“É mais um ‘ismo’ que não vai sobreviver ao fim político do líder”, prevê Alex Solnik
Não sei se é herança dos tempos do Brasil Império, mas o fato é que os brasileiros adoram um culto à personalidade. Basta aparecer um político diferente para a imprensa logo arrumar um “ismo” para ele.
Acho que começou com Getúlio Vargas. Embora ele jamais tenha escrito qualquer tratado político ou filosófico, os jornalistas inventaram um certo “getulismo”.
O que era isso? Bem, “getulistas” eram os seguidores de Getúlio. Mas, de que Getúlio? O que deu um golpe de Estado e se tornou ditador em 1937 ou o que foi eleito pelo voto direto em 1950? O que criou os sindicatos ou o que instituiu a tortura?
Seja como for, o “getulismo” morreu junto com Getúlio, embora seu suicídio tenha abalado o país por muitos anos.
Morto o “getulismo”, a imprensa paulista criou o “ademarismo”.
Inspirado no governador Adhemar de Barros, que também jamais formulou qualquer teoria política, a não ser que seu lema “fé em Deus e pé na tábua” possa ser considerado um pensamento filosófico ou sociológico.
Para combater o “ademarismo”, que só durou enquanto Adhemar esteve poder, nasceu o “janismo”, que consistiu em proibir mulheres de maiô em concursos de miss, falar corretamente o português, abusar das mesóclises, acabar com as rinhas de galo e o lança-perfume, usar paletós com muita caspa e dar ordens por meio de bilhetinhos. E que acabou quando Jânio Quadros renunciou à presidência da República.
Os “ismos” pareciam ter sido enterrados definitivamente, não deram as caras na ditadura militar, não houve “castellobranquismo”, nem “costaesilvismo”, nem “medicismo”, e muito menos depois dela, até que, tchan-tchan-tchan-tchan, aparece outro cara excêntrico, diferente, e põe diferente nisso e a imprensa, sempre à procura de novos epítetos, criou o “bolsonarismo”, sem dizer, é claro, no que consiste essa bizarra “corrente política”.
O que seria “bolsonarismo”? Desprezar os seres humanos? Fazer chacota da desgraça alheia? Ser o mais grosseiro possível? Xingar os adversários? Atacar as mulheres? Contestar as urnas eletrônicas? Derrubar farofa no colo? Demonizar as vacinas? Proteger os filhos da Justiça?
Já é estranho haver pessoas que admirem essas atitudes – os “bolsonaristas” – mas mais estranho ainda é conceber que se trata de um conjunto de ideias políticas ou filosóficas que vão sobreviver à sua morte política, que se aproxima.
Tal como o “getulismo” acabou quando Getúlio morreu, idem o “ademarismo” e o “janismo” quando perderam poder, o “bolsonarismo” está se apagando, vai se apagar e não vai deixar herdeiros nem rastros.
Não houve “getulismo” sem Getúlio, “ademarismo” sem Adhemar, “janismo” sem Jânio.
E não haverá “bolsonarismo” sem Bolsonaro.
Tal como Getúlio, Adhemar e Jânio, Bolsonaro não vai deixar herdeiros à sua imagem e semelhança e força política.
O sinal mais evidente é a ascensão de Pablo Marçal que pode ser tudo, menos continuador de Bolsonaro.
Os que hoje são tachados de “bolsonaristas” vão voltar a ser os caras de “direita” ou de “extrema-direita”, estas, sim, correntes políticas e filosóficas que sempre vão existir, para o bem e para o mal.