Vivemos tempos em que estar doente virou um lugar confortável. Transtornos mentais viraram moda, e o que antes era sofrimento, hoje é identidade. Em consultório, o que mais se vê são adultos desesperados por um rótulo. Não estão em busca de cura, nem de mudança estão em busca de uma justificativa que alivie a culpa de serem quem são.
“Você pode me diagnosticar com TDAH?”
“Acho que sou autista…”
“Tenho quase certeza que sou borderline, vi no TikTok.”
Essas frases, cada vez mais comuns, não vêm acompanhadas de dor real, mas de uma tentativa de se encaixar em algo que explique sua instabilidade emocional, sua irresponsabilidade afetiva, sua dificuldade de lidar com frustração. Não estamos falando de crianças. Estamos falando de adultos que não querem encarar a própria imaturidade, então vestem o diagnóstico como escudo.
É muito mais simples ter um diagnóstico.
Difícil mesmo é falar dos nossos erros. Difícil é admitir os fracassos que construímos com as próprias mãos. Difícil é olhar para o espelho e reconhecer que nem tudo foi culpa do outro, que muitas vezes nós também fomos tóxicos, nós também ferimos, nós também sustentamos dinâmicas destrutivas. Justificar tua amargura com diagnósticos levianos é, no fim, um amuleto emocional que esconde tua imaturidade.
É mais fácil dizer eu tenho isso do que eu preciso mudar.
Mais fácil justificar o caos interno com um laudo do que mergulhar nas causas reais desse sofrimento.
Sim, transtornos existem. Diagnósticos sérios são ferramentas importantes no cuidado clínico. Mas o que estamos presenciando é uma distorção perigosa: a transformação de transtornos reais em desculpas para permanecer na estagnação.
E o mais preocupante? A colaboração de profissionais que compactuam com isso.
Gente que trocou o compromisso ético pela conveniência. O paciente chega pedindo um nome eles entregam. Sem escuta verdadeira, sem investigação, sem responsabilidade. Prescrevem um medicamento como quem entrega um calmante para o ego. A consulta vira um palco de agrado. A receita, uma forma de silenciar a angústia sem jamais tratá-la.
Quando o paciente volta dizendo que “não sentiu melhora”, a resposta não é: vamos conversar sobre isso. A resposta é: vamos aumentar a dose.
É isso mesmo. Mais remédio. Menos escuta.
Mais rótulo. Menos confronto.
Mais laudo. Menos elaboração.
Esses adultos não querem atravessar a dor querem escapar dela.
Não querem amadurecer querem ser compreendidos em sua covardia.
E muitos profissionais estão alimentando esse ciclo doentio.
É confortável usar o diagnóstico como escudo.
Com ele, não é preciso mudar.
Não é preciso responsabilizar-se.
Não é preciso rever atitudes.
É só dizer: “eu sou assim”, e pronto.
Como se fosse natural explodir de raiva, abandonar compromissos, manipular vínculos e viver uma vida desorganizada tudo porque um vídeo no Instagram disse que isso é “neurodivergência”.
Essa banalização da dor é cruel. Romantiza o sofrimento, mercantiliza o adoecimento e afasta qualquer possibilidade real de transformação. Porque ninguém se cura daquilo que usa como identidade.
E não se trata de negar o sofrimento. Se trata de parar de usar ele como desculpa para não viver com responsabilidade.
A psicanálise não oferece alívio imediato.
Ela oferece verdade. E verdade exige coragem.
Coragem para olhar para si com crueza. Para reconhecer que nem tudo é trauma às vezes, é escolha. Nem tudo é sintoma às vezes, é falta de caráter emocional. Nem tudo é transtorno às vezes, é só preguiça de crescer.
A saúde mental virou um mercado. E dentro dele, diagnósticos viraram produto. Vende-se transtorno como quem vende personalidade. E pior: tem gente comprando.
Mas quem busca de verdade se cuidar, precisa entender:
Um diagnóstico não é ponto final. É ponto de partida.
Não é uma resposta pronta. É um convite ao processo.
E, principalmente: não é desculpa para permanecer onde está. É chance de ir além.
Se há algo que precisamos resgatar na saúde mental é a ética, a escuta e a coragem de nomear o que realmente está em jogo: a infantilização de adultos que se recusam a amadurecer.
E a conivência perigosa de quem lucra com isso.
Faça terapia. Faça atividades físicas. Estude. Tenha responsabilidade afetiva.
Pare de ficar buscando justificar tuas maldades, teu desequilíbrio emocional, tuas atitudes impulsivas.
Você quer mesmo se cuidar ou só quer continuar sendo visto como vítima?
Quer ajuda ou quer aplauso?
Quer tratamento ou quer piedade?
Porque, no fundo, o que você espera é que digam:
“Tadinho do fulano… foi diagnosticado com tal doença.”
Mas lamento te dizer: diagnóstico não absolve.
Diagnóstico não justifica crueldade, não autoriza desrespeito, não sustenta irresponsabilidade emocional.
Chega de se esconder atrás de laudos. Chega de romantizar o sofrimento. Se é mudança que você quer, é de coragem que você vai precisar