Um dos resultados da globalização consiste no implacável aumento de concorrência por novos mercados, no mundo dos pequenos e grandes negócios.
Em cenário dominado por conflitos, a posição do Brasil é desfavorável. Somos o quinto em extensão territorial e o sétimo pelo tamanho da população. Apenas, porém, na segunda metade do século passado foram dados os primeiros passos no sentido da industrialização com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Fábrica Nacional de Motores (FNM), a abertura dos primeiros poços de petróleo, a implantação da indústria automotiva, trazida dos Estados Unidos e da Alemanha, graças ao presidente Juscelino Kubitscheck.
O Brasil é caso único de legislação trabalhista e criação da Justiça do Trabalho antecederem a formação do operariado urbano. Ambas surgiram graças ao desejo do presidente Getúlio Vargas, quando chefe absoluto do Estado Novo (1937-1945), como ele próprio o disse no discurso do Dia do Trabalho, em 1º de maio de 1952.
A decretação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) encontrou em vigor o Código Civil de 1916, obra de Clóvis Bevilaqua inspirada em projeto de Teixeira de Freitas. Fiel ao pensamento da época, o legislador adotou o princípio clássico da separação entre a pessoa jurídica da empresa e as pessoas físicas dos respectivos associados. Assim o dizia, com toda a clareza, o art. 20: “As pessoas jurídicas são distintas das dos seus membros”.
Sobre o dispositivo escreveu Clóvis Bevilaqua: “A consequência imediata da personificação da sociedade é distingui-la, para os efeitos jurídicos, dos membros que a dispõem. Pois cada um dos sócios é uma individualidade e a sociedade uma outra. Não há como lhes confundir a existência” (Código Civil, Ed. Livraria Francisco Alves, RJ, 1956, vol. I, pág. 183).
Empresa, sociedade, companhia, são expressões com igual significado. Na definição do art. 981 do Código Civil em vigor, “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
O dispositivo não o diz, mas é óbvio que as pessoas se organizam, como sociedades de direito privado, com a esperança de conseguir lucros. Não existe empresa constituída para ter prejuízos, salvo se destinada a lavar dinheiro sujo, como o fazem aquelas formadas pelo crime organizado.
Na lição de John Micklethawait & Adrian Woolbridge, “A organização mais importante do mundo é a empresa, que é a base da prosperidade do Ocidente e constitui a melhor esperança para o futuro do resto do mundo” (Companhia – Breve história de uma ideia revolucionária, Ed. Objetiva Ltda, RJ, 2003, pág. 15). Em estilo simples, os autores descrevem como surgiram as primeiras companhias, e o desenvolvimento da legislação, em particular na Inglaterra, destinada a assegurar aos empreendedores a possibilidade de “levantar capital em segurança, cientes de que os investidores somente perderiam aquilo que houvessem investido”. Bastava assinarem “um memorando de associação e que a companhia agregasse a palavra ‘limitada’, a fim de advertir os credores que não poderiam litigar com os proprietários da firma” (pág. 18).
A inteligente fórmula jurídica, encontrada no final do século 19, fazia todo sentido. Afinal, quem organiza ou se integra a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, o faz convencido de que assume compromissos proporcionais ao capital investido, nunca em relação ao montante do patrimônio, ou para arriscar bens pessoais e da família.
O art. 2º da CLT considera empregador, “a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Comprometida, portanto, com os azares dos próprios negócios, não transmissíveis a cada associado. Na sociedade anônima de capital fechado ou aberto, a confusão não existe, conforme reza o art. 1º da Lei nº 6.404/1976: “A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço das ações subscritas ou adquiridas”.
Segundo o art. 1.052 do Código Civil em vigor, na sociedade limitada “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Pela integralização do capital social. Não pelo pagamento de dívidas trabalhistas ou de qualquer outra natureza.
A adoção do princípio da despersonalização criou perverso clima de insegurança e de desestímulo, para cotistas de sociedades de responsabilidade limitada.
A expressão limitada, ou seja, com limites restritos (Dicionário Houaiss), perdeu sentido, está profanada. Quem cogita adquirir cota, ou empresa dessa natureza, deve se acautelar para não correr o risco de um dia se ver obrigado a pagar dívidas trabalhistas que não são suas, a quem não conhece e ignora como e de onde surgiram.
Ouçam a voz da experiência.