Para a nossa História, a data de 21de abril de 1985 está definitivamente
associada ao dia 15 de março do mesmo ano.
O real estado de saúde do paciente era mantido sob rigoroso sigilo
pelos médicos, após a intervenção cirúrgica, no Hospital de Base, em Brasília. Falava-
se em rápida recuperação, para ser empossado na presidência da República. Talvez,
eu imagino, nem mesmo a esposa, Risoleta Neves, e os filhos, soubessem qual a
gravidade do caso. A transferência do paciente, para São Paulo, levantou as primeiras
suspeitas de que algo acontecia. A imprensa, entretanto, ainda que investigasse, era
mantida em ignorância, contribuindo para a desinformação geral. Houve até o caso da
fotografia do dr. Tancredo, em companhia da mulher e de alguns médicos, fotografado
sentado em sofá no hospital, para transmitir otimismo à população. Quem se lembra?
Durante cerca de 20 ou 25 dias, a realidade permaneceu oculta. Em
Brasília o governo se achava às escuras. Se o presidente Sarney estava informado de
que a situação do paciente dia após dia se agravava, desconheço. Com dezenas de
greves paralisando a economia, à frente do Ministério do Trabalho procurava manter
em andamento as responsabilidades que me incumbiam, como a nomeação dos
auxiliares diretos e dos Delegados Regionais do Trabalho, nos Estados. Esta tarefa
era delicada, pois me via obrigado a respeitar acordos regionais que desconhecia.
Fui surpreendido em São Paulo com a notícia da morte do dr. Tancredo.
Retornei imediatamente a Brasília para as cerimônias fúnebres e para o sepultamento,
realizado em São João Del Rei, com a presença de todo o governo. A partir do dia 22
de abril tudo se encontrava alterado. Efetivada a posse de José Sarney na presidência
da República, ignorava o destino que me esperava. Eu fora escolha pessoal do dr.
Tancredo. Deputado estadual na Assembleia Legislativa paulista, não contava com
decidido apoio da cúpula do meu partido, o MDB, sempre ávido por cargos nos altos
escalões do governo. Afinal, chegara ao poder por vias tortas e o presidente Sarney
era oriundo da Arena.
Os dias se passaram, aprofundando-se as distâncias entre o governo
democrático e o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores
(CUT). Ao me convidar para ser o Ministro do Trabalho, Tancredo Neves me passou as
suas duas únicas instruções. Providenciar a ratificação da Convenção nº 87 da
Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil em 1948, quando foi
aprovada pela assembleia geral realizada em São Francisco, mas ainda não ratificada,
e negociar a celebração do Pacto Social, nos moldes do pacto espanhol de Moncloa.
Transmiti ao presidente Sarney as instruções de Tancredo Neves.
Embora pouco familiarizado com assuntos sindicais e trabalhistas, o presidente não
apenas concordou, como ordenou a realização de encontros com entidades patronais
e profissionais, na tentativa de se encontrarem caminhos para o pacto social, uma
espécie de trégua na permanente e inútil disputa entre salários e preços, provocada
pela insidiosa inflação herdada do governo João Figueiredo. A reunião, cercada de
grande expectativa, ocorreu na Granja do Torto. Além da presença do presidente
Sarney, compareceram Ministros de Estado, presidentes das todas as grandes
confederações de trabalhadores e a imprensa. Lula era esperado, por ser figura
dominante da esfera sindical no momento. Fez questão, entretanto, de comunicar que
estaria ausente, retirando considerável parte do significado do encontro. Afinal, era
presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Devo lembrar que os dois primeiros atos que adotei, como Ministro,
consistiram na revogação de portaria o Ministro Arnaldo Prieto, que proibia a fundação
de organizações intersindicais, como a CUT, e a anistia a dirigentes sindicais
cassados.
Houvesse fraquejado nos primeiros dias, cedido a pressões e decretado
intervenção em entidade sindical grevista, teria permanecido talvez seis meses no
governo para ser exonerado. Voltaria a São Paulo como advogado e deputado
estadual desmoralizado, após abalar os alicerces da Nova República.
Neste aspecto, a compreensão e o apoio do presidente José Sarney
foram fundamentais. Em junho de 1985 chefiei, pela primeira vez, a delegação
brasileira à Assembleia anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em
Genebra. Em meu discurso revelei a mudança de orientação governamental,
relativamente à esfera sindical. Os sindicatos deixavam de ser reféns do governo,
ficando livres de interferência e intervenção, conforme diria mais tarde a Constituição
de 5 de outubro de 1988.
Deixei o ministério em 28 de setembro de 1988, para integrar o Tribunal
Superior do Trabalho.