Reiteradamente tenho comentado que o Brasil, em termos logísticos tem, pelo menos, três grandes grupos de desafios a serem superados: o da Infraestrutura, o da Capacitação e o que tenho chamado da Cultura Logística.
Entretanto, como esses assuntos nunca são resolvidos ou equacionados de uma forma completa e integrada, de ‘tempos em tempos’ eu volto a comentá-los. Com respeito à nossa precária e insuficiente “infraestrutura logística”, por exemplo, tenho elaborado com certa frequência, diversos textos.
No dia quinze de outubro de ano passado, foi a vez da “Capacitação Logística”, quando publiquei, aqui mesmo no site da Logweb, artigo abordando “a urgência e a necessidade de melhor capacitar nossos profissionais” , (https://logweb.com.br/colunas/a-urgencia-e-a-necessidade-de-melhor-capacitar-nossos-profissionais/).
Hoje, como sequência, vou tratar do tema “Cultura Logística”.
Mesmo considerando períodos de guerras e de pandemias, é certo que o aumento de expectativa de vida em muitos países e o alto índice de natalidade mundial, farão com que a taxa de crescimento populacional aumente por mais alguns anos. Já somos, aproximadamente, 8 bilhões de habitantes no planeta Terra.
A necessidade de produzir, movimentar e levar no menor espaço de tempo possível, e a custos menores, para qualquer parte do mundo, quantidades cada vez maiores de bens e serviços econômicos, torna-se atividade prioritária e imprescindível caso se queira melhorar a vida do ser humano. Não só para atender aqueles que vêm chegando, mas também, para todos aqueles que aqui já se encontram.
Diante disso, consequência imediata foi o crescimento mundial dos gastos com logística que hoje, como indicam diversos estudos, alcançam cerca de 12% do PIB mundial. No Brasil, segundo levantamentos feitos pelo ILOS – Instituto de Logística – esse percentual, em 2024, está estimado em 17,6% do PIB nacional. Valores ‘prá lá’ de significativos.
A evolução tecnológica, que por si só tem feito crescer o comércio eletrônico e a forte integração econômica instalada neste mundo ‘globalizado’ e ‘interdependente’, seja entre blocos econômicos, países ou empresas, e apesar do momento de incerteza atual, estão fazendo com que as atividades comerciais, nacionais e internacionais correspondentes, ocorram em volumes e complexidades ainda maiores. A exigência de eficiência, tanto na movimentação de mercadorias como no deslocamento de pessoas, também está presente, pois não pode haver desperdícios, atrasos ou realização de custos desnecessários.
Além de ter que se adequar aos ‘novos tempos’, atividades logísticas internacionais, por exemplo, que contemplam operações entre países com cultura, costume, documentação, tributação e legislação diferentes, continuarão a solicitar estratégias específicas, sofisticação operacional e correta adequação. Assim como as atividades administrativas, financeiras, transacionais ou negociais pertinentes. Vale ressaltar que em face do aumento da conectividade e da instalação de programas automatizados de transferência de dados, que têm como um dos seus principais pilares de sustentação e evolução, a tecnologia e os sistemas computacionais, também se exige maior proteção contra possíveis ataques cibernéticos.
Tem sido crescente e constante, portanto, em todas as atividades que compõem a logística e o ‘supply-chain’, a demanda para que seja expandida e melhorada a infraestrutura operacional (estradas, portos, aeroportos etc.), os equipamentos de movimentação (em todos os seus modais e modelos) e as estruturas de armazenamento, além da necessidade de se avançar nos ‘softwares’ de controle e no aprimoramento das legislações pertinentes, dos sistemas de comunicação e de transferência de informações, dos programas de gerenciamento de riscos, do monitoramento e da cobertura de seguro.
Consequentemente, conhecimento mais sofisticado e adaptado aos novos momentos e circunstâncias, sobre logística e “supply-chain”, transforma-se em exigência, bem como a capacitação dos profissionais da área.
Mas é importante observar que paralelamente à busca de soluções logísticas mais eficientes, como forma de se diminuir os gastos correspondentes e aumentar a satisfação dos consumidores, a logística também passou a ser discutida como importante providência na obtenção de vantagens competitivas e de diferencial mercadológico, tanto para empresas como países. Ao se elaborarem estratégias e planos de negócios, a logística passou a ser, inquestionavelmente, um dos principais fatores de análise e consideração.
Sem dúvida, a logística é imprescindível para que o crescimento e o desenvolvimento econômicos ocorram de forma sustentável. Aliás, corroborando com o que escrevi, gostaria de reproduzir dois parágrafos de um artigo (“A Logística e o Desenvolvimento”) que publiquei no livro “Logística Viva” (Editora Lisboa, 2024): “E se a busca pela eficácia passou a ser um dos motivos pelos quais a logística, ao longo do tempo, teve aumentada sua importância estratégica, mais notadamente nos setores produtivos da economia, há que se considerar que, além de “fundamental” ´para o sucesso empresarial e de todas as atividades econômicas existentes, ela também se tornou “essencial” para a melhoria do desempenho econômico e social das nações ,posto que, quando bem realizada, viabiliza de forma eficiente os sistemas de abastecimento e de distribuição de uma sociedade”.
Essa constatação, que tenho chamado de “importância estratégica da logística” (“A Cultura Logística” foi o título do artigo publicado por mim há quase 15 anos para comentar a respeito – Revista Mundo Logística, nº 30, set/out/2012), nada mais é do que a compreensão de que uma logística eficaz, além de diminuir os custos operacionais, também se torna instrumento para alavancar a força do marketing, possibilita o aproveitamento e a exploração de mercados mais distantes (de insumo ou de consumo), agrega valor aos produtos, às empresas e às nações, gerando satisfação à todas as pessoas que compõem a sociedade mundial. Além de ser um vigoroso meio para redução de custos, uma logística eficaz colabora e facilita a realização dos negócios empresariais e também nacionais.
E quando falo em “cultura”, volto a recorrer ao que escreveu Alfredo Assumpção (“Talento – A Verdadeira Riqueza das Nações”): “é interessante como a cultura vai se solidificando na medida em que as pessoas trabalham juntas e vão somando, cada uma de uma forma, para que, num determinado momento, encontremos todos trabalhando à luz dos mesmos valores, adicionando ânimo grupal, onde pessoas somam para grupos e grupos somam entre si para formar uma cultura corporativa, onde todos creem numa mesma norma invisível. Ninguém escreveu e a norma está ali, presente, indicando o caminho a seguir para todos os colaboradores da empresa. Isso é cultura”. Colaboradores das empresas e das nações, complemento.
Porém, todos os cenários desenhados para os próximos dois ou três anos, são de situação bastante difícil. Sem qualquer tendência ao “terrorismo”, a conclusão é a de que os problemas vividos atualmente, são muito maiores e mais complicados do que se admite ou se percebe, levando grande parte das empresas, em todo o mundo e com as exceções de sempre, a ter sérias dificuldades para colocar seus planos de negócios a bons termos. Não à toa, quase todas buscam resolver problemas voltados à própria sobrevivência.
Neste momento complicado surgem, entretanto, grandes oportunidades para os operadores logísticos, desde que busquem, incansavelmente, a melhoria no atendimento a clientes, suas cadeias de suprimentos e seus processos operacionais.
Será imprescindível, vale lembrar, que se revejam as relações entre estes o os usuários dos serviços logísticos, pois é fundamental adaptar-se aos novos momentos e compreender as necessidades e exigências dos clientes. Se já era importante a realização periódica de avaliações de performance e ajustes contratuais, agora tornou-se fundamental a reavaliação dos contratos vigentes e, principalmente, das premissas consideradas à época da contratação, pois muitas mudanças vêm ocorrendo, notadamente neste século.
Considerando os transtornos e as interrupções causadas pela Covid junto às ‘cadeias de abastecimento e distribuição’ existentes e, principalmente agora, em face das disputas comerciais internacionais, quando processos produtivos e de logística foram – e ainda estão – profundamente alterados, quando não interrompidos, e quando novos valores precisarão ser incorporados à forma como são administradas as empresas, diversas providências precisarão ser tomadas pelos operadores logísticos.
Posto que os desenhos logísticos tendem a ser mais personalizados e específicos para cada cliente, produto ou região, em mercados (consumidores ou fornecedores) cada vez mais complexos, caberá aos operadores logísticos, por exemplo, entender que essas novas circunstâncias e problemas, assim como as soluções, além de alto desempenho precisam ter maior resiliência, pois ali estarão incorporadas todas as decisões estratégicas e táticas do cliente.
Portanto, os operadores logísticos que quiserem ocupar espaços maiores terão, sem dúvida, que compreender as novas exigências, o novo momento e, mais do que nunca, os possíveis e eventuais impactos gerados atualmente, muitos dos quais ainda não se conhecem com a profundidade requerida. É óbvio que na medida em que as empresas usuárias de serviços logísticos, quase que de forma obrigatória, busquem melhorias no atendimento aos seus clientes e às suas cadeias de abastecimento, novos espaços e oportunidades vão sendo criados para os operadores. Mas é preciso estar preparado para bem aproveitá-las.
Em artigo de 2021 (“Desafios para os profissionais de logística neste momento de grandes incertezas” – publicado no site do Guia do TRC – dia 20.02.21) eu escrevi que “compreender a logística, até pela sua própria essência, como instrumento estratégico de fundamental importância é essencial”.
O mundo empresarial em geral, e os operadores logísticos em particular, diante dos problemas que surgem, ocupa-se, inicialmente, quase que única e exclusivamente com sua sobrevivência. Mas sabe que chegou o momento de “repensar seus negócios”, de forma profunda e que incorpore, de fato e concretamente, os princípios empresariais já aceitos mundialmente, como aqueles constantes na sigla ESG (“Enviromment, Social e Governance”), por exemplo. Mas é preciso ressaltar alguns outros, tais como a utilização de energia renovável, a proteção ao meio ambiente, o cuidado com a educação, a inclusão social, o combate ao racismo e à discriminação e à governança corporativa.
Vale acrescentar, inclusive, que é de inquestionável Importância observarem-se mais atentamente, os aspectos éticos e morais de tudo que poderá redundar no exercício dessas atividades, bem como a preservação dos valores democráticos, cujos objetivos, entre eles o bem-estar da população, precisam ser preservados. Não resta outro caminho.