O prefeito Ricardo Nunes e a Câmara Municipal de São Paulo dão notícias de que pretendem alterar as principais diretrizes da Operação Urbana Faria Lima para attender os reclamos do mercado. Ainda que possa parecer razoável, trata-se de ação que compromete a solidez e a estabilidade do mais importante instrumento moderno de financiamento público.
Os centros urbanos globais enfrentam persistentes desafios na obtenção de financiamento público adequado para o desenvolvimento de infraestrutura e crescimento sustentável. Mecanismos de financiamento tradicionais frequentemente se mostram insuficientes ou fiscalmente onerosos, especialmente em contextos de rápida urbanização. Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) representam uma abordagem inovadora, oferecendo um mecanismo de mercado para as finanças públicas urbanas. Este instrumento, pioneiro no Brasil, facilita a captura dos incrementos de valor da terra gerados por investimentos públicos, direcionando ganhos privados de volta para melhorias urbanas coletivas.
O Brasil estabeleceu uma posição de vanguarda na criação dos CEPACs. A gênese deste instrumento remonta à cidade de São Paulo em meados da década de 1990 . O conceito foi proposto por mim enquanto vereador em São Paulo e aprovado pela Câmara Municipal em 1995, e utilizado pioneiramente na Operação Urbana Faria Lima. Em 2001, enquanto Deputado Federal incluímos o instrumento na Lei Federal nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, solidificou a base legal para os CEPACs, incluindo as “Operações Urbanas Consorciadas” (OUCs) e a “Outorga Onerosa do Direito de Construir” (OODC. São Paulo empregou os CEPACs em projetos urbanos significativos, como a Operação Urbana Faria Lima, Berrini, Água Branca e outras, e o Rio de Janeiro avançou significativamente em seu uso no Projeto do Porto Maravilha, demonstrando sua viabilidade.
CEPACs são títulos negociáveis que concedem ao seu detentor o direito de construir além dos limites básicos de zoneamento em áreas de intervenção urbana designadas . Os municípios emitem CEPACs para “operações urbanas” específicas, com os recursos legalmente vinculados aos investimentos públicos associados a essa operação particular . Sua operacionalização ocorre por meio de leilões públicos em bolsas de valores, como a B3 . A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) supervisiona sua emissão e negociação. Este mecanismo fornece uma fonte de receita não tributária e não gera dívida municipal, oferecendo uma alternativa aos métodos de financiamento convencionais Importante apontar que os CEPACs tornaram-se sucedâneos à Contribuição de Melhoria, instrumento já esculpido em nossa Constituição, mas de difícil operacionalização.
Desafios Operacionais
O potencial transformador dos CEPACs tem sido limitado pela aplicação inconsistente e instabilidade regulatória . Alterações frequentes nos termos dos certificados já emitidos introduzem um nível de incerteza que erode a confiança dos investidores e restringe a captação de capital de longo prazo . Essa imprevisibilidade regulatória pode desviar a percepção do instrumento, de ferramenta de desenvolvimento para algo suscetível a comportamento especulativo. Reformas legislativas são cruciais, garantindo a imutabilidade dos termos para os certificados já emitidos, com ajustes legislativos aplicando-se somente a futuras operações . Fortalecer a liquidez do mercado secundário e a transparência nos leilões primários são passos para restabelecer a credibilidade do mercado .
O CEPAC foi concebido para se tornar um título negociável no mercado não apenas entre construtores, como vem ocorrendo, mas também como um investimento com credibilidade e estabilidade suficientes para atrair investidores, inclusive institucionais. Trata-se de papéis lastreados em uma base econômica sólida, que é a valorização da terra urbana — um ativo que atualmente beneficia apenas os proprietários das glebas, deixando de contemplar o poupador geral da economia. Assim, os CEPACs têm potencial para democratizar os ganhos gerados pelo desenvolvimento urbano, ampliando o acesso a esses benefícios para um espectro mais amplo de investidores e poupadores, grandes e pequenos, pessoais e institucionais.
Conclusão
Os CEPACs representam um instrumento inovador para o financiamento urbano no Brasil, concebidos para monetizar a valorização imobiliária gerada por investimentos em infraestrutura. Eles fornecem uma fonte de receita não tributária e não geradora de dívida, contribuindo para a sustentabilidade fiscal. Para que os CEPACs alcancem seu potencial completo, é crucial um compromisso decisivo com a previsibilidade legal e a integridade do mercado. Uma abordagem estável e estrategicamente gerenciada permitirá que este instrumento singular promova um desenvolvimento urbano equitativo e sustentável, substituindo eficazmente mecanismos de finanças públicas menos eficientes .