Atos racistas contra jogadores do Palmeiras na Libertadores expõem a ineficácia da Conmebol para enfrentar tais situações.
Em jogo válido pela categoria sub-20 da Taça Libertadores da América realizado em 6 de março, disputavam no Paraguai, a equipe da casa, o Cerro Porteño, e o Palmeiras, que vencia o jogo por 3 X 0. Aos 36 minutos da 2ª etapa da partida, torcedores locais praticaram atos deliberados de racismo dirigidos aos jogadores Luighi e Figueiredo, do Palmeiras, imitando macacos….
Lamentavelmente, a cena não é ato isolado e vem se repetindo em nosso continente, na Europa e em todo o mundo. A reiteração, muitas vezes alavancada pela circunstância da influência da multidão, pode ser em parte atribuída à impunidade de tais condutas, já que não são percebidas respostas contundentes por parte do aparato estatal e muito menos por parte das federações de futebol no sentido de lutarem de forma intransigente contra esta prática abominável.
No jogo seguinte da competição, os atletas do Palmeiras e da equipe adversária ergueram o punho repetindo o gesto universal de luta contra o racismo, o que evidencia entre os atletas a elevação positiva do grau de consciência em relação a este gravíssimo problema social, jurídico e político. Mas isto não basta e está longe de resolver esta questão tão complexa.
Este caso é ainda mais grave porque diz respeito a categorias de base e, assim, pode contribuir para que os jovens se desiludam precocemente em relação ao futuro no esporte.
A reação da Conmebol ao episódio é absolutamente lamentável, sintomática e ilustrativa para podermos avaliar o momento vivido pelo mundo em relação a esta verdadeira chaga. Note-se: o Cerro Porteño foi eliminado da competição pelo Palmeiras e, mesmo assim, recebeu como pena a determinação de ter o estádio vazio durante a competição. Mas aí, vem a pergunta: qual a efetividade desta sanção se foi o time eliminado?
Além daquela pena, foi-lhe aplicada a multa de US$ 50.000. Observemos, em outros jogos recentes, a Conmebol aplicou, por outros fatos, multas maiores chegando ao dobro do valor, em razão do uso de sinalizadores em estádios ou mesmo em razão do atraso de 3 minutos no retorno a campo depois do intervalo ou de até mesmo, por 1 único minuto de atraso.
Todos esses fatos, tendo em vista os valores de multa aplicados, a Conmebol considerou mais graves que um caso de racismo, em que se avilta a dignidade humana. Ou seja, demorar 60 segundos além do tempo estabelecido para retornar ao campo de um jogo de futebol é por ela considerado ato mais grave que a humilhação imposta por atos racistas, que deixarão marcas e traumas para sempre.
Mais grave ainda, nada se fala acerca do destino do valor pago a título de multa, que poderia servir, por exemplo, para custear ações educativas, pedagógicas ou publicitárias contra o racismo. Poderia servir para, ao menos, dar início a algum trabalho comunicacional de conscientização sobre os malefícios do racismo.
A receita é, no entanto, pura e simplesmente incorporada aos cofres da Conmebol, entesourada como qualquer outra, sem qualquer preocupação em relação à accountability.
Não se tem conhecimento de uma política institucional da Conmebol para o enfrentamento sério, estruturado, planejado, preventivo e efetivo contra o racismo, a curto, médio e longo prazo. Não há preocupação com transparência. Não há programa de compliance.
Não se vislumbra preocupação por parte da Conmebol em construir um grande pacto com clubes, federações, ministérios públicos, judiciários, imprensa e sociedade civil contra o racismo. Não assume liderança nem protagonismo no tema, não se propõe a estabelecer penas elevadas e recalibradas com destinação programada e definida em prol de ações preventivas contra o racismo.
Não são notadas ações no sentido de punir tais transgressores de forma exemplar, isolando-os de convívio social e dos estádios, o que poderia causar a percepção que este tipo de comportamento não seria tolerado. Muito pelo contrário, o que se sente é a naturalização do racismo diante da letargia do organismo esportivo, complacente com esta forma de criminalidade, não coibida na esfera administrativa do esporte.
Os casos recentes mostram uma triste radiografia de verdadeira apatia por parte da Conmebol contra o racismo. Não são aplicadas penas eficazes, não se assume atitude protagonista na jornada de enfrentamento, contribuindo-se decisivamente para sua naturalização e para que a impunidade desta verdadeira chaga seja a regra.
Vini Jr., meses atrás, foi reiteradamente humilhado com ofensas racistas em campos de futebol da Espanha e enfrentou os ataques com extrema coragem e altivez, em face do que se transformou em referência mundial no enfrentamento ao racismo. Mas há quem diga que não ganhou o Balon D’Or porque poderia ter inflamado e tirado proveito oportunista deste protagonismo para ficar em evidência.
Ou seja, além de ser vítima de racismo, ainda pagou o preço desta absurda acusação e da perda da premiação. Agora, Luighi reagiu com veemência, emocionando-nos e mostrando a todos nós que, ao menos em relação à atitude dos atletas, há esperança de um novo tempo. É necessário que a Conmebol faça sua parte.
Fonte: Poder360