O famoso “Show de Rádio” marcou a história radiofônica do País. Era uma festa do futebol após cada transmissão de jogos ao vivo.
O grupo sempre entrava no ar alguns minutos após o encerramento dos jogos, com suas imitações de jogadores e de personalidades da vida política e artística do Brasil nos anos 1970 e 1980. E com a reprodução de alguns lances e gols. A emissora: Jovem Pan.
Quem gosta de futebol e de rádio ainda deve se lembrar de “Didu Morumbi”, o fanático e esnobe torcedor do São Paulo.
Ou do malandro “Joca”, sempre torcendo pelo seu “Coringão, o bão!”.
Ou ainda do casal formado pelo “Comendador Fumagalli” e “Noninha”, de ouvidos grudados no rádio, atentos ao jogo do Palestra.
Esses personagens foram criados pelo versátil Estevam Sangirardi, o velho “Sanja”, como era conhecido por todos. No seu famoso “Show de Rádio”, Sangirardi e sua equipe comandavam uma grande festa de humor e muita criatividade logo após o apito final do juiz.
Conheci Sangirardi em 1978, ao sair da Folha de S. Paulo, onde era editor de esportes. Fui convidado por Cândido Garcia (e contratado por Fernando Vieira de Mello) para coordenar o futebol da Jovem Pan.
No exato momento em que Osmar Santos deixava a emissora e ia para a Globo/Nacional. E a Pan promovia o narrador José Silvério a titular.
Os comentaristas eram Orlando Duarte, Randal Juliano e Cláudio Carsughi; os repórteres: Fausto Silva, Cândido Garcia, Flávio Adauto e Wanderley Nogueira (este começando a carreira); no plantão esportivo, Milton Neves.
Após o futebol, “Sanja” deitava e rolava com o seu “Show de Rádio”.
O programa era conduzido pelo são-paulino Estevam Bourroul Sangirardi, com as participações de Geraldo Barreto, Eduardo Leporace depois Nelson Tatá Alexandre, Carlos Roberto Escova, Serginho Leite, Odayr Baptista, Ciro “Biro” Jatene, João Kleber, Alaor Coutinho, Chiquinho Ferrão, Douglas Rasputim, Cassiano Ricardo, Weber Laganá e outros integrantes do grupo.
Os personagens constantes do show eram o esnobe “Didu Morumbi” (Sangirardi), podre de rico, torcedor fanático do “Saint Paul de mon petit coer” e o seu fiel mordomo “Archibald”, corintiano, que anunciava ao “milorde”, as muitas visitas à mansão.
Os palmeirenses eram representados pelo “Comendador Fumagali” e pela “Noninha”, que tinham um cachorro chamado “Vardemá Fiume”. Os corintianos eram o “Joca” e sua mulher “Nega”, com o guia espiritual “Pai Jaú”.
O “Zé das Docas” e o “Lança Chamas” eram os santistas. E o casal “Manoel” e “Maria” eram torcedores da Portuguesa.
Durante o programa as imitações se multiplicavam com “entrevistas” a Rivellino, Pelé e vários personagens políticos imitados pela equipe.
Destaque para um dos melhores quadros desse show: a “Rádio Difusora de Camanducaia”, criada por Odayr Baptista, sempre transmitindo diretamente do Largo da Matriz, “falando para a cidade e cochichando para o interior”, na voz empostada do locutor “Alberto Junior”.
As transmissões de futebol dessa ilusória rádio ficavam a cargo de “Alberto Neto” (o mesmo Odayr) que fazia uma imitação impagável do narrador Fiori Gigliotti, e que muitas vezes era enviado para um estádio vazio, por engano.
Convivi com Sangirardi entre 1978 e 1982. Aos domingos ele chegava por volta das 13 horas na redação da Jovem Pan, no 24º andar do edifício Sir Winston Churchil, na avenida Paulista, sede da emissora.
Em seguida, colocava várias folhas de papel com carbono na sua predileta máquina de escrever Remington, cor “cinza ratinho” e começava a redigir o roteiro do programa. As cópias eram necessárias para distribuir esse roteiro aos integrantes do “Show de Rádio”, numa época sem computador e impressora.
“Sanja” ficava ao fundo da redação. Minha mesa era ao lado da sua. Eu cuidava da coordenação da jornada esportiva e ele acompanhava a transmissão com muita atenção, enquanto redigia.
Quando surgia algum lance importante, ele mandava separá-lo para incluir a gravação em seu programa. “Separa esse!”, gritava para a Central Técnica. A resposta de Paulo Freire vinha rapidamente: “Pode deixar”.
Aos poucos, os integrantes da sua equipe chegavam, brincando, mas querendo saber o que “Sanja” estava preparando.
E antes do fim do jogo estavam todos prontos para o “Show”. Cada um recebia o seu roteiro e todos iam para o estúdio. Jogo terminado, um rápido comentário de Orlando Duarte sobre a partida e José Silvério chamava o programa.
Começava o “Show”. Todos riam do que faziam, mas não demonstravam quando liam e interpretavam seus textos. Os técnicos da Central de operações se divertiam com todo aquele cenário. A festa estava no ar.
O esquema se repetia nas noites de quarta-feira. E voltava ao ar no outro domingo.
Fora do estúdio, os ouvintes acompanhavam tudo em seus veículos, saindo do estádio, nas residências, no trabalho, nas redações dos jornais…
O “Show de Rádio” surgiu em 1969, na Jovem Pan. Sugestão de Joseval Peixoto, narrador e diretor de esportes da emissora na época, a Antonio Augusto Amaral de Carvalho, o “Seo Tuta”, proprietário da Pan.
Como conta Carlos Coraúcci, autor do livro “Um Show de Rádio – A Vida de Estevam Sangirardi”. A proposta era de algo diferente, de preferência com humor, para conquistar espaço nas transmissões esportivas:
“Estava difícil concorrer com Pedro Luiz e Mário Moraes na Tupi e com Fiori Gigliotti e Mauro Pinheiro na Bandeirantes. Principalmente no interior de São Paulo, onde a PRG-2 Rádio Tupi/SP e a PRH-9 Rádio Bandeirantes eram muito melhor sintonizadas pelas suas ondas curtas. Ouvir rádio AM no interior, só após às 18 horas, assim mesmo com alguns chiados”.
Porém na capital paulista era diferente. Com o trio Joseval Peixoto, Leônidas da Silva e Geraldo Blota, o “GB” esbanjando categoria e muitíssimo bom humor, faltava à Jovem Pan o grande diferencial para bater os concorrentes.
A “arma secreta”, segundo Joseval, era o talento e a versatilidade de “Sanja”. A Jovem Pan já tinha em “GB” a sua figura carimbada e em Joseval o complemento para dinamizar e alegrar as jornadas esportivas”, relembra Coraúcci.
“A ideia deu certo e a emissora conquistou altos índices de audiência, acrescenta o autor do livro. “Eu já conhecia o Sangirardi desde a época da Bandeirantes, era só usá-lo como carta na manga. Usamos e deu certo, sorte nossa. Tudo isso com a compreensão e o cavalheirismo do Leônidas e do Álvaro Paes Leme, que cederam parte de seus espaços nos comentários para a inovação que ficou marcada até os dias de hoje”, relembrou Joseval.
Mas, após a Copa da Espanha, em 1982, Sangirardi e equipe foram para a Bandeirantes. O que a Pan faria para não cair naquela mesmice da simples cobertura de vestiários pós-jogos das outras emissoras?
O diretor de jornalismo Fernando Vieira de Mello pediu que fosse encontrada uma solução. Eu, Sérgio Barbalho, criei um novo programa, tendo como principal novidade um âncora de estúdio (substituindo a apresentação pós-jogo que naquele tempo era feita pelo próprio narrador, já esgotado, diretamente do estádio).
Inicialmente, sugeri colocar José Nello Marques no comando do novo programa. Mas Antonio Augusto Amaral de Carvalho (Seo Tuta), encontrou uma excelente solução: Milton Neves, até então plantão esportivo.
A sugestão do nome do programa foi do gerente de jornalismo José Carlos Pereira. E o “Terceiro Tempo” deu no que deu. Um grande sucesso.
Indicado por Estevan Sangirardi, fui contratado em 1983 pelo diretor de esportes Darcy Reis para coordenar o futebol da Bandeirantes. E com o “Sanja” trabalhei por mais alguns anos. Mas o “Show de Rádio” na Band não teve o mesmo sucesso que conquistou na Pan.
Em 27 de setembro de 1994, aos 71 anos, Sangirardi nos deixou. E deixou saudades, muitas saudades.