São escassas as análises sociológicas do movimento sindical
brasileiro. Livros e comentários têm se concentrado em torno da legislação,
discutida como elemento primordial do Direito Coletivo do Trabalho.
Entre a reduzida história do sindicalismo, destacam-se O
problema do sindicato único no Brasil, de Evaristo de Moraes Filho, cuja
primeira edição é de 1952; Sindicato e Estado, de Azis Simão; História das
Lutas Sociais no Brasil, de Everardo Dias; Sindicato e Desenvolvimento no
Brasil, de José Albertino Rodrigues e Sindicalismo no Processo Político do
Brasil, de Kenneth Paul Erickson, todos da década de 1960.
Adepto da doutrina anarco-sindicalista, o espanhol Everardo Dias
(1883-1966) foi um dos principais representantes do período heroico de
resistência à exploração do proletariado, ao lado de outros imigrantes italianos
e portugueses, como Edgard Leuenroth (1881-1968), Gigi Damiani (1876-
1953), Benjamim Mota (1870-1940)). Trabalhou como tipógrafo-caixista do
jornal O Estado de S. Paulo. Dedicou a vida à organização de sindicatos,
numa época em que fazer a defesa dos trabalhadores exigia reuniões
clandestinas em “salões exíguos, pobres de ornamentos, escuros, com
algumas cadeiras e bancos toscos, pequena mesa ao fundo, poucos
concorrentes”. Participou da grande greve de 1917. A vida de Everardo Dias
deve ser conhecida como exemplo do combativo sindicalista e libertário que já
não existe.
O peleguismo é a chaga aberta na história do sindicalismo
tupiniquim A expressão se encontra dicionarizada. Significa agente infiltrado à
serviço do governo ou dos patrões, que age no interior do sindicato, tirando
proveito político, econômico e arrefecer o espírito de luta da categoria. Como
faca de dois gumes, corta de ambos os lados, de acordo a conveniência com o
momento.
Durante o período de formação, a partir do final do século 18 até
meados do século 20, eram raros os pelegos. Consciente do alto cargo
exercido, Getúlio Vargas fazia uso dos sindicalistas, mas não lhes permitia
intimidades. Outorgou a legislação trabalhista, conforme declarou no Discurso
de 1º de Maio de 1952, como “ideal a que consagrei toda minha vida pública e
que procurei pôr em prática desde o dia quem que assumi a suprema
magistratura da Nação”.
O primeiro pelego foi Deocleciano de Holanda Cavalcanti. Ele
mesmo assim o admitiu em minucioso depoimento ao jornalista Paulo Henrique
Amorim, publicado na extinta revista Realidade (março de 1968, pág. 152).
Indagado se era pelego, respondeu: “Se sou pelego não sei. Só sei que fui o
primeiro a ser chamado disso (….). Mas com esse sentido, de líder sindical que
facilita a montaria do patrão, só começou a ser usada em 1946”. Deocleciano
descreve como boicotou a criação de central sindical, “uma espécie de CGT”,
prestes a ser aprovada em congresso nacional organizado pelos comunistas,
reunido no Rio de Janeiro, no estádio do Vasco da Gama. Suspensos os
trabalhos com a chegada da noite, Deocleciano seguiu para o Ministério do
Trabalho e revelou o que se passava ao ministro Octacílio Negrão de Lima:
“Ele acabou com o congresso. Por causa desta atitude, obtive a criação da
CNTI, o primeiro órgão de cúpula da cúpula sindical, e me tornei seu
presidente. Depois disso, sempre fui chamado de pelego” (pág. 160).
Deocleciano foi o todo-poderoso presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) entre 1946 e 1961, quando o
candidato situacionista, Heraci Fagundes Wagner, se viu derrotado por
Clodesmidit Riani e Dante Pellacani, depostos pelo golpe de 31/3/1964.
Encerrada a intervenção, nas eleições de maio a vitória coube a João Wagner,
reeleito em 1966. Seguiram-se Olavo Previatti e Rudor Blumm, nomeado
ministro classista do Tribunal Superior do Trabalho. Em seguida Ari Campista,
cuja figura é a epítome do peleguismo.
São três os tipos de pelegos: o vermelho, ligado ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB) ou ao Partido Trabalhista Nacional (PTN); o
amarelo, sem ideologia, a serviço dos patrões; e, após 1964, o verde, serviçal
do governo militar. Vermelho, amarelo ou verde, o peleguismo se conserva
vigorosamente unido na defesa da ligação umbilical com o Ministério do
Trabalho, da unicidade sindical, do monopólio de representação, da divisão
estanque em categorias, ofícios e profissões, da Contribuição Sindical paga
indistintamente por patrões e empregados.
Desde o Decreto-Lei nº 1.402/1939, que adotou o modelo sindical
corporativo fascista, copiado da Carta Del Lavoro, a estrutura sindical se
conserva inabalável. Assim se explica o irresistível movimento de fuga de
trabalhadores dos falsos representantes.
Existem dirigentes sindicais autênticos. Exatamente esses não
são bem-vistos pelo Ministério do Trabalho. Lula, o metalúrgico, deixou de ser o
mesmo. Confirma aquilo que diz a sabedoria popular: quando a política penetra
nas igrejas e sindicatos, o mal se instala, em prejuízo dos fiéis e dos
trabalhadores.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do
Trabalho. O Estado de S. Paulo, 17/8/2024, pág. A5.