Criativo, Osmar ofereceu sempre uma transmissão alegre, emotiva, contagiante, transformando um jogo de futebol em um grande espetáculo.
Esta é a história de um garotão do interior que veio tentar a sorte na grande metrópole, transformou-se em “garotinho” das comunicações e personalidade marcante do futebol na maior cidade da América do Sul, sofreu um grave acidente, quase morreu, perdeu a voz e teve sua carreira de narrador violentamente interrompida, mas seguiu em frente com muita garra, transformou-se em artista plástico de sucesso e é um exemplo de determinação.
Quem não se lembra? “Ripa na Chulipa e Pimba na Gorduchinha!” Esses bordões ainda estão frescos na memória dos fãs de um dos maiores narradores da história do futebol brasileiro: Osmar Santos, que ao final de junho de 2024 completou 75 anos.
Imensamente criativo, inovou e deu uma nova dimensão, muita vibração e colorido às transmissões de futebol pelo rádio. Criou bordões tão bem aceitos pelo público que ecoavam pelos estádios lotados.
“Parou por quê? Por que parou?” Ou “Um prá lá, dois prá cá”. Ou ainda: “Sai daí que o jacaré te abraça, garotinho!” E também: “No caroço do abacate” e “Vai garotinho porque o placar não é seu!”. E o inconfundível “Chiro-liro-li chiro-liro-lá!”.
Palavras ou frases até sem graça quando passadas para um texto frio, mas fantásticas, autênticos hinos à alegria e à empolgação quando interpretadas pelo seu autor, sempre em narrações vibrantes, empolgantes, que conquistaram todas as torcidas.
Era sua, também, uma das narrações de jogadas mais marcantes, concluída sempre com um longo e vibrante “…Iiiiiiiiii que goooooooool!!!”. Ou seja, Osmar oferecia uma transmissão alegre, descontraída, emotiva, contagiante, transformando um simples jogo de futebol em um grande espetáculo, um show de bola.
Osmar Santos teve grande influência na minha carreira. Jornalista, eu, Sérgio Barbalho, jamais havia trabalhado em emissoras de rádio. Em 1978, Osmar trocou a Jovem Pan pela Globo. O diretor da JP, Fernando Vieira de Mello, me contratou para montar um novo esquema jornalístico para a equipe de esportes, que passou a investir em José Silvério.
Foi um momento revolucionário do rádio esportivo, que evoluiu no jornalismo. Osmar Santos explodiu na comunicação nacional com seu futebol show. José Silvério foi descoberto e transformou-se em sinônimo de excelência em transmissões de futebol. E, dessa forma, o ambiente foi propício para a abertura no rádio aos jornalistas da grande mídia.
A partir desse movimento começaram a ganhar espaço nas transmissões e programas de rádio jornalistas de expressão da grande mídia como Edison Scatamachia, Paulo Mattiussi, Tim Teixeira, Roberto Avalone, Castilho de Andrade, e vários outros profissionais oriundos das redações da Folha, Estadão, Gazeta Esportiva e Jornal da Tarde. Confesso que tenho muito orgulho de ter participado desse importante movimento que valorizou o rádio esportivo.
Acabei ficando 12 anos no rádio (depois da Pan fui para a Bandeirantes). Antes disso, convivi com Osmar em jogos pelo Brasil e em longa excursão pela África e Europa, acompanhando a seleção brasileira (ele pela Pan, eu pela Folha de S. Paulo) e no ano seguinte na Alemanha, durante a Copa do Mundo de 1974.
Como narrador, Osmar Santos surgiu na rádio Clube de Oswaldo Cruz, interior de São Paulo, cidade onde nasceu, destacou-se inicialmente na Jovem Pan e depois na Globo e Record. Na televisão, comandou o esporte na Record e na Manchete. Em 1986, foi o principal narrador da Rede Globo na Copa do Mundo do México. Em 1990 narrou na Copa da Itália ao lado de Zagallo.
Antes do Mundial de 1986, Osmar Santos emprestou sua popularidade e carisma ao movimento das “Diretas Já!”, que tomou conta do País com o pedido de eleições presidenciais abertas à população.
Durante o movimento, na primeira metade dos anos 80, Osmar transformou-se na “Voz das Diretas”, dividindo espaço nos palanques com políticos famosos como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Luiz Ignácio Lula da Silva e muitos outros em comícios gigantescos, como o da Praça da Sé, em que se clamava por eleições diretas.
Um grave acidente de carro, em 1994, comprometeu a capacidade de locomoção e de fala de Osmar, interrompendo sua brilhante e vitoriosa carreira. Ele tentou desviar seu carro de um caminhão que estava atravessado na pista e acabou se acidentando, durante uma viagem noturna de Marília para Lins, no interior de São Paulo.
Osmar escapou da morte, passou por cirurgias e enfrentou uma recuperação das mais delicadas. Saiu do acidente com sérias sequelas, que comprometeram sua locomoção e fala. Assim, a voz que descreveu as emoções do fim do jejum de títulos do Corinthians, em 1977, do tetracampeonato mundial do Brasil, em 1994 e tantos outros grandes acontecimentos esportivos, foi silenciada para sempre. Passou a só pronunciar algumas palavras.
E descobriu o caminho da arte. Dedicou-se à pintura. Ao celebrar dez anos de história como artista plástico participou de uma exposição em São Paulo. A obra ficou exposta em galeria do artista Romero Britto, na Rua Oscar Freire. Ao todo, 12 quadros de autoria do ex-narrador cuja voz embalou as torcidas do país por mais de duas décadas foram apresentados. “Obras com muitas cores, alguns fazendo releitura de pintores famosos. Ele pinta muitos animais, flores”, destacou Rosana Beni, uma das organizadoras do vernissage, amiga de Osmar Santos.
Mesmo privado de sua vocação, o ídolo do rádio e TV mantém sua ligação com o futebol, indo aos estádios e eventos esportivos. Paralelamente, Osmar prossegue em sua busca cultural. Costuma sair acompanhado de seu motorista, para prestigiar eventos de música e arte ou ir a cinemas.
Nunca esmoreceu. Jamais perguntou por que isso aconteceu com ele. Ao contrário, sempre teve uma atitude otimista (em relação à situação pós-acidente).
Osmar Santos é nome do Centro de Imprensa do Alianz Parque desde 2017. E em abril de 2023 foi homenageado pela turma de pós-graduação em Jornalismo Esportivo da Faculdade Casper Líbero durante as comemorações de 100 Anos de Rádio no Brasil.
E a partir de 2024 participa das reuniões mensais da Academia Paulista de Jornalismo (APJ). Como nessa foto em que estou ao seu lado.