Ex-coach tentou comparar agressão sofrida em debate na “TV Cultura” com tentativas de assassinato de Trump e Bolsonaro; imagens negam tamanha gravidade.
Depois de provocar reiteradamente seu adversário no debate eleitoral da TV Cultura, Pablo Marçal conseguiu seu intento: tirar Datena do sério, quando afirmou que ele é um arregão, que não seria homem suficiente para o agredir. Datena bateu com uma cadeira no provocador, causando a imediata suspensão do debate, do qual o agressor foi expulso.
Conforme vídeo que circulou amplamente se vê com nitidez que logo depois da agressão, o provocador se manteve de pé batendo boca com o adversário. Marçal se movimentava com desenvoltura, tudo indicando que nada de tão grave, felizmente, ocorreu com sua integridade física.
A atitude de Datena foi lamentável, ainda que provocado de forma sórdida, pois quem pretende governar a maior cidade do hemisfério sul, não pode ser provocador sórdido e precisa de equilíbrio emocional. Em diversos momentos, isso será exigido do chefe do Executivo municipal.
Datena, com toda a sua experiência de comunicador deveria ter respondido de outra maneira, sem violência, sem permitir ao provocador sentar-se no banco da pobre vítima atacada. O que Marçal não calculou foi o prejuízo que poderá sofrer eleitoralmente por incitar de forma condenável o oponente e a leitura que se fará da cena em que o jovem atlético apanha do quase septuagenário nada atlético. As pesquisas dirão.
O debate ficou suspenso por vários minutos e o provocador pensou em permanecer, mas logo na sequência, reposicionou-se e disse que não ficaria. Mesmo caminhando bem, sem qualquer dificuldade, alegou, causando perplexidade geral, que precisaria receber tratamento hospitalar e ser removido dali por ambulância, postando em redes sociais uma cena de ação cinematográfica em vídeo em que faz uso de oxigênio e alegadas dificuldades respiratórias, com suspeita de fratura.
E mais: de imediato, publicou em suas redes uma postagem aparentemente calculada prévia e milimetricamente antes da provocação em que tenta comparar a cadeirada aos atentados de Bolsonaro (tentativa de homicídio por faca) e de Trump (com tiro de fuzil AR15 –metralhadora utilizada em combate bélico, com alto poder letal). Lembrando que nesses casos, indivíduos munidos de armas letais os atacaram. Aqui, o próprio Marçal planejou cenas teatrais, simulando que estaria entre a vida e a morte em uma ambulância.
Ao chegar no hospital, recebeu uma pulseirinha verde evidenciadora de sintomas leves, a mesma que se entrega para o tratamento de unha encravada ou tosse, por exemplo.
Indignou-se com a decisão de prosseguimento do debate sem sua presença, como se o mundo girasse em torno de si, como se não houvesse democracia ou República possível sem sua participação. Ou seja, o céu deixou de ser seu limite na luta por poder.
Criou e espalhou a falsa narrativa de que uma adversária seria a responsável pelo suicídio do pai e que outros são consumidores de cocaína. Um deles apresentou provas de que tudo é uma farsa, pois há um processo por porte de cocaína contra um homônimo (pessoa com nome igual ao seu). Ao ser indagado em debates por jornalistas sobre as provas das acusações, além de tratá-los de forma ríspida e desrespeitosa, não as apresentou.
Não dispomos no Brasil de Código de Defesa do Eleitor nem de Lei de
Responsabilidade Eleitoral e muitos candidatos se apresentam postulando votos
lamentavelmente vendendo sonhos irrealizáveis e distorcendo a realidade,
partindo da premissa de que a campanha tem curtíssima duração e não há tempo
hábil para neutralizar fake news. Há representações contra Marçal pelo abuso
crônico, massivo e reiterado de poder econômico.
Foi exatamente esta a lógica de Joseph Goebbels na construção da estratégia de
propaganda nazista para disseminar o conceito do nazismo e alardear as ideias
contra os judeus, em prol da solução final –o extermínio de todos. E 2/3 dos
judeus da Europa foram mortos (90% dos judeus da Polônia, por exemplo). Isto
fez dele (e faz até hoje) o “pai da propaganda política”.
Marçal se aproveita dessa brecha legal e cria, repete e espalha mentiras impunemente.
Em tempos de disseminação do uso da inteligência artificial, é caso de se pensar em tornar mais rígidas as regras do jogo eleitoral, prevendo multas pesadas, suspensão de perfis e até a cassação de registro de candidaturas por elaboração e disseminação de fake news enganando o eleitor –por atos do candidato ou de seus apoiadores não obstados pelo candidato. Por mais que os agredidos tentem desmentir, muitos resíduos da mentira permanecerão e a repetição da inverdade tende a transformá-la em verdade.
O saudoso Ulysses Guimarães deixou grandes legados para o Brasil, sendo o maior deles, sem dúvida, a Constituição de 1988, pelo que ficou marcado em nossa História como o Senhor Constituinte. Mas foi Ulysses também quem cunhou frases que se celebrizaram na visão do Brasil. Foi ele que disse que “a corrupção é o cupim da República” e também que “Se você acha esse Congresso ruim, espere até o próximo”.
Esse icônico político brasileiro, respeitado por todos de todas as correntes por sua capacidade de diálogo e sensatez, estava havia décadas tendo a coragem de se pronunciar sobre a decadência da qualidade das pessoas que recebiam mandatos políticos por meio do voto eleição depois de eleição. E depois de Ulysses, falecido num trágico acidente de helicóptero, as coisas só pioraram.
Os debates eleitorais têm se empobrecido de forma progressiva e acentuada e se espremermos ao extremo, pouquíssimo dali extraímos em matéria de propostas e soluções em matéria de políticas públicas para a sociedade. O que se estabelece é um jogo milimetricamente calculado de marketing pessoal e desconstrução dos adversários de olho no algoritmo das redes sociais sem qualquer compromisso com a ética na política. Com raras exceções, cada vez mais estamos no modo ladeira abaixo.
Fonte: Poder360
Roberto Livianu Roberto Livianu, 56 anos, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, e a Academia Paulista de Letras Jurídicas. É colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da Rádio Justiça, do STF. Escreve para o Poder360 às terças-feiras….