Atuação mais ampla, porém necessariamente integrada às demais forças de segurança
“A polícia é a vanguarda e, também, a última trincheira da Ordem, do Direito e da Justiça. Coragem, sacrifício, dedicação e honra, não são termos gratuitos. Correm no sangue da profissão.”
AFPP
Decisão sob pressão
O Brasil apresenta hoje, um número de vítimas de latrocínio e homicídio que já supera um milhão mortos, contados desde o primeiro governo Lula – observando-se redução sensível apenas nas gestões de Temer e Bolsonaro.
A média de 56 mil mortos por ano, expressa o desastre protagonizado pelo regime esquerdista, suportado pelos acólitos que hoje ocupam cargos-chave na juristocracia nacional, a começar do Supremo Tribunal Federal.
Seria o óbvio ululante mencionar a expansão da corrupção, a explosão do tráfico de drogas – com todos os seus efeitos sinérgicos, a sofisticação crescente do crime organizado, os sinais alarmantes de casos de envolvimento da própria magistratura em atividades criminosas e a generalizada sensação de impunidade.
O meio urbano brasileiro é a primeira vítima de toda essa violência e, somado à progressiva perda do controle territorial dos governos municipais, sobre o solo das cidades que deveriam governar, tornam-se a vanguarda nos reclamos por alguma atitude do Regime para apaziguar os ânimos da população.
Entre um e outro sinal trocado… o STF resolveu então decidir que os municípios podem instituir sua própria polícia.
“Decidir”, no entanto, como é cediço, no histórico recente da péssima judicatura que hoje assalta o tribunal, não significa propriamente seguir a Constituição, muito menos a Lei.
Decisão fora da Constituição
Nada do que resolveu proclamar o Supremo, na sua midiática decisão, está inscrito expressamente na Constituição Federal. O parágrafo 8º do art. 144 da Constituição não sofreu necessária mudança em sua redação, para autorizar o termo “polícia”… ou inclusão da segurança municipal dentre os atores inscritos nos seis incisos do caput do artigo. E, diga-se, os incisos são expressos.
Por outro lado, a ponte para o decidido, agora, foi a decisão anterior do Supremo, no julgamento do RE 846.854/SP, que reconheceu que “as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, da CF)”, aduzindo que “o reconhecimento possibilitou ao Parlamento, com base no § 7º do artigo 144 da Constituição Federal, editar a Lei nº 13.675, de 11/6/2018, na qual as Guardas Municipais são colocadas como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, inciso VII)”. Ressalte-se que o ponto fulcral daquela discussão era a permissão de uso de armamento por parte dos integrantes das Guardas Municipais.
Ora, tal qual qualquer “sistema único”… nem todo corpo de atribuições ali alocado pode extrapolar os limites estabelecidos expressamente pela Constituição… e é justamente isso que o Supremo Prodígio Juristocrático acaba de perpetrar, com sua inovação.
Posto isso, Como adiante se verá , a decisão mais confunde que aclara a jurisdição municipal sobre a Segurança Pública na Federação.
Quatro caminhos
Ao decidir no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 608588, com repercussão geral (o que significa que deve ser seguida por todas as instâncias da Justiça em casos semelhantes), que é constitucional a criação de leis municipais que permitam às guardas atuarem em ações de segurança urbana, incluindo o policiamento ostensivo e comunitário, o STF ponderou que a atuação das guardas municipais deve respeitar as atribuições das polícias Civil e Militar, conforme previsto no artigo 144 da Constituição Federal.
Assim, as guardas municipais permanecem privadas do poder de investigação, mas podem agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, realizando buscas pessoais e prisões em flagrante.
Com isso o STF gerou quatro caminhos para prefeitos pressurosos em ganhar musculatura no controle territorial de suas cidades:
a- “Choveu no molhado” ao autorizar a realização de prisões em flagrante – visto ser esta uma atribuição dada a qualquer cidadão que presencie o cometimento de um crime;
b- Autorizou o exercício de blitz fiscalizatória de caráter policial-ostensivo e administrativo – abrangendo estabelecimentos e atividades abrangidas pela jurisdição municipal, logradouros públicos, comércio e diversões públicas – no trânsito, na fiscalização ambiental, no abastecimento e consumo, etc;
c- Permitiu a detenção e revista pessoal em munícipes, sob fundada suspeita, incluso no acúmulo de atividades de fiscalização administrativa com inspeção de natureza criminal;
d- Liberou a administração pública para terceirizar à iniciativa privada, todas as atividades de guarda e proteção dos próprios municipais – na medida em que o efetivo da guarda irá se dedicar ao controle da ordem pública e da segurança.
Limites e omissões
O STF ressaltou, em sua decisão, que a atuação das guardas municipais “será fiscalizada pelo Ministério Público”.
Com efeito, a decisão é obscura, quando não omissa.
Se por um lado “chove de novo no molhado”, ao atribuir ao órgão ministerial uma função que ele já exerce sobre a Administração Pública como um todo… por outro, aponta para a incômoda possibilidade do Promotor de Justiça local atribuir-se o papel de “Comissário do Povo” e agir tal qual os oficiais-comissários da estrutura leninista-trotskista dos exércitos e organizações de segurança da antiga cortina de ferro (e seus atuais remanescentes da China e Coreia) – qual seja, compartilhar o “comando” das ações policiais com a autoridade local.
Imagino, num futuro próximo, a criação de “Promotorias de Segurança Pública Municipal” estruturadas no Ministério Público dos Estados.
Para piorar, o STF – que parece ser desprovido de assessoria com o mínimo senso de constitucionalidade, não observou que o artigo 31 da Constituição Federal reserva às Câmaras Municipais o papel de fiscalizar os atos do governo municipal, incluso as Guardas. Assim, o papel originário de fiscalização nem de longe poderia ser do MP e, sim, do parlamento municipal – constitucionalmente titular da prerrogativa.
Ressalte-se que a decisão do STF parece querer “atrair” o MP para uma armadilha de engajamento… que ele de forma alguma deve assumir.
Quem é a Autoridade Policial Local?
Seguindo o rol de omissões, a decisão do STF não especifica quem seria a autoridade policial local responsável pela coordenação das atividades das polícias municipais.
A interpretação geral pode variar da figura do próprio Prefeito à de um comissário ou comandante na chefia da corporação.
Mais uma vez, a Carta de 88 – emendada e remendada, é atropelada pela omissão jurisprudencial. Isso porque o Prefeito, conforme reza os artigos 29, 30 e 31 da CF, não possui atribuição de exercer atividade policial. No máximo, pode zelar pelo uso do solo e controle do território, mas isso no sentido administrativo, em razão da Ordem Urbanística – nada a ver com a defesa da Ordem Pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Se assim é – ao prefeito não cabe assumir o papel de autoridade policial, muito menos delegá-la a um seu secretário.
O Secretário Municipal de Segurança – por extensão das atribuições do executivo local – poderá, por óbvio, jurisdicionar a atividade da polícia, orientando a implementação da política governamental para o setor, incluindo supervisionar a atividade do comando – pois que nomeado e demissível pela chefia do executivo.
Esse distanciamento é fundamental para que a atividade policial não se politize… caso contrário veremos secretários andando por aí, de peito estufado, cercados de seguranças… bancando xerife.
No entanto, considerando-se que o corpo da guarda – ou polícia municipal, possui organização esteticamente formatada com base na hierarquia e na disciplina – competirá à lei municipal definir quem deve exercer o papel de autoridade policial e como essa autoridade deve ser estruturada.
Até então, cumprirá, primariamente, no vácuo criado pela obtusa decisão do STF, o exercício da autoridade ao Comandante do Policiamento Municipal.
Polícia requer autonomia e hierarquia
A polícia municipal deve ter autonomia administrativa para tomar decisões e implementar ações de segurança pública, de acordo com as necessidades locais. Essa autoridade pode cumprir ao comandante da Guarda Municipal local – figura administrativa alocada no topo da estrutura de policiamento, responsável pela supervisão e coordenação das ações de segurança pública.
De toda forma, as atividades locais devem seguir em estreita cooperação com as polícias Civil e Militar – estas sim, titulares do exercício pleno da atividade de segurança pública – inclusive no que tange à primazia – pela PM, do controle de multidões.
Conclusão
A decisão do STF fortalece o papel das guardas municipais na segurança pública, permitindo uma atuação mais ampla e integrada com as demais forças de segurança.
No entanto, ainda que tornadas “polícias municipais”, o papel de função complementar permanece nelas expresso, como limite à atividade, demandando organização de estrutura permanente de cooperação operacional em cada município.
Cumprirá à Lei Municipal estruturar as guardas em organismos realmente funcionais, para o exercício da atividade de polícia ostensiva e administrativa.
A autoridade de polícia judiciária civil – na figura do Delegado, deverá acolher a atividade municipal de prisão e impulsionamento da atividade do ciclo investigativo, podendo inclusive recorrer à corporação local, para reforço de suas próprias diligências.
Cumprirá à Polícia Militar, por sua vez, organizar meios de integração e comunicação interterritorial, para evitar conflitos de atribuições.
Voltarei ao assunto em breve, detalhando alguns aspectos estruturais da atividade de policiamento municipal.