Meu pai foi leitor assíduo do Estadão por mais de 30 anos, entre 1979, quando assinou o jornal no endereço de seu primeiro restaurante — o Raymundo’s, rua Heitor Penteado, 626 — e 2010, no penúltimo — o Trattoria di Torino, r. Homem de Mello, 380.
Estadão completou 150 anos dias atrás. Rodei o bairro onde moro, na zona norte paulistana, atrás de um exemplar e não achei. Em duas bancas nem jornal do dia vende mais — só “os antigos” para pets, a R$ 10 “o monte “. Numa terceira banca, a moça disse que vendeu “todos os 5 exemplares que recebe diariamente”. Sinal dos tempos: bancas de jornais não vendem mais jornais como antigamente…
Estreei na imprensa há 32 anos, quando publiquei uma reportagem no Estadão pelas mãos do editor de Interior, Luiz Carlos Ramos. Papai ficou feliz naquele dia, mas minha participação nesta história de um século e meio acabou aí.
A Folha, jornal onde trabalhei por quase duas décadas, completou tempos atrás um século, marca que O Globo atinge neste ano.
O jornalismo como conhecemos tem algo em torno de dois séculos. Consta que o jornal mais antigo do mundo é o austríaco Wiener Zeitung, fundado em 1703. Noticiou um concerto de Mozart, mas hoje só existe online. Folha e Estadão, que já tiveram o formato standard, hoje são menores, em berliner, e no futuro deve ter o mesmo caminho do diário austríaco: tornar-se digital. O fato de existirem impressos ainda hoje, porém, é um grande feito, principalmente pra democracia. Parabéns aos três!
Quis trabalhar no Estadão algumas vezes — principalmente quando não tinha emprego, entre 1990 e 94. Em 1997, estava descontente na FSP, que havia me mandado para uma missão ingrata em Campinas, tentei transferência para o jornal dos Mesquitas, mas deu errado. Em O Globo, disputei uma vaga em 94 na sucursal no jornal em São Paulo, depois de ter conversado com um dos Marinhos… Não deu.
Papai não gostava da Folha, jornal que ele classificava como “petista”. Expliquei mil vezes que os Frias nunca morreram de amores pelo PT — inclusive contei o episódio no qual o Lula abandonou um almoço no jornal após se irritar com duas perguntas do Otavio Frias Filho — e mostrei inúmeros editoriais “neoliberais”. Não adiantou. Para Seu Raymundo, a Folha sempre foi de esquerda e defensora de “ideias como as do MST”.
Restauranteur, Seu Raymundo gostava de pendurar as críticas gastronômicas positivas da imprensa sobre suas trattorias, especialmente as do Estadão, do Jornal da Tarde (também do Grupo Estado) e da Veja, revista da qual também foi assinante.
Ele queria que eu trabalhasse no Estadão. “Este sim é um jornal sério”, argumentava.
Trabalhei em vários outros lugares , inclusive na Unaerp, universidade de Ribeirão Preto que outro dia também fez cem anos, mas não no Estadão.
Em 2010, quando voltei pra Folha, Seu Raymundo passou a assinar a Folha, aparentemente porque eu trabalhava lá. E a assinatura durou até ele mudar novamente de endereço — em 2014, quando foi pra Vila Romana, sua última casa.