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Recentemente foi publicado o Relatório Oxfam 2025, que trata do processo de concentração de renda em todo o mundo. Segundo o relatório, novos 204 bilionários surgiram e o ritmo de enriquecimento daqueles que já eram bilionários aumentou três vezes se comparado com o relatório de 2023. Uma das consequências é que os 10% mais ricos passaram a deter 45% da riqueza mundial.
Em artigo específico (“Nunca foi tão bom ser um bilionário”), publicado pelo Estadão dia 28 pp, o jornalista Jorge J. Okubaro explicou que enquanto em Davos a organização não governamental Oxfam divulgava aos participantes do Fórum Econômico Mundial esse relatório, mostrando que a riqueza dos bilionários cresceu US$ 2 trilhões em 2024 e que o mundo está perdendo a guerra contra a desigualdade, em Washington Donald Trump tomava posse como 47.º presidente dos Estados Unidos tendo como convidados em lugar de honra alguns dos homens mais ricos do mundo”.
E se a concentração de renda e riqueza não chegam mais a surpreender, vale observar outra gravíssima constatação: o ritmo acelerado de como é aumentada a riqueza daqueles já ricos. “Eles ficam cada vez mais ricos e cada vez mais depressa”.
Não bastassem esses fatos lamentáveis, o relatório aponta que “a maior parte da riqueza dos bilionários não é conquistada em condições normais de mercado, que em geral premia os mais competentes”. Pelo contrário, “essa riqueza é tomada, pois 60% veem de herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio”. “Nosso mundo extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas mais ricas”, explica o relatório.
E ao constatar, através de diversos estudos, que as chamadas ‘políticas sociais’ – educação, saúde, proteção social, direitos trabalhistas e tributação progressiva – vêm sendo reduzidas na maioria dos países, a previsão é de que tudo vai piorar, posto que “sem ações políticas urgentes para reverter essa tendência preocupante, é quase certo que a desigualdade econômica continuará a aumentar em 90% dos países”.
Para finalizar, concluiu a diretora executiva da Oxfam, Viviana Santiago: “na medida em que elites das maiorias dos países, incluindo aí o Brasil, seguem a mesma lógica, isto é, voltados para a produção e não preocupado com o processo de concentração de renda” consequente, repete-se “a mesma lógica colonial de apropriação, de exploração de gente e de territórios”, sem que se construa “uma dinâmica que promova qualidade de vida para as pessoas˜.
De acordo com o Banco Mundial, desde 1990 cerca de 3,6 bilhões de pessoas – 44% da população mundial – vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto “o 1% mais rico é proprietário de 45% de toda a riqueza mundial. Os dados ainda indicam que esses 44% dentre os mais pobres da população mundial vivem com menos de US$ 6,85 por dia. Já aqueles que vivem na extrema pobreza – 9% da população mundial em 2023 – recebem menos de US$ 2,15 por dia.
O estudo do Banco Mundial esclarece que a situação mundial só não ficou pior em face do crescimento no continente asiático, mais notadamente no território chinês, que conseguiu tirar da pobreza algumas centenas de milhares de pessoas.
Não à toa, reduzir radicalmente a desigualdade e diminuir o ‘nível’ de riqueza extrema, devem ser objetivos de todos os países nos quais os ‘fenômenos’ da concentração de renda e da riqueza têm prosperado vertiginosamente.
Uma grande maioria de especialistas que estudam e analisam o assunto, corroborando tudo o que até foi escrito, defendem a tomada de duas providências importantes: a) que instituições como o FMI, o Banco Mundial, a ONU e outras diversas, precisam alterar seus processos de governança de forma a eliminar um conjunto de providências que, ao longo dos anos, apenas protegem os “interesses das elites e das corporações ricas”, em especial daquelas pertencentes ao mundo mais desenvolvido; e b) de fato e concretamente, essas instituições precisam estimular os debates a respeito de reformas que promovam “o desenvolvimento coletivo”, seja através do compartilhamento, do reconhecimento, da tecnologia ou de todos os demais recursos disponíveis, que apoiem “o desenvolvimento sustentável” e a resistência aos “sistemas globais exploradores”.
Coincidentemente, o ex-presidente norte-americano Joe Biden, em seu discurso de despedida, foi enfático ao dizer que “hoje, uma oligarquia está tomando forma na América”.
Referindo-se aos maiores bilionários do mundo, que se transformaram em ‘grandes amigos’ do novo presidente dos Estados Unidos, Biden demonstrou estar preocupado com a concentração de poder nas mãos de poucos que se observa no governo atual.
Importante ressaltar que o fato de muitos deles serem proprietários das Big Techs, e utilizarem como ‘desculpa’ a necessidade de protegerem a liberdade de expressão, eles defendem, sem quaisquer análises prévias, e total liberdade, a publicação de notícias em todo e qualquer veículo de comunicação. Diante disso, a opinião de nove entre dez especialistas, é a de que a única expectativa esperada é de um aumento extraordinário na publicação de notícias falsas e mentirosas. Sem dúvida, de forma a aumentar ainda mais o poder e a riqueza dos já poderosos e ricos.
Em seu discurso, Biden cita o livro “Democracy for Sale”, de Peter Geoghegan, para alertar sobre a dificuldade que será lidar com os constantes ataques daqueles que, como já se disse, em nome da “liberdade de expressão”, permitem – e promovem – a publicação de ‘fake-news’.
No último dia 27, no The Guardian, Bernie Sanders, senador dos Estados Unidos e presidente do Comitê de saúde, educação, trabalho e pensões”, publicou um discurso extremamente importante (“O que Trump não disse em seu discurso de posse”), não só para comentar a respeito das inúmeras ‘mentiras’ e ‘impropriedades’ de Trump, e o seu total despreparo para governar os EUA, mas principalmente para apontar os diversos problemas relacionados à concentração de renda e riqueza, característica do País atualmente.
Além de contar com mais de “800 mil sem-teto e milhões de americanos que gastam 50% ou 60% de sua limitada renda em moradia”, com uma crise inédita no setor de habitação, o País conta com a maior desigualdade de rendimentos e de riqueza da história, disse Bernie. E complementa: “as três pessoas mais ricas do país possuem mais riqueza do que a metade mais pobre da nossa sociedade”, e Trump nada falou a respeito, “talvez porque tivesse essas três pessoas sentadas logo atrás dele em sua posse”. “Essas três pessoas – acredite você ou não – viram sua riqueza aumentar em mais de US$ 233 bilhões desde as eleições de novembro”. Em apenas quatro meses!
Não há dúvida, concluiu Bernie, é extremamente necessário construir milhões de moradias e a preços acessíveis, dar garantia para que todos os jovens tenham possibilidade de obter educação superior, matriculando-se em universidades públicas gratuitas, é fundamental “trabalhar com a comunidade global para combater as alterações climáticas, reduzindo as emissões de carbono e transformando o nosso sistema energético, deixando de utilizar combustíveis fósseis e passando a utilizar energias sustentáveis”, é essencial “aprovar uma legislação para aumentar o absurdamente baixo salário mínimo federal” e “facilitar a filiação dos trabalhadores a sindicatos, fazendo movimento sindical crescer”. É preciso “financiar as necessidades das famílias trabalhadoras deste país”, e exigir “que as pessoas mais ricas, incluindo os bilionários que apoiam Donald Trump, comecem a pagar sua parcela justa em impostos”. É preciso “acabar com um sistema corrupto de financiamento de campanhas que permite que um punhado de bilionários compre eleições e rapidamente nos leve à oligarquia”. Pois é, são providências que, sem quaisquer dúvidas, seriam ótimas se tomadas também aqui no Brasil.
Paralelamente, em sua edição de 2025, o World Economic Forum listou aqueles que, nos próximos dois anos, poderão ser os 10 maiores riscos globais. Vejamos, pela ordem, as coincidências com tudo aquilo que aqui está sendo escrito: 1. Desinformação; 2. Eventos climáticos extremos; 3. Conflitos armados entre países; 4. Polarização social; 5. Espionagem cibernética; 6. Poluição; 7. Desigualdade; 8. Migração involuntária; 9. Confrontos geoeconômicos; e 10. Erosão dos direitos humanos e liberdades cívicas.
Óbvio que esse ‘estado de coisas’ aumenta ainda mais a instabilidade geopolítica mundial, preocupando governantes, empresários e executivos. São questões que, se não bem cuidadas, colocarão em riscos nações e empresas de todo o mundo, considerando que é cada vez mais claro que as decisões a respeito de investimentos – governamentais e empresariais – e de produção, dependem cada vez mais de tudo aquilo que envolve os aspectos relacionados à ‘geopolítica mundial’.
Em entrevista publicada pelo Estadão, no mês de janeiro passado, o ex-presidente do Banco do Brics, economista e diplomata Marcos Troyjo, embora tenha feito uma ressalva com relação ao nosso País – “mas não está necessariamente ruim para o Brasil” (1) -, não teve dúvidas ao afirmar que “o mundo está muito perigoso”.
No Brasil, semelhante ao que está acontecendo em todo o mundo, o aumento da concentração de renda também se fez presente, sendo que atualmente cerca de 100 pessoas já alcançaram riqueza equivalente a R$ 146 bilhões, segundo informações da diretora executiva da Oxfam no Brasil, Viviana Santiago.
E mesmo considerando que aqui, nos últimos dois anos, houve uma retomada dos programas de transferência de renda, com impactos diretos na diminuição da pobreza, no qual o Programa Bolsa Família foi protagonista, e que o desemprego tenha caído significativamente, isto é, aumentando o processo de geração de renda, os números que representam a realidade social brasileira ainda são muito ruins.
Como escreveu o jornalista Rolf Kuntz no Estadão do último dia 9 (“Além da inflação, é preciso olhar o longo prazo”), toda e qualquer ação do governo federal produz muito mais efeitos, mais duradouros e muito mais amplos, “quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados”, isto é, quando geram mais empregos e renda.
Naquele artigo Kuntz critica, objetiva e corretamente, a falta de debates, principalmente em Brasília, para que se discutam de forma séria, os reais problemas da nação. Parece que tudo se resume “às próximas eleições”.
Ao avançar no artigo, Kuntz lembra que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma proposta com 25 itens que, se adotadas, ajudariam na solução de alguns problemas sérios do Brasil. Infelizmente, nosso Congresso, com outras prioridades, não “deu muita bola” para o assunto. Continua Kuntz: “se adotadas, algumas das propostas de Haddad – como a do fortalecimento do arcabouço fiscal – poderão simplesmente facilitar a passagem segura para uma nova etapa de crescimento econômico”.
Todos nós sabemos que nada do que se apresentou traz grandes novidades ou extraordinárias inovações, mas, conclui Kuntz, “podem favorecer a modernização das normas tributárias e da administração, além de produzir efeitos distributivos. É o caso, por exemplo, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, compensada por maior tributação das pessoas com rendas mais altas. Padrões desse tipo são encontrados normalmente nas economias desenvolvidas, onde é leve o imposto sobre o consumo e bem pesada a tributação sobre a renda e a riqueza”.
Pois é, nós vimos o que aconteceu aqui no Brasil quando foi apresentada a proposta de isentar do imposto de renda, aqueles que recebem até R$ 5 mil por mês!
Infelizmente, propostas desse tipo, não encontram qualquer tipo de receptividade junto àqueles que comandam a nação, mais notadamente, a grande maioria daqueles que deveriam ‘discuti-las e/ou aprová-las’. Na verdade, sem discussões mais sérias e profundas, e quando não totalmente ignoradas, elas são apresentadas, inclusive por grande parte da imprensa, como negativas e contrárias ao progresso e desenvolvimento do País.
Não é de hoje que as discussões relativas aos reais interesse da população brasileira são postergadas. Principalmente quando se coloca “em perigo” o “status quo” estabelecido que garante, aos poderosos, a manutenção dos poderes político e econômico.
Para finalizar, vale a pena reproduzir o que disse, em entrevista publicada recentemente pelo jornal Valor, o Dr. Pedro Ferreira de Souza, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): “reduzir a desigualdade, como questão abstrata, é algo que boa parte da população é a favor”, mas, no momento que se percebe que isso poderá propiciar perdas a grupos de interesse específicos e determinados, essas pessoas, com muitos recursos e poder, “começam a gritar”.
O Brasil, à semelhança do que tem ocorrido em grande parte dos países, precisa discutir o que é essencial e convergir na consecução de medidas que favoreçam, de fato, a grande maioria da população, e uma delas, sem qualquer dúvida, é diminuir a concentração da renda e da riqueza que caracteriza, e de forma negativa, nosso País. Trabalho difícil, mas essencial!
- “se a China retaliar os americanos no setor do agro, isso vai criar oportunidades específicas para o Brasil. Porque o Brasil talvez seja o país, junto com a Argentina, em menor escala, que, em termos de volume e prontidão, consegue responder quase automaticamente a um efeito substituição gerado a partir de restrições às exportações americanas do agro”. E complementa: “o Brasil tem um monte de dificuldades, mas os outros países também têm”. Além do que, caso o acordo entre Mercosul e União Europeia prospere (2), o problema de ‘escalabilidade’ fica resolvido. A conferir.
- Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 22 trilhões de dólares e um conjunto de 720 milhões de pessoas. O acordo é, sem dúvida, um importante sinal a favor do comércio internacional como fator de crescimento e desenvolvimento econômicos.
Aumento nas parcerias comerciais, modernização da indústria nacional, aumento de ativos de natureza estratégica e melhor integração das cadeias logísticas e de produção brasileiras, e destas com as da União Europeia, parecem ser benefícios inevitáveis a serem obtidos pelo Brasil. Além, é claro, de prováveis aumentos nos investimentos diretos das empresas europeias, aqui no País, com ênfase na proteção do meio-ambiente, da saúde e da inovação.