As queimadas no Brasil têm uma história longa e complexa, remontando à época colonial, quando o fogo era amplamente utilizado para abrir terras destinadas à agricultura e à pecuária. Com o passar dos séculos, essas práticas se intensificaram, principalmente nas regiões da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal. Atualmente, o Brasil está entre os países que mais sofrem com desmatamentos e incêndios florestais, o que tem graves consequências para a biodiversidade, o equilíbrio climático e a população que depende diretamente desses ecossistemas para sua subsistência.
Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que, em 2023, o Brasil registrou mais de 230 mil focos de queimada, representando um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Essas queimadas não apenas destroem vastas áreas de vegetação, mas também contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. Estima-se que cerca de 46% das emissões totais de gases de efeito estufa no país sejam atribuídas às queimadas e ao desmatamento, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Recentemente, o Governo Federal implementou novas medidas para enfrentar esse problema crônico. Entre elas está o Decreto Federal que aumenta significativamente os valores das multas aplicadas aos responsáveis por queimadas ilegais. De acordo com o decreto, multas podem chegar a R$ 50 mil por hectare de vegetação destruída. Essa medida busca reforçar o caráter dissuasório das penalidades, alinhando o Brasil a uma tendência global de maior rigor no combate a crimes ambientais. Além disso, a Instrução Normativa nº 20/2024 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) representa um marco importante na responsabilização por danos ambientais.
Até então, a reparação de danos ambientais vinha sendo majoritariamente cobrada pelo Ministério Público, através de ações civis públicas que incluíam a indenização por danos morais coletivos. Agora, o Ibama passa a ter competência para aplicar diretamente cobranças relacionadas à reparação de danos. Isso amplia significativamente o alcance da fiscalização ambiental e fortalece o aparato institucional do Estado na preservação do meio ambiente.
O aspecto mais relevante dessa instrução é a possibilidade de o Ibama exigir reparos financeiros diretamente dos infratores, inclusive considerando os danos morais coletivos causados à sociedade. Estudos apontam que o custo anual dos danos ambientais no Brasil ultrapassa R$ 100 bilhões, segundo estimativas da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A nova medida busca reduzir esse impacto através de maior rigor e celeridade nas cobranças.
É importante destacar que a introdução dessa competência adicional ao Ibama exige cautela e uma regulamentação precisa para evitar abusos ou cobranças desproporcionais. Além disso, abre-se uma discussão sobre o impacto dessa medida no sistema jurídico brasileiro. Afinal, a ampliação de atribuições a órgãos administrativos deve sempre respeitar os princípios constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
A meu ver, a Instrução Normativa nº 20/2024 é um passo importante no fortalecimento da governança ambiental no Brasil, mas exige uma atenção redobrada dos operadores do Direito. Há um claro movimento de atribuir maior protagonismo ao Ibama, mas isso também implica em novos desafios para as empresas, que precisarão adotar uma postura ainda mais proativa na prevenção de passivos ambientais. As queimadas ilegais, além de serem um crime, agora carregam um peso financeiro e moral que deve ser considerado em qualquer estratégia empresarial.
O papel do advogado especializado em Direito Ambiental será fundamental nesse novo cenário. Cabe a nós orientar nossos clientes sobre as melhores práticas de compliance ambiental, ajudar na revisão de processos internos e na adaptação às novas regras. Além disso, é imprescindível que contribuamos para a construção de um ambiente de negócios mais sustentável, onde a preservação ambiental seja vista não como um ônus, mas como um valor essencial para o crescimento.
Em tempos de crise climática global, medidas como essas mostram que o Brasil está dando passos na direção certa. Contudo, é essencial que sociedade civil, iniciativa privada e poder público atuem de forma integrada para garantir que os instrumentos legais sejam aplicados de maneira eficiente e justa. O fortalecimento da legislação ambiental é uma vitória para todos, desde que venha acompanhada de responsabilidade e comprometimento coletivo.