Há semanas atrás, fui com minha família assistir ao filme de Walter Salles, com Fernanda e Fernanda, Selton Mello, e outros excelentes atores.
Confesso que há muito tempo eu não sentia um impacto tão forte.
Conforme o filme foi passando em sua forma e conteúdo perfeitos, alguma coisa começou a apertar meu peito e minha cabeça, e eu me senti mal.
A história da prisão, assassinato e desaparecimento do brasileiro Rubens Paiva em 1971, tão realística e plasticamente retratada, foi desencavando dentro de mim lembranças e sentimentos de 53 anos passados. Não que estivessem esquecidos, mas estavam devidamente guardados dentro de minha existência.
Fiz de imediato o paralelo entre o desenrolar do drama e minha própria história de vida, e de milhares de pessoas, muitas que convivi pessoalmente e outros que conheci à distância.
Lembrei-me como se fosse hoje, daquele agosto de 1972, quando duas veraneios do DOI-CODI/SP me sequestraram na Rua Guiratinga, Bosque da Saúde, a 50 metros da casa do meu avô Rafael, onde eu morava e cursava o 3°ano da Escola Paulista de Medicina.
Eram 6.30 da manhã, e a “ruazinha deserta”, permitiu que ninguém visse minha prisão-sequestro.
Fui levado para o DOI-CODI, nos fundos do 36° DP, na Rua Tutoia.
Lá, fui recebido pelo “Dr.Tibiriça”, popularmente conhecido como Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Começou o interrogatório que não vou descrever aqui. Sobrevivi.
Só sei que sai de lá, 2 meses depois, deficiente auditivo bilateral, e com a sensação da certeza que nossa luta era justa e repleta de razão.
Ali sofri e testemunhei barbaridades.
Rubens Paiva morreu na tortura, como Herzog, Benetazzo, Fiel Filho, Alexandre Vannuchi e tantos outros, vítimas da barbárie que se instalou no Brasil, pelas mãos da Ditadura Militar.
Hoje, passados mais de 50 anos, ao terminar de assistir “Ainda Estou Aqui”, sai do cinema com uma sensação calma de felicidade.
Ao ver a reação do Brasil e do mundo ao filme, entendi o salto do impacto de meu sofrimento inicial à onda de alívio de que fui tomado.
Esse filme, contou com perfeição e elegância a História do Brasil e de brasileiros, que como Rubens Paiva, dedicaram sua vida à causa maior da humanidade: a liberdade!!!
Gilberto Natalini
Médico e Ambientalista
Janeiro/2025