A gestão das dívidas dos Estados brasileiros com a União tem sido marcada por sucessivas renegociações e programas de refinanciamento. Dois marcos legislativos fundamentais nesse processo são a Lei 9.496 de 1997 e a Lei Complementar 159 de 2017. E agora surge um terceiro, chamado PROPAG (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados) , da lavra do Senador Rodrigo Pacheco, ainda em discussão.
A Lei 9.496/1997 estabeleceu um programa de reestruturação e ajuste fiscal dos Estados, consolidando e refinanciando suas dívidas com a União. Esta lei definiu um sistema de pagamento baseado na Receita Líquida Real (RLR) dos Estados, com limites de comprometimento entre 11,5% e 13% da RLR. As dívidas eram inicialmente corrigidas pelo IGP-DI mais juros de 6% a 7,5% ao ano, posteriormente alterados em 2014 para IPCA + 4% ou Taxa Selic, o que fosse menor.
Já a Lei Complementar 159/2017 instituiu o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), voltado para Estados em situação de grave desequilíbrio financeiro. O RRF oferecia condições mais flexíveis, incluindo a suspensão temporária de pagamentos e a implementação de medidas de ajuste fiscal rigorosas.
Agora, em 2024, surge o Propag, que promete mudanças significativas em relação aos programas anteriores. As principais alterações e implicações do Propag são as seguintes. Todos os Estados do RRF poderão sair do regime, e aderir ao Propag; os juros reais poderão chegar a 0%, uma redução drástica em comparação com as taxas anteriores; o teto de gastos, antes baseado em um ano de referência fixo no RRF, agora terá como base a Lei Orçamentária Anual do ano anterior; o novo teto poderá crescer até 70% do PIB mais IPCA, condicionado a superávit primário que pode ser alcançado com receitas extraordinárias não recorrentes; os Estados poderão ceder ativos à União como parte do pagamento, incluindo dívida ativa e imóveis; despesas com educação e saúde ficarão fora do teto de gastos no Propag.
Há preocupações de que o programa seja excessivamente generoso com os Estados e possa levar a um aumento significativo da dívida federal e das despesas estaduais. O impacto fiscal estimado é de, no mínimo, R$ 42 bilhões, um cálculo que pode estar subestimado por não considerar o aumento das despesas, o crescimento da dívida e o possível aumento das taxas de juros, e representa mais um capítulo preocupante na já conturbada história de renegociações de dívidas estaduais. Longe de promover a tão necessária responsabilidade fiscal, ele emerge como um exemplo gritante de como o Brasil continua a recompensar a má gestão e o descontrole financeiro de Estados irresponsáveis, perpetuando um ciclo vicioso de endividamento e socorro federal.
Um ponto alarmante é a possibilidade de o teto de gastos crescer até 70% do crescimento do PIB mais IPCA, condicionado a um superávit primário que pode ser alcançado com receitas extraordinárias não recorrentes. Esta brecha abre caminho para aumentos insustentáveis de despesas nos anos seguintes, comprometendo seriamente a saúde fiscal dos Estados a longo prazo. É uma receita para o desastre fiscal, permitindo que Estados inflem artificialmente suas receitas em um ano para justificar gastos excessivos nos anos subsequentes.
O programa também permite que os Estados transfiram ativos para a União como forma de pagamento, incluindo dívida ativa e imóveis. Esta medida, embora possa parecer atraente no curto prazo, pode criar complexidades significativas na gestão desses ativos e potencialmente superestimar seu valor real, prejudicando os cofres públicos federais. Além disso, essa transferência de ativos pode mascarar a real situação financeira dos Estados, permitindo que continuem a gastar além de suas possibilidades reais.
A dívida federal deverá aumentar significativamente, pois toda a dívida dos Estados que deixará de ser paga será transferida para a União, criando um fardo insustentável para as finanças federais e, por extensão, para todos os contribuintes brasileiros. Vale lembrar que os quatro maiores devedores (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em conjunto, têm dívidas de mais de R$ 650 bilhões), e os demais Estados acumulam mais de R$ 130 bilhões.
Este tipo de programa, populista e demagógico, mina os esforços de instalar uma cultura de responsabilidade fiscal no Brasil. Ao invés de incentivar a disciplina financeira, recompensa o descontrole e cria um perigoso precedente para futuras renegociações, perpetuando um ciclo vicioso de endividamento e socorro federal. É um sinal claro para os Estados de que não há necessidade de controlar gastos ou buscar eficiência, pois sempre haverá um “papai governo” pronto para socorrê-los.
A única solução verdadeiramente eficaz e responsável seria permitir que Estados financeiramente irresponsáveis enfrentem as consequências de sua má gestão. O Propag só seria minimamente aceitável se viesse acompanhado de uma proibição constitucional absoluta e irrevogável de socorro financeiro aos Estados pela União, forçando uma mudança radical na cultura fiscal dos entes federativos.
É imperativo que os Estados aprendam a se financiar no mercado, se forem capazes, ou a cortar despesas quando necessário. Esta abordagem, embora possa parecer dura no curto prazo, é a única maneira de incentivar uma gestão fiscal responsável e sustentável a longo prazo.
Em conclusão, o Propag, em sua forma atual, é mais um triste exemplo de como o Brasil continua a adiar reformas estruturais necessárias em favor de soluções de curto prazo que apenas perpetuam problemas crônicos. É hora de romper este ciclo vicioso e estabelecer um novo paradigma de responsabilidade fiscal no país, mesmo que isso signifique decisões difíceis e impopulares no curto prazo. A continuação deste padrão de renegociações e socorros financeiros só levará o país a uma crise fiscal ainda mais profunda, comprometendo o futuro de gerações de brasileiros.