A cada dia nos percebemos mais vulneráveis, iludidos, frágeis, indefesos, até bobos e manipuláveis. Muito além dos inúmeros riscos que sofremos no dia a dia, tem o que escutamos, no que acreditamos, em quem acreditamos. E ainda temos de ouvir de vez em quando uma justificativa ridícula: era só retórica.
A palavra saiu da boca do depoente maior desta semana (que prefiro e nem preciso citar o nome) algumas vezes, na maior cara dura: “era retórica”. “Exagerei na retórica”. Acompanhada por um “desculpas” isso ou aquilo, como se educado e inocente fosse. Praticamente alegando que nem sabia porque estaria ali sendo julgado, ao lado de outros “inocentes”. Creio que a todos pareceu estarmos assistindo a um espetáculo teatral, aliás, tenebroso, de péssimo gosto, principalmente para quem tem memória de tudo o que foi dito, quando foi dito, o que foi feito e o que causou, a forma e os locais nos quais foram ditas as tais frases “retóricas”. Como se sente quem acreditou, feito de idiota, manipulado? Devem estar se sentindo traídos, e mais uma vez, por ídolos de barro mole. Camisetas amarelas e da Seleção queimadas nas fogueiras de São João seria agora o mínimo da dignidade.
Ah, se fosse só ele a usar esse recurso, e se tudo fosse como tantos declaram, de forma tão despreocupada como se não houvesse amanhã que as revelasse à luz do Sol, da justiça, da verdade. Está virando moda dizer um dia, se desdizer no outro, principalmente sentado na cadeirinha dos tribunais. Racista, homofóbico, violento, eu? “Imagine, era só retórica”, dizem, sempre acompanhado de frases que pioram e muito a situação, como “tenho até amigos negros”, “ué, não quis ofender”, “só exercia minha liberdade de expressão”.
Liberdade de expressão que na boca (ou nos posts feitos em redes sociais) de certas pessoas causa até arrepios na coluna; enoja. Andam usando como bandeira de tanta coisa ruim que daqui a pouco vão defender que se grite “Fogo” dentro de uma sala de cinema, e depois saiam às gargalhadas, como creio que sempre estão rindo de nossas caras. Caçoando dos coitados que vão atrás de suas ordens, que acreditam nas balelas e por elas são capazes de brigar e até matar. Largar a família para viver em tendas nas portas do Exército. Ou, por outro lado, acreditar de pés juntos que as coisas atualmente estão uma beleza no país, que o mundo nos acha o máximo.
Não é difícil perceber o quão nos tornamos muito mais vulneráveis aos perigos, além daqueles que a vida sempre nos proporcionou, inevitáveis. Desde a queda de um avião considerado o mais seguro do mundo, o atropelamento ao atravessar na faixa de pedestres, um vaso que cai de uma janela, o tropeção nos buracos de rua, o assalto à mão armada. Tem também um conflito lá longe que pode degenerar uma guerra mundial e explodir a qualquer momento, e que se inicia com uma notícia extra no meio da noite, trazendo angústia e sérios problemas a todos. Esse “mais” inclusive já vêm também com retórica do um contra o outro, dos líderes e suas pretensões, sejam elas de poder, religião, conquistas ou mesmo para desviar o olhar de suas próprias e já sentidas inconsequências. De todos os cantos, uma hora chega a nós. Ultimamente até porque a tudo parece sermos forçados a termos de aceitar e decidir por um lado, desses dois que nesse maniqueísmo absurdo as coisas se transformaram nos últimos tempos, em todos os campos.
Além da vida digital em andamento, essa que tanto facilita e ao mesmo tempo complica as relações, os temas até que vêm tendo tentativas de normalização, como a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilização das empresas que abrem suas portas sem ver o que/ quem entra e o que vão ou já estão fazendo por ali.
Há o novo inferno trazido pela inteligência artificial, ao mesmo tempo tudo de bom para o progresso, e tudo de ruim, quando usada com artimanhas para criar universos paralelos, golpes, chamados, raivas, transformar mentiras em verdades como mágica destrutiva de qualquer coitado do São Tomé. Agora é “não adianta mais ver para crer”. Surgem daí novos magos, mágicos de falsificações, mentes de verdade de pessoas inteligentes voltadas apenas para a manipulação, para nos deixar cada vez mais vulneráveis, medrosos, indefesos, desprotegidos e derrotados. Além, claro, de exaustos.
Combinando com o tempo das festas juninas, pulamos fogueiras, pontes e corremos das cobras de líderes, governos, organizações, medidas, ordens e decretos, seduções e promessas.
Não somos a quadrilha, nem as dançamos. Somos mesmo é todos os caipiras e ingênuos a serem enrolados no caminho de uma roça onde não há GPS que nos salve do buraco que vão acabar nos metendo.