Um dos maiores pintores de todos os tempos foi Van Gogh. Dotado de incrível sensibilidade, deixou telas maravilhosas. Não vendeu qualquer delas durante toda sua vida, ainda que seu irmão, Theo, que foi uma espécie de seu tutor, tenha feito esforços.
Uma convivência tumultuada com Gauguin com quem morou durante algum tempo, levou-o a cortar o lóbulo de uma orelha, em ato de desespero, diante da concorrência que lhe foi imposta por Gauguin. A ruptura tinha que ocorrer.
Van Gogh foi internado algumas vezes em clínica psiquiatra. Em Saint Remy viveu tranquilo, pintando o exterior do hospital e seus arredores.
Produziu quadros de notável beleza. Deu vida às cenas que retratou. Pense nas árvores. Quando para elas olhamos, vemo-las estáticas. SE não há vento, suas folhas estão paradas. Se o vento sopra, vemo-las agitando-se. Mas, ainda assim o que nos fica na retina ou na memória é de uma árvore sem movimento. Na mente do pintor, a árvores, os campos, as margaridas, os girassóis se movimentam sempre. Há um constante reciclar. Nada para. Nada está parado. O mundo é o movimento. Com suas cores, dá a todos eles movimento.
O movimento está na realidade e está na mente do pintor. O retrato provém de uma ânsia interna de retratar não o momento, mas a eternidade. As árvores sempre balançarão suas folhas. Os trigais estão em agitação, como que a querer dizer-nos alguma coisa. Tudo é movimento, disse Heráclito. Ele é a essência da pintura de Van Gogh.
Mesmo nos rostos que retratava (Dr. Gachet, os auto-retratos) as pessoas parecem que não estão imóveis. Há sempre um significado em cada rosto. Uma mensagem em cada face. Sua auto pintura transmite a mensagem de alguém que está em calma.
Nem por outro motivo foi que Antonin Artaud escreveu o livro sobre o “assassinado da sociedade” em resposta a um psiquiatra que afirmou a loucura do pintor. Artaud bem sabia o que queria dizer. Ele mesmo já sofrera internação clínica. Ele mesmo sabia o que era uma mente diferente.
Van Gogh tinha seu próprio mundo. Nele vivia bem. Desde que não fosse incomodado. Imaginou-se parado num mundo em movimento ou em movimento num mundo cheio de paralizações. Contrastes e confrontos de personalidade forte com um mundo incompreendido.
O pintor era o poeta das cores e do mundo que encontrou em Arles, em Paris e em Sains Remy. Nele se encontrou, embora não conseguisse conviver com os outros. Não que os outros o incomodassem, mas enervava-se com qualquer situação avessa à sua introspecção.
O pintor pagou seus impostos na compra de suas telas e tintas. Mesmo em suas viagens suportava os encargos de viver em sociedade. Tinha ritos e rituais a que devia sujeição. Suas roupas tinham que obedecer a certas modas, as etiquetas é que permitiam a convivência com a burguesia. Van Gogh era avesso a tudo isso. Vivia sem incomodar ninguém, mas não queria ser incomodado.
O artista genial fora internado em hospital psiquiátrico e recebeu remédios. Despesas suportadas por Theo, ou, alternativamente, com custos suportados ou por seu irmão, pelo Estado ou pela clínica. De qualquer maneira, houve despesas que oneraram sua internação.
O campo de trigo com corvos retrata apenas a natureza? A primeira impressão é a que recebeu o pintor. Olhou e viu corvos em voo e assim os retratou. As touceiras de trigo sugerem o movimento dos ventos. Os corvos sobrevoam os campos em busca de alimento. O pintor clássico buscaria adequar sua visão ao que via. O impressionista retrata o sentimento que despertou em sua mente. O pintor clássico não balança o trigo. O impressionista o vê em movimento, como a sugerir o vento. Este passa sobre os trigais fazendo-o balouçar. Os corvos aguardam o momento do alimento.
Pode-se sugerir, também, que os corvos ou os abutres estejam aguardando o momento certo para o golpe; esperando o momento adequado para o bote. Abutres das coisas públicas. O dinheiro da safra a colher pode ser interrompido pelos cobiçadores das receitas públicas.
Não creio que tais pensamentos tenham passado pela mente de Van Gogh. Daí porque não é possível dizer-se que tenha sido um alienado. Ao contrário, como bem ressalta Artaud não há qualquer tela do pintor que retrate a dor, a maldade, a crueldade ou a violência. Daí não ser louco, bradava Artaud.
A leitura de suas telas é que podem nos fazer compreender os abutres do Estado. Sobrevoam os campos em safra. Copiosas. Fartas. Colheita a qualquer instante. Eles sobrevoam os trigais de Van Gogh, não para enfeitar a tela, mas para roubar a produção do artista.
Os corvos dão o fecho à tela notável, como outras tantas do gênio. Os corvos eram necessários para explicar a colheita. Era o que o pintor via. Via ou sentia em sua impressão colhida da natureza. Os corvos, na realidade, fecham as torneiras das receitas públicas. Os corvos da realidade são muito mais autênticos que os dos trigais. No sentido da ruptura com a dignidade pessoal e social. Os corvos de Van Gogh são pinturas. Colocados por cima dos trigais dão um notabilidade à tela. O abutre social aniquila a produção artística.
Vejam como Van Gogh pintou a realidade brasileira, a partir de sua loucura em Saint Rémy. Não era tão louco quanto parecia. Ao contrário, era um visionário. O futuro se fazia presente em seus quadros. O presente dramático da vida brasileira, coberta de uma revoada de abutres.