Choque de gerações sempre existiu. Não se trata de nenhuma novidade. Sempre aconteceu, considerando que a evolução da sociedade transforma consideravelmente as relações entre pais e filhos, e destes com seus próprios filhos, numa infindável espiral de transformações sociais, políticas, ideológicas, econômicas, psicológicas.
Minha geração, os Baby Boomers, que desafiou as limitações familiares levando as mulheres ao mercado de trabalho, deixou um profundo legado aos seus filhos e deu um novo significado às profissões. Focou na importância da educação para alcançar um futuro promissor no trabalho desenvolvido, agora, não apenas pelo pai de família, mas também com a colaboração da mão de obra feminina, causando uma profunda transformação nas relações familiares.
Não vamos entrar na questão sociológica referente ao desenvolvimento cultural, daquelas que anteriormente apenas serviam aos cônjuges e filhos, principalmente a estes, responsáveis que eram, diretamente, pela sua educação, que não era relegada às escolas, mas lastreada profundamente no seio familiar.
A maior preocupação se cingia ao desenvolvimento dos seus estudos, à convivência com bons amigos, boas companhias e, mesmo não sendo o foco principal, à observação de envolvimento com algum tipo de bebida ou alguma droga ilícita. Confesso que estas duas últimas raramente eram objeto de discussão.
Existiam programas como o da Xuxa, que hoje, apenas hoje, verificamos que eram repletos de mensagens sexualizadas, mas nem mesmo as novelas da Globo – que às crianças não era permitido assistir – possuíam tamanha violência, sexo, cultura woke, como atualmente.
O que aconteceu com a sociedade deixa estarrecidos todos aqueles que estão despertos e se preocupam com o comportamento das crianças e jovens que vivem debruçados nos tablets, celulares, aninhados em uma verdadeira prisão, cujos grilhões se tornam cada dia mais difíceis de serem rompidos.
Hoje temos programas que absorvem e capturam a mente de nossas crianças e jovens, transformando-os em verdadeiros reféns de uma tecnologia que escraviza, que impossibilita a comunicação pessoal, a troca de experiências entre familiares e amigos.
Deparamo-nos com uma verdadeira lavagem cerebral que robotiza e tem trazido consequências cada vez mais assustadoras e macabras.
O Fortnite, o Discord, o Roblox, cada qual com suas características de influência e de captura das mentes, tem sido muito nocivo aos jovens.
A fabricante de jogos Fortnite foi multada em meio bilhão de dólares nos EUA por coletar ilegalmente informações pessoais de crianças menores de 13 anos e usar os chamados “padrões obscuros” para induzir jogadores a fazer compras indesejadas.
O Discord fomenta crimes brutais contra menores de idade. Entre as violações mais comuns estão a chantagem com fotos íntimas, indução à automutilação, estupro virtual e incitação ao suicídio.
Quanto ao Roblox, uma das plataformas de jogos mais populares entre crianças e adolescentes, contando com mais de 79,5 milhões de usuários ativos, é considerado o “inferno pedófilo para crianças”.
Esta plataforma permite que qualquer pessoa desenvolva e disponibilize jogos. Os potenciais riscos e os desafios de segurança associados a este ambiente virtual fizeram parte de um relatório da Hindenburg Research, que constatou a presença de adultos mal-intencionados que compartilham conteúdos impróprios e interagem de maneira perigosa com menores.
Qualquer jogador pode contatar um menor, expondo-o a conteúdos inapropriados, como “Escape to Jeffrey Epstein’s Island”, que se refere a pessoas envolvidas em crimes sexuais. Inexiste qualquer bloqueio de acesso, o que se torna preocupante, com exposição de menores a histórias totalmente inadequadas para sua faixa etária.
Estamos frente a um fenômeno que, se não for obstado pelos responsáveis — pais, parentes e educadores —, fatalmente comprometerá o futuro de nossas crianças e jovens.
Testemunhamos uma transformação na essência do desenvolvimento e formação das crianças e jovens. Parece que muitos ainda não se conscientizaram deste fenômeno que poderíamos designar como um conflito de gerações e, ao contrário das anteriores, fatalmente afetará a segurança de todos.
Estudos, relatos, depoimentos gritam na nossa frente, como um pedido de socorro para aquelas crianças e jovens que estão sendo manipulados por predadores que interferem nesses joguinhos e os induzem a tomar atitudes trágicas, muitas vezes ocasionadoras de suicídios ou assassinatos.
Pode parecer absurdo, mas muitos pais não têm noção do que seus filhos estão jogando, com quem estão se relacionando e como estão sendo manipulados emocionalmente.
A comodidade começa quando, ainda pequenos, eles acessam seus tablets e ficam calmos, muitas vezes por horas, controlados apenas pela máquina. Depois, o primeiro celular, o primeiro computador, expostos ao risco de comunicações nocivas com o invisível e desconhecido “amiguinho” digital. Os primeiros joguinhos levam ao “inofensivo” Roblox, depois ao Discord e ao perigo dos novos “amigos”, que podem ser predadores disfarçados.
Apesar de a legislação vigente estabelecer, dentre outros objetivos, a obrigação de que jogos eletrônicos voltados para crianças e adolescentes adotem salvaguardas para proteger esses usuários, isto, em realidade, é uma utopia. Referida proteção é inoperante, impraticável. Cabe apenas aos pais a responsabilidade pela verificação do conteúdo dos jogos eletrônicos que seus filhos acessam e com quem se relacionam nessas plataformas.
Além de as crianças serem “sequestradas” e passarem mais tempo na vida virtual do que em convívio real, são dominadas pelo vício e passam a ter uma vida totalmente alheia à realidade e sem qualquer noção de responsabilidade.
Medidas preventivas, como supervisão ativa dos pais, podem ser tomadas, o que pode mitigar os riscos e aumentar a segurança dos menores. A utilização de ferramentas de controle parental é eficiente e limita interações indesejadas. Os menores devem ser incentivados a reportar conteúdos inapropriados, denunciando jogos que pareçam inadequados ou perigosos. Além disso, devem ser orientados quanto ao reconhecimento dos riscos online e, principalmente, à proteção de suas informações pessoais.
Mas, aliado a essas atitudes, os pais devem entender que nada é mais importante do que tempo de qualidade, que deve ser utilizado em frequentes conversas, sempre visando obter informações sobre o comportamento, desejos, anseios e sonhos de seu filho.
Cabe aos pais cuidar de seus rebentos, ter consciência de que são seres em formação, que precisam de atenção em um momento tão sensível e especial como a fase de transição entre a infância e a adolescência.
Chocante, apesar de potencialmente possível, é a história do primeiro episódio da série “Adolescência”, quando uma família é surpreendida com a visita de policiais que entram em sua residência e levam seu filho — aquela criança inocente, para eles —, acusado de homicídio.
Como a ficção é, muitas vezes, um reflexo da vida real, podemos evitar que sejamos surpreendidos com situações inesperadas como a relatada nesta série.
Não deixem que seja tarde demais para descobrir que seu filho vive uma vida digital secreta da qual pouco se sabe.
Assustador? Pode ser. Espero que assim se sintam.
Como bem observa a Juíza Titular da Vara da Infância e Adolescência do Rio de Janeiro, Dra. Vanessa Cavalieri, entrevistada por Branca Vianna no podcast Fio da Meada: “quero que vocês percam o sono às 2 da manhã olhando para o teto, preocupados”, relatando os muitos casos que chegam para análise todos os dias, referentes às infrações digitais graves cometidas por adolescentes de classe média, como bullying, assédio, incitação à violência, praticados silenciosamente dentro de casa, debaixo dos narizes de pais e mães zelosos.
O perigo mora dentro dos telefones, iPads e laptops. Da mesma forma que não deixamos nossos filhos saírem à rua sem dizer aonde vão, é necessário supervisionar as vielas escuras da internet, afirma a Magistrada.
Sabemos que existe um imenso abismo que separa as gerações, e os desafios que surgiram após o advento da internet — que capturou a vida das pessoas — devem ser transformados e restaurados como um bordado amoroso e pleno de cuidados, evitando que a ruptura se torne irreversível.