Não tenho a menor dúvida de que a discussão política e jurídica de maior relevância na atualidade é o que fazer com a maioria das pessoas condenadas pelos atos de 8 de janeiro, tidos por uns como antidemocráticos e por outros como mero vandalismo.
Uma coisa é certa, não há como negar para quem analisa as condenações de forma eminentemente técnica, despindo-se ao máximo de toda e qualquer ideologia, que o apenamento foi absolutamente desproporcional e há pessoas condenadas sem ter praticado nenhuma conduta criminosa, estando no lugar errado e na hora errada, ou entrando de gaiato no navio, sem saber o que sequer fazia e sem nenhuma intenção de querer depor o governo ou abolir o estado democrático (1).
Vejo quatro hipóteses jurídicas que podem ser aplicadas. Uma bem ampla, outras duas nem tanto e a última a mais restrita.
Pode-se, tecnicamente: 1) anistiar a todos ou alguns participantes dos atos; 2) conceder a graça a todos ou a alguns participantes; 3) indultar a todos ou a alguns participantes; 4) redimensionar as penas de alguns ou de todos os participantes.
Comecemos com o benefício mais amplo, a anistia.
A anistia é bem diferente da graça e do indulto. Cuida-se de benefício muito mais amplo e é concedida por meio de lei do Congresso Nacional, diferentemente da graça e do indulto, que são concedidos pelo Presidente da República através de decreto.
A anistia, juntamente com a graça e o indulto, são formas de clemência soberana, que acompanharam a evolução da humanidade. São modalidades de perdão, que eram concedidos pelos monarcas.
Tanto a anistia, quanto a graça e o indulto, são concedidos por órgãos externos ao Poder Judiciário, que atuam motivados por razões políticas ou por espírito de humanidade. Podem fazer desaparecer o crime (anistia), extinguir a pena ou de outra forma favorecer o agente (graça e indulto).
A anistia, a graça e o indulto são causas extintiva da punibilidade previstas no art. 107, inciso II, do Código Penal.
Na causa extintiva da punibilidade o Estado perde o direito de punir o autor de infração penal.
A anistia é aplicada, em regra, a crimes políticos (anistia especial), mas pode abranger outros tipos de ilícitos (anistia comum). É de competência exclusiva da União, sendo concedida por lei do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da CF). Compete ao Juízo da Execução Penal, de ofício, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário, a declaração da extinção da punibilidade dos beneficiados pela anistia (art. 187 da LEP).
A anistia opera ex tunc (para o passado) e faz desaparecer o crime, extinguindo seus efeitos penais. O favorecido volta à condição de primário; porém, subsistem os efeitos civis (dever de reparar o dano, perdimento de instrumentos ou produtos do crime etc.). Assim, a sentença penal condenatória eventualmente prolatada poderá ser executada no juízo cível para o fim de reparação do dano (art. 63 do CPP).
Deve ser ressaltado que a anistia apaga o fato delituoso, mas permanece íntegro o tipo penal. Dessa forma, embora haja o esquecimento do(s) crime(s) praticado(s) em determinado momento histórico, não há a extinção do tipo penal, que poderá ser aplicado normalmente a outros crimes cometidos não atingidos pela anistia.
Vê-se, assim, que a anistia faz desaparecer o crime e, por isso, é muito mais ampla do que a graça e o indulto em que a pessoa perde a primariedade, mas deixa de cumprir a pena privativa de liberdade ou tem suas penas reduzidas ou substituídas por outras mais brandas (comutação).
Do que se trata a graça?
A graça é instituto puramente pessoal, porque direcionada a uma pessoa em particular, e ato administrativo discricionário emanado do chefe do Poder Executivo Federal, ou seja, motivado por razões de conveniência e oportunidade (art. 84, XII, da CF).
Tanto a graça quanto o indulto são concedidos por meio de decreto presidencial e compete ao Juízo da Execução Penal a declaração da extinção da punibilidade ou a comutação da pena dos beneficiados.
Diferentemente da anistia, a graça e o indulto não apagam o fato delituoso; apenas extinguem a punibilidade, reduzem a pena ou a substituem por outra mais branda, permanecendo íntegros os demais efeitos penais e civis da sentença condenatória, como, aliás, reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula 631, que diz: “O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.
Este tipo de ato administrativo, no mais das vezes, pode ter como vício a forma, e não as razões que o motivaram, justamente a mais importante de suas características.
Assim, cabe ao Poder Judiciário apenas homologar o benefício e julgar extinta a punibilidade do agraciado, cuja decisão retroage até a data da concessão, isto é, da sua publicação no Diário Oficial. Como já dito, não é o Poder Judiciário que a concede, mas o Presidente da República e, por isso, a decisão judicial é declaratória e não constitutiva.
Dizer que a graça viola o princípio da impessoalidade é desconhecer sua natureza, que é justamente ser ato pessoal, voltado a beneficiar pessoa determinada, diferentemente do indulto coletivo, que alcança todas as pessoas que preencham os requisitos previstos no decreto concessivo (grupo de pessoas).
Evidentemente que não pode haver desvio de finalidade. Explico: não se pode, a pretexto de perdoar alguém por razões políticas ou humanitárias, tendo por detrás a vil intenção de se beneficiar, v.g., pela prática de uma infração penal por si cometida, cuja existência é de conhecimento do agraciado, a fim de que ele se cale e não lhe prejudique. Em casos desse tipo, o ato administrativo é eivado de nulidade e, por isso, não produz efeito, não devendo o Judiciário declarar a extinção da punibilidade do agraciado.
Concedida a graça sem a imposição de qualquer condição, ao Magistrado cabe apenas, à vista dos autos do processo e do decreto concessivo, julgar extinta a punibilidade do condenado ou determinar a comutação da pena, ou seja, sua diminuição ou substituição por outra mais branda, dependendo do caso (art. 192 da LEP).
É verdade que para a concessão de indulto ou da graça (indulto individual) é exigido ao menos o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação.
Como o benefício extingue os efeitos principais da condenação, somente após o esgotamento dos recursos do MP ou do querelante é que será possível saber qual o crime que o sujeito foi condenado e as penas impostas, lembrando que há delitos em que não é possível a clemência soberana, no caso os hediondos e os equiparados. Mesmo havendo recurso da defesa, o benefício pode ser concedido. No caso de ser provido o recurso defensivo e advier a absolvição, a graça ou o indulto perdem efeito e prepondera a decisão absolutória, que é mais favorável.
A concessão da graça ou do indulto antes do trânsito em julgado da condenação não é causa de nulidade e tampouco de indeferimento do benefício. Por economia processual e por não haver nenhum prejuízo para qualquer das partes, basta ao Magistrado condicionar o início de seus efeitos (extinção da punibilidade) ao trânsito em julgado para a acusação ou simplesmente suspender o trâmite do seu processamento até aquele momento, o que se dá quando não couber mais recurso do Ministério Público ou do querelante (no caso de ação penal privada).
Do contrário, indeferindo-se o benefício, fatalmente será novamente concedida a graça pelo Presidente da República. Assim, seria protelar a concessão do benefício em total prejuízo do condenado, que inevitavelmente será alcançado por ele, exceto se o presidente da República não mais estiver no cargo, cabendo ao seu sucessor decidir a respeito.
Por isso, por economia processual e por não existir nenhum prejuízo a qualquer das partes, não vemos óbice na publicação do decreto da graça, cujos efeitos serão postergados para após o trânsito em julgado do acórdão condenatório.
Observo, aliás, que a Constituição Federal, que outorga a prerrogativa de o Presidente da República conceder a graça (indulto individual) como forma de clemência soberana, não a condiciona a solicitação de quem quer que seja, podendo ser concedida de ofício, justamente por se tratar de ato discricionário de sua competência, sequer necessitando de fundamentação quanto aos motivos que a determinaram. O comando previsto no artigo 188 da Lei de Execução Penal, que diz ser a graça provocada por solicitação do condenado, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, além de ser anterior à promulgação da Carta Magna, não pode a ela contrariar, que traz como único impeditivo a impossibilidade de beneficiar os condenados por crimes hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII, CF, e art. 2º, I, da Lei 8.072/1990).
Diferentemente da graça, que é individual e alcança pessoa determinada, o indulto é uma medida de caráter coletivo e espontâneo, não necessitando de solicitação. Deverá ser apreciado pelo Poder Judiciário, a fim de verificar se determinada pessoa poderá ser beneficiada. Ao Magistrado cabe apenas decidir se os requisitos objetivos e subjetivos condicionantes do benefício estão presentes. Preenchidos os requisitos, o Juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do Ministério Público, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, declarará extinta a punibilidade (art. 107, II, do CP) ou determinará a comutação da pena (diminuição da pena ou substituição por outra mais branda), dependendo do caso.
Assim, como é medida de clemência soberana determinada, no Brasil, pelo Presidente da República, presentes os requisitos necessários, cabe ao Magistrado apenas declarar extinta a punibilidade do beneficiado, de modo que não cumprirá a pena privativa de liberdade imposta, subsistindo apenas os efeitos secundários da condenação, dentre eles o dever de indenizar.
Note-se que, mesmo que se entenda direcionado para determinado fato, como o Presidente pode conceder a graça, instituto análogo ao indulto coletivo, com a única diferença material de alcançar pessoa determinada, não vemos inconstitucionalidade ou ilegalidade na sua concessão. Tanto um quanto o outro podem ser concedidos por critério de conveniência e oportunidade do Presidente da República, com a limitação constitucional e legal de não serem possíveis aos condenados por crimes hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII, CF, e art. 2º, I, da Lei 8.072/1990).
No tocante ao parecer do Conselho Penitenciário (art. 189 da LEP), cuida-se de ato meramente opinativo, não vinculando o Presidente, que, como já dito, pode conceder o benefício por razões de conveniência e oportunidade (discricionariedade).
Com o devido respeito aos que assim entendem, não há nenhuma norma constitucional ou legal que impeça a concessão da anistia, graça ou indulto para os participantes dos atos de 8 de janeiro, exceto se forem realizados malabarismos jurídicos para dar uma interpretação extremamente elástica a princípios constitucionais e chegarem à conclusão de que o benefício feriria alguma norma constitucional.
Não é dado ao STF discutir o mérito da anistia, da graça e do indulto, isto é, se os beneficiados são ou não merecedores do ato de clemência.
Essa decisão é do Parlamento ou do Presidente da República por se tratar de modalidades de perdão existente desde os tempos mais antigos, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade (discricionário).
Não se pode presumir que esses benefícios constitucionalmente previstos levariam a outros atos semelhantes e que o tresloucado suicídio com fogos de artifício na Capital Federal ensejaria tal conclusão.
Cuida-se de premissas falsas.
Primeiro, porque o perdão está sendo concedido justamente para tentar serenar os ânimos por conta de penas absolutamente desproporcionais às condutas praticadas, que sequer foram individualizadas na maioria dos casos, e o resultado produzido, algo nunca visto em nosso país.
Segundo, porque um dos argumentos empregados pelos contrários aos benefícios é o atentado à bomba realizado na Praça dos Três Poderes, que foi um ato isolado realizado por uma pessoa com evidente desequilíbrio psicológico, que pretendia se matar e o fez como protesto contra o que ele considerava violações ao estado democrático.
Da mesma maneira que pode a Suprema Corte conjecturar ser o perdão um incentivo a prática de novos atos semelhantes, também podemos fazê-lo no sentido contrário, de que os ânimos seriam acalmados por conta de prisões injustas derivadas de processos absolutamente nulos em razão da incompetência da Excelsa Corte, da ausência de individualização das condutas, sonegação de provas (filmagens que desapareceram) e penas desproporcionais.
A anistia e a graça, justamente por serem espécie de perdão do soberano, é ato dirigido a pessoas determinadas, que praticaram um ato ilícito. Não, há dessa forma, violação ao princípio da impessoalidade, justamente por ter a natureza de perdão dirigido a fatos certos e determinados, que, fatalmente, beneficiará pessoas certas e determinadas.
O mesmo ocorre com o indulto (total ou parcial), vez que alcançará grupo de pessoas que se enquadrem nas condições do decreto concessivo, não se sabendo ao certo quantos condenados serão beneficiados com a extinção, redução ou substituição das penas por outras mais brandas.
Trata-se de uma decisão política do Congresso Nacional (anistia) ou do Presidente da República (graça ou indulto) e, por isso, só cabe ao Poder Judiciário declarar judicialmente o direito, desde que preenchidos os requisitos legais, julgando extinta a punibilidade dos beneficiados ou os favorecendo de outra forma, e nada mais.
Não é dado à Excelsa Corte criar empecilhos constitucionais ou legais não previstos em nosso sistema jurídico para a concessão desses benefícios, mas apenas analisar os já existentes, que não vedam o perdão aos crimes pelos quais os manifestantes foram acusados ou condenados por não serem hediondos ou a eles equiparados.
Se a intenção do Constituinte originário fosse a de vedar a anistia, a graça ou o indulto para essas espécies de delitos, teria feito expressamente. Até mesmo o legislador, ao criar os crimes contra o estado democrático de direito por meio de lei, poderia tê-los inserido no rol dos crimes hediondos ou equiparados, o que ensejaria a vedação ao perdão, mas não o fez, o que nos leva à conclusão de que o benefício foi permitido por ele, talvez por serem crimes políticos e permitirem o perdão político.
Cada Poder da República tem na Constituição as regras de sua competência, que limitarão sua atuação, justamente para não haver a invasão de um ao outro, exceto naqueles casos taxativamente expressos no texto constitucional em que são exercidos os freios e contrapesos, isto é, a fiscalização recíproca; do contrário, ocorre a violação de um dos princípios básicos do todo país democrático, a independência dos Poderes, que devem ser harmônicos e coerentes, o que deixa de existir quando um deles toma para si atribuição do outro sem autorização constitucional.
Outra questão que certamente será alvo de debates no caso de a anistia ser aprovada no Congresso Nacional, por se tratar de lei, deve ser sancionada ou vetada pelo Presidente da República, que poderá agir politicamente. E, neste caso, mesmo que vetada, o veto pode ser derrubado pelos Parlamentares pela maioria absoluta de seus membros em cada Casa, ou seja, 257 votos de Deputados e 41 votos de Senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).
Como já afirmado, por não haver ninguém condenado por crime hediondo ou equiparado, não vejo como ser a lei que conceder a anistia declarada inconstitucional ou invalidada pelo Supremo Tribunal Federal, a não ser que haja irregularidade formal em sua tramitação ou desvio de finalidade, lembrando que a finalidade da anistia é justamente conceder o perdão pelos atos praticados, faculdade essa de competência exclusiva do Congresso Nacional.
O mesmo pode ser dito em relação ao decreto concessivo da graça ou do indulto.
Enfim, por não se tratar de delitos hediondos ou equiparados e ser a anistia, a graça e o indulto perdão concedido pelo Poder Legislativo (anistia) e pela Presidência da República (graça e indulto) a infrações cometidas em dado momento histórico, não cabe ao STF descumprir a Constituição e invadir a alçada de outro Poder, violando o princípio da separação dos poderes, essencial em todo e qualquer estado democrático de direito.
Por fim, outra hipótese, embora menos abrangente, pode ser adotada, agora pela Excelsa Corte.
Falo da individualização das penas.
Uma das maiores discussões existentes na atualidade sobre o direito penal é justamente sobre a finalidade ou função da pena.
A ideia de pura vingança estatal deixou de existir. O condenado deve ser tratado como sujeito de direitos e não apenas como um objeto sobre o qual incide a legislação penal objetiva.
Por isso, em nosso direito, a pena é retributiva e preventiva. Ela possui finalidade retributiva, na medida em que pune o autor de uma infração penal, e preventiva, visando evitar a prática de novas infrações penais. Essa prevenção é geral, pois inibe os demais membros da sociedade de cometer ilícitos; e, especial, tendo por propósito retirar o autor da infração penal do convívio da sociedade, impedindo-o de delinquir novamente e procurando reeducá-lo.
A função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos considerados fundamentais para a convivência em sociedade.
Bem é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade humana, material ou imaterial, como a vida, o patrimônio, a honra etc. Se esse bem for protegido pelo direito, recebe o nome de bem jurídico. Se protegido pelo direito penal, tem a denominação de bem jurídico penal.
Não cabe ao Direito Penal a proteção de todos os bens jurídicos, mas apenas daqueles mais importantes, ou seja, vitais, de tal forma que se violados causem danosidade ou abalo social.
E quanto mais importante for o bem maior será a tutela penal. Assim, para um crime contra a vida, a pena terá de ser maior do que para um delito contra a honra. Da mesma forma, quanto mais grave for a violação de determinado bem jurídico penal, a pena, na mesma proporção, deverá ser mais severa.
Com efeito, a pena deve ser proporcional ao crime. Praticado o delito, a pena deve ser proporcional ao mal causado. Quanto mais grave o delito, mais severa deve ser a reprimenda.
De acordo com o princípio da proporcionalidade das penas é de competência do legislador a criação de tipos penais e as respectivas sanções de acordo com a importância do bem jurídico penalmente protegido (proporcionalidade abstrata ou legislativa). Também cabe ao Juiz, quando da prolação da sentença, a individualização da pena de acordo com o caso concreto (proporcionalidade concreta ou judicial). Por ocasião da execução da pena, deve ser observada sua individualização, possibilitando, nos termos da lei, a progressão de regime, o livramento condicional, o indulto etc. (proporcionalidade executória).
Desse princípio decorrem, ainda, os critérios de necessidade e adequação da pena. Ela deve ser necessária por não existir outra apta a reprovar a conduta; e a adequada por possibilitar o resultado pretendido, ou seja, a retribuição e a prevenção geral e a especial.
A proporcionalidade não deve ser vista apenas sob o prisma da proibição do excesso, preconizada pelos princípios da intervenção mínima e da insignificância. Desponta, igualmente, ao lado desses princípios, como corolário do princípio da proporcionalidade, a proibição da proteção deficiente, que determina ao legislador o dever de propiciar adequada e suficiente proteção aos bens jurídicos de especial importância para a sociedade.
Pergunto: é adequada a imposição de penas que giram em torno de 14 a 17 anos de reclusão para os participantes dos atos de 8 de janeiro que apenas estavam no local ou, quando muito, danificaram um bem ou outro?
Concordo que devem ser aplicadas penas severas para aqueles que realmente queriam a deposição do governo ou a abolição do estado democrático de direito, mediante violência física contra a pessoa ou grave ameaça, cujas condutas tenham sido devidamente individualizadas e que tivessem o potencial de alcançar o resultado pretendido, lembrando que a mera tentativa já é punível.
Será que todas as pessoas condenadas tinham o mesmo propósito e praticaram condutas aptas a alcançar o resultado, ou ao menos participaram dos atos com esse propósito, seja induzindo, instigando ou auxiliando os executores das condutas perpetradas, que tivessem o potencial de alcançar o resultado pretendido?
Cada uma dessas infrações possui suas elementares, isto é, seus elementos definidores, que devem se fazer presentes para que haja a perfeita adequação típica e enseje a punição de forma proporcional à conduta praticada (2).
Quero chamar, ainda, a atenção para a individualização das penas entre os participantes dos delitos, que, em razão da maior ou menor culpabilidade, poderão ter penas diferenciadas, com fundamento no artigo 29 do Código Penal.
Diz a norma:
”Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.
Em princípio, devido à teoria unitária, todos os participantes de um crime sofrerão a mesma pena abstratamente considerada, segundo o grau de sua culpabilidade. A parte final do dispositivo, que foi introduzida pela reforma penal de 1984, deixa claro que o juiz poderá aplicar pena diferenciada para os participantes do delito, desde que a análise da culpabilidade deles assim o recomende.
O art. 29 do Código Penal é corolário do princípio da individualização da pena, que obriga o juiz a analisar uma série de circunstâncias antes de fixar a reprimenda. Portanto, v.g., em um homicídio praticado por várias pessoas, os coautores e partícipes poderão ter penas diversas estabelecidas de acordo com a culpabilidade de cada um.
O legislador decidiu que a pena do partícipe também deveria ser individualizada de acordo com o grau de sua participação. Assim, se a participação for de menor importância, a pena poderá ser diminuída de um sexto a um terço (art. 29, § 1º, do CP).
Ela deverá ser reconhecida quando a participação do agente tiver exercido pequena eficiência para a execução do crime. Essa diminuição será devido à menor contribuição causal. Assim, quanto maior for a contribuição do agente para a prática do crime, menor deverá ser a redução da pena e vice-versa. Trata-se de direito subjetivo do agente e, caso reconhecida a participação de menor importância na sentença, a redução da pena se torna obrigatória.
Além do mais, pode ocorrer que o autor principal pratique um crime mais grave do que o pretendido pelo partícipe, ensejando o desvio subjetivo entre os participantes (art. 29, § 2º, do CP). Nesse caso, o partícipe responderá pelo crime pretendido e o executor pelo crime mais grave ocorrido. Se o resultado mais grave for previsível ao partícipe, a pena pelo delito que lhe foi imputado será aumentada até a metade. Exemplo: João quer praticar um delito de furto e combina-o com Carlos. Este entra na casa, enquanto João fica dando cobertura. Porém, Carlos estupra a dona da casa, que lá estava por não ter ido viajar como pensavam os larápios e subtrai os bens com o emprego de violência. Assim, Carlos responderá por estupro e roubo e João por furto. Entretanto, se o resultado mais grave fosse previsível para João, sua pena pelo furto seria aumentada até a metade.
Trazendo para os atos de 8 de janeiro, certamente há aqueles que apenas queriam vandalizar os bens públicos e nada mais do que isso, não pretendendo abolir o estado democrático e tampouco depor o governo federal. Neste caso, responderão apenas pelos atos praticados, mesmo que outros tenham cometido delitos mais graves. Nesta hipótese, se o resultado mais grave lhes fosse previsível, sua pena pelo vandalismo (dano qualificado ou contra patrimônio especialmente protegido) seria aumentada até a metade.
Ademais, aquele que comete o crime sob a influência da multidão em tumulto, fenômeno conhecido como “efeito manada”, terá a pena reduzida como atenuante genérica, desde que não o tenha provocado. Dispõe o artigo 65, inciso III, alínea “e”, do Código Penal, que a pena será sempre atenuada quando “cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou”.
A psicologia explica a influência da multidão em tumulto sobre o ânimo do agente. Nem sempre é fácil aos componentes de uma multidão permanecer à margem de atos ilícitos eventualmente praticados pela turba enfurecida ou perturbada, o que justifica a atenuação da pena, desde que o agente não seja o provocador do tumulto (3).
E tudo indica que a influência da turba perturbada levou muitos dos participantes dos atos a cometerem os crimes, a ensejar necessariamente a redução das suas penas, que, normalmente, é de 1/6.
Resumindo, o mais adequado, no meu modo de ver, seria a concessão da anistia aos participantes dos atos, notadamente daquelas pessoas que apenas vandalizaram os prédios públicos e que não tiveram a conduta devidamente individualizada, sendo punidos “de baciada”, deixando de ser observada a teoria finalista da ação (4) e parecendo ter sido aplicado o direito penal do inimigo (5). Não sendo possível a anistia, poderia ser concedida a graça (para pessoas individualmente consideradas) ou o indulto (coletivo) pelo Presidente da República, que, malgrado permaneçam as condenações, as penas seriam extintas ou comutadas (reduzidas ou substituídas por outras mais brandas). Se nenhum desses benefícios for implementado, resta o redimensionamento das reprimendas, fazendo valer o princípio da individualização das penas, punindo-se cada um dos condenados de acordo com o grau de participação nos atos, ou seja, levando-se em consideração sua culpabilidade, o que preconiza a legislação.
Links:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/injustica/1737973502
(injustiça das condenações)
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-julgamento-dos-atos-de-08012023/1977150457
(julgamento dos atos de 8 de janeiro)
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/agentes-infiltrados-e-o-efeito-manada/3242749279
(agentes infiltrados e o efeito manada)
(teoria finalista da ação)
(direito penal do inimigo)