Podemos contratar pessoas trans?
Uma das contribuições relevantes do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ foi romper com a ideia naturalizada de que pessoas trans não tinham direito ao trabalho, sobretudo nas grandes empresas. Em 2013, quando foi criado, eram raras as pessoas trans trabalhando nas grandes empresas fundadoras do Fórum.
A naturalização da exclusão precisava ser entendida para definirmos estratégias que produzissem inclusão. Foram identificadas algumas das crenças, valores e práticas, ou seja, os paradigmas que criam as barreiras, reforçam estigmas e preconceitos:
- Uma escolha pessoal ruim – A pessoa “escolheu” um “estilo de vida” incompatível com o padrão existente no mundo do trabalho, portanto, “abandonou” o direito ao trabalho. A “estética” que “escolheu” não é aceita na empresa.
- As normas não deixam – A pessoa “está mentindo” sobre sua identidade. Possui um nome, mas se apresenta com outro. Possui um “sexo”, mas diz ter outro. Isso fere os princípios de integridade da empresa, traz problemas com a justiça, compliance e regulamentações.
- As demandas não podem ser atendidas – A pessoa tem demandas que não podem ser atendidas porque trazem custos para a empresa. Além disso, a presença e essas demandas podem ofender os empregados que possuem crenças religiosas ou políticas que não admitem a existência de pessoas trans. Não há como obrigar que se respeite o nome social, o uso de vestuário, vestiário ou banheiro “trocados” em relação ao “sexo”, por exemplo.
- São transtornos para a empresa – A pessoa, com tudo isso, vai trazer transtornos para a empresa, seja ela empregada ou buscando vaga na empresa. Empresas não querem transtornos, conflitos, ter que aprender coisas novas, realizar mediação entre uns e outros. O melhor é manter o foco nos resultados da empresa.
Como enfrentamos os paradigmas da exclusão?
Empresas que foram pioneiras geraram os aprendizados necessários para a transformação do paradigma da exclusão em inclusão e adição efetiva de valor. Podemos resumir esses aprendizados em:
- Aprender incluindo – Empresas com ambientes mais abertos se dispõem a aprender enquanto incluem, ou seja, ouviram movimentos sociais e as pessoas trans que já estavam na empresa ou que estavam sendo contratadas.
- Incluindo para aprender – O compromisso com a inclusão direciona a escolha por conteúdos educacionais para lideranças e equipes que tenham foco em desafios atuais e próximos da realidade da empresa.
- Dignidade humana – Mesmo sem respostas ou entendimentos aprofundados sobre identidade de gênero, a empresa ética se orienta com foco no respeito à dignidade da pessoa para tomar decisões, acolher demandas e mediar possíveis conflitos.
- Respeito à autodeterminação – Empresas éticas e mais liberais respeitam o direito à autodeterminação das pessoas, sem subordinar a aceitação plena para que haja respeito nas relações internas ou com outros stakeholders.
- Responsabilidade social – Empresas engajadas em práticas de gestão que buscam impactos positivos nas comunidades e na sociedade realizam ações afirmativas, contratam e promovem a carreira de pessoas trans como forma de contribuir no enfrentamento das desigualdades e violências existentes no país.
- Cultura de desenvolvimento de pessoas – Empresas que investem em diversidade, equidade e inclusão, investem também em uma cultura de desenvolvimento de pessoas, inserindo na gestão de pessoas esse compromisso para diminuir possíveis distâncias entre exigências da vaga e condições de pessoas candidatas a ela.
- Criatividade e inovação – Empresas mais abertas e que buscam conexão com ideias, tendências e possibilidades que podem afetar os negócios, consideram as demandas como fonte de criatividade e inovação, aprimorando práticas de gestão na relação com todos os stakeholders.
A escolha pela agenda ASG
A adoção de práticas inclusivas é uma escolha que está colocada para o mundo empresarial, cada empresa e todo o ambiente de negócios, articulando a obrigação de respeitar e promover direitos humanos com a obrigação de construir empresas eficazes, na ótica do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável nº. 16.
Ele nos diz o seguinte: “Paz, Justiça e Instituições Eficazes – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis.” Empresa bem-sucedida, com foco em excelência e resultados, é uma empresa que respeita os direitos humanos e trabalha com práticas ASG.
A agenda ASG, que articula aspectos ambientais, sociais e de governança na gestão de empresas ou instituições eficazes para o desenvolvimento sustentável, é um movimento político que exige realizar escolhas, tomar posição e, sobretudo, aprender a dialogar para que as suas propostas alcancem mais pessoas e resultados no ambiente global.
O uso político de pessoas trans pela extrema direita empresarial
Pessoas trans são utilizadas por movimentos reacionários e de extrema direita presentes no ambiente empresarial para simbolizar seu combate às mudanças propostas pelos que adotam a agenda ASG no ambiente de negócios, expressão do compromisso com a agenda mais ampla de desenvolvimento sustentável.
O movimento político de extrema direita acrescenta mais um motivo para empresas socialmente responsáveis adotarem práticas inclusivas porque, mais que nunca, pessoas trans necessitam de proteção, condições para existir, se expressar e se desenvolver.
A erradicação da transfobia, da morte social e física, pode contar com as empresas comprometidas com direitos humanos de variadas formas, sobretudo com a garantia do direito ao emprego, uma maneira de oferecer condições dignas de visibilidade, participação e poder na sociedade.
Uma organização parceira do Fórum concretizou o que era intenção
Foi uma feliz coincidência que o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ tenha surgido junto com a criação do TransEmpregos, uma iniciativa de empregabilidade que colocou pessoas trans em contato com empresas, algo inédito e ousado para aquele momento e para os tempos atuais. O discurso sobre a importância da inclusão de pessoas trans se materializou em aprendizados essenciais, a quebra do paradigma da exclusão e a multiplicação de experiências empresariais que impactam hoje o número de contratações.
Muitas formas de colocar a empresa a serviço da dignidade humana
No mês da Visibilidade Trans, celebrado em janeiro, o Fórum publicou um caderno especial que articula seus 10 Compromissos da Empresa com o Respeito e Promoção dos Direitos Humanos de Pessoas LGBTI+ com ideias e sugestões para inclusão de pessoas trans.
O impacto da inclusão de pessoas trans nas práticas de gestão empresarial sustentáveis, sintonizadas com a agenda ASG, é essencial hoje, mais que nunca, para construir um ambiente de negócios que não deixe ninguém para trás e que se distancie das propostas que pregam ódio a pessoas e não respeito. Falar e agir pelo respeito a todas as pessoas é a tarefa do momento.