Talvez seja injusto afirmar que os autores da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) viram o Brasil dividido entre empregadores e empregados. Essa, entretanto, a impressão que colhe o leitor do texto original da Consolidação.
Para os empregadores fixaram prazo rígido, de 48 (quarenta e oito) horas, destinado à anotação da Carteira Profissional, como em 1943 era denominada a atual Carteira de Trabalho e Previdência Social. O contrato lançado no documento deveria conter a “data da admissão, a natureza dos serviços, o número no registro legal dos empregados, e a remuneração, sob as penas cominadas em lei “. (Art. 20).
A Carteira Profissional, além do número, série e data da emissão, traria a fotografia do empregado, tomada de frente, com menção da data em que havia sido tirada, reproduzindo o rosto do fotografado, sem retoque, ”com as dimensões de aproximadamente três por quatro centímetros, tendo, num dos ângulos em algarismos bem visíveis, a data em que tiverem sido revelados, não se admitindo fotografias tiradas um ano antes de sua apresentação”. (Arts. 16 e 19).
O rigor da lei se justificava porque, em 1943, o país se encontrava em guerra contra o Eixo nazifascista, compreendendo Alemanha, Itália e Japão, havendo temor de infiltração da denominada 5ª coluna. A Carteira Profissional, com anotação de contrato de trabalho, sobrepujou a Carteira de Identidade, como prova de que o portador era pessoa honesta e trabalhadora.
Além da Carteira Profissional havia, para o empregador, em todas as atividades, exigência do livro próprio, ou ficha de registro de empregados, “na conformidade do modelo aprovado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio” (Art. 41).
Foram expressamente excluídos do amparo da legislação trabalhista, salvo disposição expressa em contrário, empregados domésticos, trabalhadores rurais, funcionários públicos da União, Estados e Municípios, e respectivos extranumerários, e servidores de autarquias paraestatais, submetidos a regime próprio de proteção ao trabalho.
Para redigir este artigo, valho-me de edição da CLT impressa em 1962 pela Editora A. Coelho Branco F.º, do Rio de Janeiro, sob a supervisão do Dr. Alonso Caldas Brandão, responsável pela atualização da CLT. Desde então, apenas especialistas conseguem acompanhar a evolução deste ramo do direito, “dinâmico, incompleto e inconcluso”, na feliz expressão do jurista mexicano Mario De La Cueva.
Uma atividade singular permanece, porém, fora da cobertura do Direito do Trabalho. Refiro-me às diaristas, cujo número aumentou e continua a se expandir na mesma proporção em que se reduz o número de empregadas domésticas, atingidas pela legislação que deveria protegê-las. Hoje limitadas ao trabalho em mansões habitadas por famílias de alto poder aquisitivo, as empregadas domésticas, também conhecidas como secretárias do lar, praticamente desapareceram de casas e apartamentos da classe média, porque os salários, sobrecarregados de encargos trabalhistas ou de natureza social, os colocam muito além do poder aquisitivo dessa importante camada da população. Da elevação do custo de vida, do IPTU, e de crescentes taxas de condomínio, resulta a impossibilidade da contratação de empregada doméstica, fazendo surgir prédios cujas unidades residenciais são cada vez menores, havendo apartamentos com 20 metros quadrados, e até menos, destinados a pessoas solteiras e casais sem filhos, outro fenômeno da vida moderna.
A diarista é a versão feminina do úber, o motorista que se recusa a ser registrado por preferir a liberdade, “uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e que não entenda”, como escreveu Cecília Meireles. O trabalho prestado fora das detalhadas exigências da CLT, relativas a registro, pontualidade, assiduidade, facilita para a diarista e a tomadora de serviços se ajustarem de conformidade com as recíprocas necessidades, sem prejuízos para ambas as partes. Aliás, assim se torna possível o trabalho no domicílio, favorável ao empregador e ao empregado.
Espero que em Brasília, na Praça dos Três Poderes, a ninguém ocorra a trágica ideia de tentar impor minuciosas regras federais para atividade cuja existência só se tora possível graças à ausência de regulamento. Veja-se o caso da empregada doméstica. Perdeu o emprego por excesso de proteção.