A situação da “cracolândia” na Capital paulista é assustadora, não há como negar. Comércio a céu aberto de quase todas as espécies de drogas, notadamente a mais barata e destruidora, que é o crack.
E o que mais chama a atenção é que lá, à vista de todos, é exercido o comércio maldito da droga, um dos crimes mais nefastos praticados no Brasil e no mundo, tratado em nosso país com desdém.
Não é sobre isso que quero tratar, posto que tenho inúmeros artigos e postagens sobre o tema na Rede e em outros veículos de comunicação.
Para quem não sabe, há no Canadá, mais precisamente em Vancouver, uma região em que usuários e viciados se “deleitam” com diversos tipos de drogas, também ao ar livre e à vista de todos. Situação paradoxal para país com um dos maiores índices de desenvolvimento humano do mundo.
Outro lugar em que a droga corre solta é na Califórnia. Cidades como Los Angeles e San Francisco o uso de drogas pelas ruas também é comum. Não vi local parecido com a “cracolândia”, mas usuários e mais usuários pelas ruas e o oferecimento de droga pelos traficantes em pontos movimentados sem nenhum medo de serem flagrados por policiais. Aliás, San Francisco, nos pontos mais movimentados, cheira à maconha, que é usada em quase todos os espaços abertos.
E qual a similitude desses locais? A autorização para o livre uso de droga. Isso mesmo. No Canadá drogas em geral estão liberadas e na Califórnia a maconha, inclusive para uso recreativo. Não sei dizer se a autorização no Canadá é para todas as espécies, mas o que presenciei foi o uso indiscriminado de vários tipos de drogas e a polícia no local para dar segurança, mas sem interferir com o que lá ocorre.
Mas, espera aí, no Brasil o porte para uso próprio e a venda de droga são proibidos. Verdade até certo ponto. Muito embora o porte para consumo pessoal seja realmente crime, as penas/medidas são tão ridículas, que raramente a polícia autua o usuário e, quando o faz, ele não pode ser preso e, se processado, cumprirá as medidas impostas se quiser, já que seu descumprimento dá ensejo a uma admoestação pelo Magistrado, que na realidade é assinada em cartório, ou pagará uma multa, isso se puder pagar, já que não é possível substituí-la por outra espécie de pena. E, com isso, quem não tem condições financeiras não a pagará e aquele que pode fazê-lo a paga e continua a fazer uso da droga, cuja condenação, de acordo com as Cortes Superiores, nem mais enseja reincidência, continuando o condenado a ser considerado primário e de bons antecedentes.
O pior é que ainda há quem defenda a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A situação que está ruim só irá piorar. Vide o que ocorreu no Uruguai, país semelhante ao nosso, com a descriminalização. Aumentou o tráfico e os crimes a ele relacionados.
É comum várias instituições pretenderem impedir a ação da polícia na “cracolândia” e em outros locais, sob o argumento de que violaria os direitos humanos dos usuários/dependentes. Até mesmo a internação involuntária (compulsória) encontra resistência. O que se fazer então? Deixar que eles dominem o centro e outros locais da cidade e avancem sobre os cidadãos de bem?
Ora, a manutenção da ordem é dever do Estado e cabe ao Município não permitir que a cidade se transforme em local insalubre e perigoso, já que é comum esses dependentes praticarem crimes para saciar seu vício, notadamente furtos, roubos e o próprio tráfico de drogas.
Sei que a situação não é tão simples, já que a mera repressão irá apenas espalhar pela cidade os dependentes, que sequer têm onde morar. Porém, uma coisa não dá para negar. Não se pode prejudicar grande parte da população paulistana, notadamente os comerciantes do centro e as pessoas que ali trabalham, sob o pretexto de proteger aqueles dependentes.
Não sou especialista em saúde pública, mas conheço o direito e sei perfeitamente que é possível, em casos extremos, determinar a internação involuntária dos viciados e que a polícia não pode ter sua ação obstada para que sejam “preservados direitos” de uma minoria, direitos estes que não existem, visto que usar (porte para uso) e vender droga não é direito de ninguém, mas ilícito penal.
Caminhar hoje pelo centro da cidade é uma aventura perigosa. Se for à noite então, posso afirmar que é insanidade e a chance de sair ileso é bem pequena.
Não sei dizer ao certo o que fazer no quesito saúde pública. Porém, uma coisa posso afirmar: é melhor pecar pela ação do que pela omissão. Assim, basta que se permita que os órgãos de segurança e de saúde pública ajam nos estritos termos da lei.
Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Editora Juruá.