Hoje, na solidão tranquila de um almoço qualquer, fui surpreendido por algo que não se compra nem se planeja: uma lembrança.
Reaproveitei a sobrecoxa que assei na noite anterior, simples, sem grandes pretensões. Coloquei no prato, aqueci, sentei-me à mesa sem pressa. Cortei o primeiro pedaço e, assim que o sabor tocou minha boca, fui transportado. Não para um lugar, mas para um tempo: a cozinha da minha avó Priscila.
Era ela quem, com mãos pacientes e olhar sereno, preparava um frango cozido como poucos. Não havia receita escrita, nem medidas exatas — havia apenas o gesto intuitivo de quem cozinha com a alma. A casa inteira se enchia daquele aroma quente e reconfortante, e nós, crianças ainda, corríamos em volta da mesa, impacientes pelo primeiro pedaço.
Décadas se passaram. Minha avó já não está aqui. A casa, a mesa, as risadas — tudo virou fotografia amarelada pela memória. Mas o gosto… ah, o gosto resistiu ao tempo.
E hoje, sem querer, ele voltou. Num pedaço de frango simples, reencontrei um pedaço dela. E chorei. Chorei de saudade, de ternura, de surpresa. Chorei porque aquele tempero era mais do que uma mistura de sal, alho e cebola — era amor destilado em comida. Era aconchego em forma de sabor.
Dizem que memórias afetivas curam. Eu acredito. Sentir o gosto da infância, ainda que por instantes, costurou dentro de mim um rasgo antigo. Trouxe minha avó para perto, como um abraço silencioso atravessando os anos.
Há coisas que a gente esquece, há outras que moram na pele, no cheiro, no som… e no gosto. Minha avó Priscila partiu há quase trinta anos. Mas hoje, ao almoçar sozinho, percebi: ela nunca foi embora de verdade.
Ela ficou. Ficou no frango, na lembrança, na lágrima. Ficou no tempero invisível que atravessa gerações e cozinha a alma da gente sem que a gente perceba.
Dedicado à minha avó Priscila, que temperou minha infância com amor e deixou, em mim, um sabor que o tempo não apaga.