Em 1982, com um esforço grande de todos que se opunham ao regime militar, Franco Montoro ganhou a eleição ao Governo de São Paulo de Reinaldo de Barros, o candidato da ditadura.
No ano seguinte, após tomar posse, Montoro, seguindo a “lei” dos militares, indicou Mário Covas como Prefeito de São Paulo.
Após relutar por algum tempo, Covas aceitou e assumiu a Prefeitura.
Eu fui indicado para assessor na Administração Regional de Campo Limpo, com Abel Abate, um grande democrata, como Administrador Regional. A Supervisora Regional de Assistência Social era Vilú Salvatore.
Nesse tempo, a área sob responsabilidade da Administração Regional de Campo Limpo abrangia as regiões de Guarapiranga, Jardim Angela, Jardim São Luís, Capão Redondo e Campo Limpo.
Ao chegarmos lá, encontramos uma terra arrasada, deixada pelo Prefeito do PDS, partido da ditadura.
As máquinas quebradas, o almoxarifado zerado, muitos rastros de corrupção e outros desmandos.
A esperança e as demandas da população eram imensas.
A oposição, então exercida pelo PT, aproveitava-se da situação para infernizar a gestão do Covas, e nossa região tinha forte influência do PT, aliado à militância da Igreja Católica.
Em Campo Limpo havia problemas enormes de estrutura urbana: cerca de 3800 ruas de terra, falta de equipamentos públicos de saúde, de educação, de lazer, de saneamento básico e uma população empobrecida e carente.
Diante de tudo isso, a imensa demanda e a quase absoluta falta de estrutura para atendê-la, tivemos uma ideia.
Um dia, um tanto desolados, eu disse para Abel Abate: e se nós fizéssemos mutirões populares, onde for possível, fornecendo técnicos e material, e chamando o povo para ajudar com a mão de obra??
Abel topou na hora. Não tínhamos outra saída.
E assim começamos!!!
O primeiro mutirão nós fizemos no Parque Bologne. Era uma escadaria/viela grande que o povo solicitava há muito tempo. O líder comunitário era o Sr Jõao do Bologne. Foi um estrondo. Era um barranco enorme, e após nossos engenheiros traçarem o projeto, e fornecermos o material necessário, realizamos várias reuniões de organização com os moradores, reunimos cerca de 700 voluntários locais que num sábado e domingo construíram a bendita escadaria.
Lembro-me bem que no final da tarde de sábado, o Prefeito Mário Covas que estava na região, apareceu de surpresa ao local e viu aquele formigueiro de gente construindo em mutirão a escadaria do Parque Bologne.
Ele tinha anteriormente, questionado a ideia dos mutirões, por entender que o povo que já pagava os impostos, não deveria trabalhar de graça para a Prefeitura.
Mas, diante do entusiasmo popular, não resistiu um minuto, arregaçou as mangas, desceu o barranco e começou a assentar blocos na escadaria.
Ficou entusiasta dos mutirões.
As coisas deram tão certo que nós ampliamos as ações.
Fizemos, só na região de Campo Limpo em parceria com a Supervisão de Assistência Social, 300 escadarias/vielas, quase 50 praças, centenas de guias e sarjetas. E mais e mais.
Mutirões de asfaltamento de rua foram muitos.
Lembro do Jardim Rosana que tinha 22 ruas de terra, em 3 finais de semana asfaltamos todas, com a participação de cerca de 3 mil moradores trabalhando.
O líder comunitário lá era o “Prefeitinho”, que ajudou muito a organizar o povo para participar.
Muitos bairros foram asfaltados na região de Campo Limpo com os mutirões populares, como o Jardim Capela, entre outros.
O Prefeito Mário Covas então adotou esses mutirões em sua gestão, e levou para toda Cidade. Lembro do Jardim Castelo no Cangaiba, em ruas do Itaim Paulista e muitos outros.
Depois, fizemos um mutirão de construção de casas no Conjunto Habitacional dos Adventistas, onde o povo construiu 1000 casas em mutirão.
Com a entrada do Prefeito Jânio Quadros (1986), ele acaba com os mutirões, e as obras foram entregues para as empreiteiras.
Mas, Mário Covas, eleito Governador em 1994, levou os mutirões para o CDHU, que construiu vários conjuntos de casas com a participação popular.
O pioneiro, foi Elgito Boaventura, com sua Frente Paulista de Habitação, que construiu cerca de 40 mil casas em mutirão.
Erundina como Prefeita, retomou os mutirões de casas na Capital.
Nós hoje, visitando vários bairros em São Paulo, nos deparamos com obras feitas pelos mutirões populares que nós começamos em 1983, como por exemplo a enorme escadaria do Parque Arariba, que é vista da Av. Caldeira Filho, ou a Praça das Notas Musicais na região de Guarapiranga.
Para se ter uma ideia, uma viela feita por empreiteiras custava 2 milhões e pelo mutirão, 300 mil.
De 1997 a 2000, eu fui Secretário de Saúde de Diadema, e lá também organizamos mutirões populares para as Unidades de Saúde. Reformamos as 23 UBS da cidade com os mutirões a um custo baixíssimo e alta participação do povo.
Foi um sucesso.
Numa época difícil, saindo da ditadura militar, com carências enormes da população, poucos recursos públicos, inflação altíssima, os mutirões populares foram um recurso exitoso, tanto para atender as justas demandas, como para organizar a participação popular nos governos.
Gilberto Natalini: Médico e Ambientalista