No ano de 2006, logo após a sanção da Lei Maria da Penha, escrevi artigo de forma crítica, tecendo considerações sobre dispositivos que, a meu ver, feriam a Constituição Federal, notadamente o princípio da isonomia.
É certo que posteriormente o STF considerou constitucional todos os dispositivos da lei. Porém, ainda defendo que seria muito melhor a existência de uma lei de violência doméstica genérica, que tutelasse bens jurídicos, tanto do homem quanto da mulher.
Não há como negar que homens, embora em menor número, também são vítimas de violência doméstica, inclusive crianças. Violência não só física, mas igualmente psicológica, até mesmo causada pela aplicação equivocada de dispositivos da Lei Maria da Penha, como o afastamento do lar, proibição de contato com os filhos e falsas acusações (calúnia e denunciação caluniosa).
Considero a lei de suma importância, já que as mulheres são vítimas de violência de todos os gêneros. Por outro lado, os homens também, embora sofram, não raras vezes, calados por vergonha do que ocorre no recesso do lar.
Não vejo nenhuma diferença entre a violência doméstica praticada contra a filha ou o filho. No caso do crime cometido contra a filha, incide a Lei Maria da Penha, já contra o filho, não.
O fato se agrava sobremaneira quando as vítimas são crianças. Neste caso, felizmente, foi aprovada lei especial para tutelar crianças e adolescentes. A Lei Henry Borel, muito parecida em sua estrutura com a Lei Maria da Penha protege, mesmo dos familiares, aquele que não tem como se defender por sua própria condição de pessoa em desenvolvimento físico e mental.
Posso dizer o mesmo quando o homem é vítima de violência psicológica, tendo como autor o próprio filho ou a esposa. Neste caso, se a vítima fosse a mulher, seria mais protegida do que o homem em situação idêntica.
Do jeito como a lei está redigida também não protege a união homoafetiva entre homens, que, do mesmo modo que as mulheres, envolvem-se em violência doméstica e nenhum dos dois está amparado pela Lei Maria da Penha.
Toda forma de violência doméstica, seja contra o homem ou contra a mulher, deve ser severamente punida e a legislação deveria ser atualizada nesse sentido. Seriam protegidas as mulheres, que, sem dúvida, sofrem muito mais com a violência física e psicológica, mas, do mesmo modo, seriam protegidos os homens, que, mesmo em menor número, igualmente sofrem com a violência física e principalmente psicológica tendo como autoras as mulheres.
Posso dizer o mesmo em relação ao feminicídio. Conduta execrável, mas não diferente do que matar um homem. A pena foi aumentada para 20 a 40 anos de reclusão quando se mata a mulher em razão de condição do sexo feminino (art. 121-A, do CP). Pergunto, por que não aumentar a pena do homicídio em todas as suas formas da mesma maneira quando a vítima é homem?
O Brasil é um dos campeões do mundo no quesito homicídio doloso e outros crimes de extrema gravidade. São dezenas de milhares de pessoas assassinadas, estupradas ou agredidas violentamente de diversas formas.
Em 2019 foram assassinadas 41.635 pessoas. Deste total, 3.739 foram mulheres, mas nem todos os casos são de feminicídios, que totalizaram 1.314 (fonte:
– 05.03.2020). Já em 2020, houve aumento de 2.162 mortes, cerca de 5,2%, totalizando 43.892. É certo que já foi bem pior. Em 2017 foram 59.128 e em 2018 51.558 mortes (fonte
– 12.02.2021). Estão contabilizadas nas mortes homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte (quando a intenção é ferir e por culpa do autor advém a morte da vítima). Em 2023 foram 1467 assassinatos em razão do sexo feminino, ao passo que o número total de homicídios foi de 46.328 pelo Brasil afora.
Muitos países em guerra interna ou externa não têm esses números de mortes. Os motivos são diversos, como a miséria, o crime organizado, drogas lícitas e ilícitas, policiamento ineficiente, punição inadequada e a própria natureza humana, pois desde os tempos mais antigos este tipo de crime existe e sempre existirá, muito embora possa e deva ser reduzido.
Como sói acontecer no Brasil, quando ocorre um crime brutal e horrendo, algo que deveria ser constante é relembrado: a questão da violência contra a mulher.
Sempre fui crítico de qualquer tipo de discriminação, seja por raça, sexo, credo ou de qualquer outra espécie. A vida do homem não é mais importante do que a da mulher, nem do branco do que a do negro ou de qualquer outra raça.
Homicídio é homicídio, pouco importando a condição pessoal da vítima. Ninguém, fora dos casos expressamente previstos em lei, como a legítima defesa, está autorizado a matar quem quer que seja, independentemente do motivo e da qualidade da vítima.
No entanto, a pretexto de igualar o que já é igual, dentro de suas particularidades, desiguala-se ainda mais.
Contudo, para ser politicamente correto, procura-se dar um tratamento diferenciado para quem naturalmente é igual, mas a sociedade, por inúmeras razões, todas elas injustificáveis, procura desigualar ou discriminar.
Com efeito, o movimento que deve ser levantado é para que se pare de cometer o crime de homicídio, que tem entre suas espécies o feminicídio e o motivado pelo ódio racial (torpeza), reduzindo ao mínimo possível sua ocorrência, posto que erradicá-lo ainda não se mostra viável em razão da natureza humana, e punindo seus autores de forma severa e exemplar.
Para tanto, basta vontade política, começando pela redução do desemprego, criação de espaços de lazer públicos e para a prática de esportes, melhorando e proporcionando educação adequada, notadamente profissionalizante, prevenindo e combatendo eficazmente o tráfico ilícito de drogas (que está direta e indiretamente ligado à boa parte, quiçá a maioria, dos crimes violentos) e punindo de forma exemplar aquele que ceifa a vida alheia (seja quem for a vítima), de modo a desestimular e prevenir sua prática.
O direito deve evoluir de acordo com a sociedade e me parece oportuna a abertura dessa discussão, já que todos, independentemente de condição ou qualidade pessoal, merecem igual tutela da legislação, seja qual for o delito cometido.
Sobre este mesmo tema, video: