Há um vazio regulatório a ser preenchido quando se trata das forças de segurança pública. O artigo 144 da Constituição Federal prevê, basicamente, que as atividades policiais estejam divididas entre a polícia judiciária, representada pelas polícias civis estaduais e a Federal; o policiamento ostensivo, realizado pelas PMs no âmbito estadual e pela Polícia Rodoviária Federal; a polícia penal, incluída no texto mais recentemente; e as guardas municipais, “destinadas à proteção de bens, serviços e instalações” das prefeituras que as têm em suas estruturas.
O texto e mesmo a regulação do artigo 144 precisam ser melhorados. Após quase 36 anos, o texto da Carta Magna, por exemplo, não adentra na importância das polícias técnico-científicas nem trata de um necessário pacto federativo na divisão das responsabilidades de combate ao crime.
Não cabe, nesse espaço, uma análise pormenorizada sobre vários dos pontos que devem ser atualizados na Constituição. Mas é premente que um destes aspectos seja urgentemente debatido: a criação de uma política que coloque de vez as prefeituras na prevenção e enfrentamento da criminalidade.
As guardas municipais estão hoje presentes em 1.467 dos 5.568 municípios brasileiros, conforme os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Houve um aumento de 23,5% nas cidades que optaram por ter corpos de segurança, armados ou não — eram 1.188 cidades em 2019.
É um efetivo de 95 mil pessoas que, na prática, não fica restrita somente à guarda ou patrulhamento de praças e logradouros. No mundo real, acabam sendo usadas como polícias, sem controle efetivo do Ministério Público (eis aqui uma das omissões constitucionais) e com critérios de operação que ficam ao sabor de cada prefeito.
Abundam, entretanto, exemplos de boas práticas. Em 39 anos de polícia, atuei de maneira muito efetiva com a Guarda Civil Metropolitana, da Capital de São Paulo, principalmente nos quatro em que coordenei a Operação Caronte de enfrentamento ao crack. Os resultados, como a prisão de 196 chefes do tráfico, não seria possível sem o auxílio dos homens e mulheres da CGM em parceria com a Polícia Militar e, por óbvio, da Polícia Civil.
A GCM é, de fato, uma força policial estruturada, bem distante de uma simples guarda de prédios e praças. E, por isso, deve ter a atividade incrementada. Hoje, por falta de previsão constitucional, guardas como a GCM não podem tocar atividades para as quais estão preparadas, como o cumprimento de mandados judiciais de prisão e busca e apreensão. Não conseguem, também, ter uma estrutura de informação oficial que forneça subsídios às demais polícias para uma atuação conjunta.
Para além das abstrações jurídicas que criaram os estados e regiões metropolitanas, os municípios são o palco real e concreto dos problemas e sofrimentos. Como dizia o saudoso governador Franco Montoro, é nas cidades que as pessoas vivem, de fato. É aos prefeitos e vereadores que a maioria das dores brasileiras chega. E estes, infelizmente, não podem participar como deveriam do arcabouço federativo — inexistente, para as cidades, no tocante à segurança.
Proponho, neste sentido, a criação das polícias municipais por meio de uma emenda constitucional do artigo 144. O Brasil precisa de regras que prevejam a criação, o funcionamento e a integração das guardas num cotidiano racional de enfrentamento à criminalidade e promoção de prevenção. E, igualmente, o financiamento e a fiscalização dessas instituições.
As eleições municipais deveriam, de maneira séria, abordar o tema.