de mulheres belíssimas, seminuas, portando apenas muitas plumas na cabeça e exíguos tapa-sexos bordados em paetês.
O Moulin Rouge se tornou o pai verdadeiro de todos os cabarés do gênero espalhados pelo mundo!
O Moulin Rouge como templo maior do teatro de revista chegou ao apogeu ao redor de 1920, após a Primeira Guerra Mundial.
Moulin Rouge nunca parou de ferver. Pelo seu palco passaram os maiores nomes mundiais do espetáculo, Frank Sinatra, Edith Piaf, Yves Montand, Jean Gabin, Liza Minelli, Dean Martin, Barishnikov, Elton John, Rainha Elizabeth II, dirigentes comunistas russos e chineses, entre outros.
Hoje, o Moulin Rouge lança mão da melhor tecnologia para produzir espetáculos, mas, lamentavelmente, está anos-luz distante do verdadeiro e magnífico Moulin Rouge de 1889. São espetáculos onde ocorre uma separação entre o público e aquilo que se passa no palco. Perdeu-se aquele contato vivo e direto entre artista e público que caracterizou os primeiros tempos do Moulin Rouge.
Tempos em que lá dentro a língua mais falada não era sequer o francês, mas sim o “argot”, gíria parisiense.
O que fazer, se hoje a maior parte das dançarinas e dos dançarinos é estrangeiro, e a maioria da plateia é composta de japoneses e chineses endinheirados, e de americanos do norte e sul. Sinal dos tempos!
Restam, no entanto, na fachada do prédio, as imensas pás de moinho que deu nome ao cabaré, e que são as mesmas desde a fundação.
O Moulin Rouge foi tema de vários filmes franceses e internacionais.
Em 1952, John Huston dirigiu “Moulin Rouge”, com José Ferrer no papel do pintor Toulouse-Lautrec, e um grande elenco do qual também fazia parte Zsa Zsa Gabor e Suzanne Flon. Vale a pena assistir essa produção!
Em 2001, o diretor Baz Luhrmann dirigiu um novo filme sobre o Moulin Rouge que obteve um certo sucesso. “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” tem Nicole Kidman e Ewan McGregor como protagonistas, e John Leguizamo no papel de Toulouse – Lautrec.
Vivre la vie!
A célebre La Goulue (A Gulosa), Louise Weber, a Rainha de Montmartre, foi dançarina do Moulin Rouge. Do palco, certa noite, La Goulue se dirige ao Príncipe de Gales, herdeiro do trono inglês, e lhe pergunta se está disposto a beber champanhe com ela. O príncipe diz que sim, e ela retruca com outra pergunta cheia de inequívoca malícia: “E em que taça Sua alteza prefere beber?”.