O medo é um mecanismo de defesa essencial para a nossa sobrevivência. Ele nos protege de situações que podem nos prejudicar, preparando o corpo para reagir rapidamente. Quando sentimos medo, as glândulas suprarrenais liberam
adrenalina, um hormônio que aumenta a pressão arterial e acelera os batimentos cardíacos, preparando os músculos para uma reação de fuga ou luta.
No entanto, quando não há uma ação física imediata (como correr ou se defender), a adrenalina não é metabolizada adequadamente. Esse excesso de energia acumulada pode levar a sintomas como tremores, sudorese, taquicardia e uma sensação generalizada de nervosismo.
Uma das perguntas mais frequentes que recebo em minhas aulas e palestras é
se os betabloqueadores, como o propranolol, podem ajudar a controlar o
nervosismo causado pelo medo de falar em público. Para responder a essa
questão de forma embasada, conversei com a Dra. Mellysande Pontes Faccin,
uma especialista com vasta experiência no estudo e na aplicação terapêutica
desses medicamentos. Infelizmente, a Dra. Mellysande faleceu, mas seu
legado e suas contribuições para o entendimento do uso responsável dos
betabloqueadores continuam sendo uma referência importante.
O que são e como funcionam os betabloqueadores?
Os betabloqueadores são medicamentos que reduzem a ação da adrenalina no
organismo. Eles atuam bloqueando os receptores beta-adrenérgicos, o que
diminui a frequência cardíaca, a pressão arterial e os tremores, entre outros
sintomas físicos da ansiedade.
O propranolol, o primeiro betabloqueador desenvolvido, revolucionou a
farmacologia na década de 1970, e seu descobridor, James Black, foi premiado
com o Nobel de Medicina.
Para que são usados normalmente?
Os betabloqueadores têm diversas aplicações na medicina. Eles são
comumente prescritos para tratar hipertensão, arritmias cardíacas, insuficiência
cardíaca e até mesmo enxaquecas. No contexto da ansiedade, são utilizados
de forma pontual para controlar os sintomas físicos em situações específicas,
como falar em público ou realizar apresentações.
Betabloqueadores para o medo de falar em público
Estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990, como os de Liebowitz e
outros pesquisadores, mostraram que o controle dos sintomas físicos do
nervosismo pode melhorar o desempenho em situações de exposição pública.
É importante destacar, entretanto, que os betabloqueadores não tratam a
causa psicológica do medo; eles apenas ajudam a gerenciar os sintomas
físicos.
A Dra. Mellysande explicou que, embora os betabloqueadores possam ser
úteis para pessoas que sofrem com uma liberação excessiva de adrenalina em
situações de estresse, é fundamental que seu uso seja feito sob orientação
médica”, destacou ela.
Riscos e contraindicações
Os betabloqueadores não são isentos de riscos. Eles são contraindicados para
pessoas com asma, bronquite, bloqueios cardíacos ou diabetes descontrolada.
Além disso, o uso inadequado pode levar a efeitos colaterais graves, como
bradicardia (batimentos cardíacos muito lentos) e hipotensão (pressão arterial
baixa). A automedicação, portanto, é extremamente perigosa e deve ser
evitada a todo custo.
Outro ponto importante é que, embora os betabloqueadores não causem
dependência física ou psíquica, o risco é de se tornarem uma “muleta”
psicológica. Isso ocorre quando a pessoa atribui seu bom desempenho
exclusivamente ao uso da droga, sem reconhecer sua própria capacidade de
superação.
Alternativas aos betabloqueadores
Para quem busca soluções a longo prazo, a terapia cognitivo-comportamental
(TCC) é considerada o caminho eficiente no tratamento da ansiedade social.
Técnicas de relaxamento, mindfulness e exposição gradual às situações que
causam medo também podem ser extremamente eficazes. Além disso, cursos
de oratória e treinamentos específicos para falar em público ajudam a
desenvolver habilidades que vão além do controle dos sintomas físicos,
permitindo que a pessoa enfrente o medo de forma mais autônoma e confiante.
Os betabloqueadores, como o propranolol, podem ser uma ferramenta útil para
controlar os sintomas físicos do medo de falar em público, mas seu uso deve
ser sempre supervisionado por um médico. Combinar o uso responsável
desses medicamentos com estratégias terapêuticas e treinamentos específicos
pode ser o caminho mais eficaz para superar a ansiedade e melhorar o
desempenho em situações de exposição pública.