Durante muitos anos – praticamente desde menina – comprei livros, ganhei livros, juntei livros e o resultado foi uma biblioteca de cerca de 3 mil e duzentos livros – talvez mais! Agora ela não me servia mais, tenho degeneração de mácula e não consigo mais ler. Leio no kindle, leio de lupa e estou me preparando para “ouvir” livros. É muito difícil, é ter que se acostumar a uma nova vida a um novo “estar” na vida, mas não há o que fazer além de ir em frente. Acabo de doar minha biblioteca à FAZ, uma ong do meu bairro que atende crianças, adolescentes e adultos. Fiquei feliz! Meus livros serão lidos, em vez de ficarem tomando poeira nas minhas estantes.
Mantive, apenas, os livros que têm dedicatórias para mim, de gente querida que me presenteou e de autores queridos que foram amigos como Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Osman Lins, Hernani Donato, Celina Ferreira (minha poeta mais querida), Paulo Dantas, Henriqueta Lisboa, Aracy Amaral, Geraldo Ferraz, tantos outros. Não quis me separar, também, de alguns livros que amei e amo demais, um dia vou pegar neles e “ouví-los” graças à tecnologia já disponível para quem enxerga pouco. Ou nem enxerga. Quero “reer” ou “ouvir” histórias como “Viva do Povo Brasileiro” e “Sargento Getúlio” desse queridíssimo João Ubaldo. Digo o mesmo de “Casa Grande e Senzala”, de “Cem Anos de Solidão”, de “Os Sertões”, de “A Montanha dos Sete Patamares”, de muita coisa de Machado de Assis e de Eça de Queiros, quero voltar a ler “Maranus”, de Teixeira de Pascoaes, quero chorar novamente com “O livro de Rovana”, do meu amigo Joaquim Maria Botelho, filho de Ruth Guimarães, que também quero reler. E aí guardei nas estantes vazias esses tesouros. Sempre lembrando que posso também me deliciar com novidades em e-books.
Ainda estou conseguindo digitar no computador, no celular, continuarei a postar notícias, broncas, elogios, divagações, a contar histórias – que são muitas, já que se acumularam durante 93 anos. O principal é que estou viva.
Publiquei uma croniqueta sobre a doação que fiz à FAZ e recebi muitos elogios ao meu desapego e à atitude de doar. Não mereço nada disso. Foi uma ação absolutamente necessária. O que tantos livros haveriam de fazer postados, inúteis, em minhas estantes, envelhecendo e se enchendo de pó? Um dia chegariam as traças. Seriam, meus livros queridos, um exército de papel, emudecidos, paralisados, fechados, sem o calor de um olhar para as páginas amareladas. Seria justo com eles? Comigo? Com quem poderá lê-los?
Preferi que tivessem outro destino.