Deslealdade social é naturalizada e institucionalizada no Brasil, o que torna extremamente difícil seu combate.
Acabamos de concluir um processo eleitoral municipal que nos deixa inúmeros ensinamentos amargos. Apesar de terem avaliações medíocres ou no máximo razoáveis, salvo raras exceções como os casos de João Pessoa e Recife, tivemos um índice recorde histórico de 82% de reeleição, sendo certo que das 100 cidades que mais receberam emendas Pix, o índice vai a pornográficos 93%, com um aumento de 14 vezes a quantidade de dinheiro vivo em relação às eleições municipais de 2020 –foram mais de R$ 21 milhões, destinados à compra de votos.
E nas campanhas, a triste amargura das fake news naturalizadas. Um candidato a prefeito em São Paulo, inicialmente inventou que uma das candidatas foi a responsável pelo suicídio do pai e, depois, mentiu dizendo que outro deles consumia entorpecentes, mas estava falando de um homônimo, fato do qual tinha consciência. Nunca se retratou. Na véspera da votação, publicou laudo falsificado em suas redes sociais, fato pelo qual está sendo investigado criminalmente e que pode ensejar até sua inelegibilidade.
Nos Estados Unidos, o vencedor, como é fato notório, identicamente foi useiro e vezeiro do expediente das fake news em campanha e, mesmo condenado por crimes diversos, sagrou-se vencedor e governará o país mais poderoso do mundo pela segunda vez.
Os golpes digitais, por outro lado, aprimoram-se todos os dias com extremos requintes de sofisticação, destacando-se o Brasil no cenário internacional pelos índices de criminalidade cibernética, tanto na perspectiva quantitativa quanto na ótica qualitativa. E os artefatos oferecidos pela inteligência artificial transformam os desafios de enfrentamento ainda maiores e mais complexos.
A mentira no Brasil é considerada prática naturalizada ao cotidiano, chegando ao ponto de integrar o rol de direitos dos acusados na esfera criminal, ato de autodefesa. Nos Estados Unidos, por exemplo, um réu que mente ao ser interrogado num processo criminal pratica o crime de perjúrio. Aqui, ele fica impune, o que contribui para a perda de credibilidade na Justiça e nas instituições públicas e dificulta extremamente a colheita das provas e a labuta diária de magistrados e integrantes do Ministério Público, estimulando comportamentos descomprometidos com a busca da verdade, que deveria eticamente nortear nosso.
Por falar em mentira, aos domingos, as filas são apoteóticas para ingressar nos 12 sonhados metros quadrados da Charlotte, abarrotados de bolsas, calçados e casacos superfakes das marcas mais desejadas pelos ávidos clientes: Prada, Louis Vuitton etc. São cópias praticamente idênticas aos produtos originais, com design muitíssimo próximo, o mesmo padrão de confecção.
As peças custam valores mais altos que as réplicas comuns, pela alta qualidade. Mas mesmo custando mais, ainda assim o valor pago é dezenas ou centenas de vezes inferior ao preço que seria pago pela peça na loja da respectiva grife.
Corajosa reportagem publicada na revista Piauí, de agosto, revela o submundo dos superfakes, mostrando que quantidade nada desprezível de pessoas consome estes produtos, pratica a deslealdade social naturalizada, de forma institucionalizada. Vive imersa na mentira comercializada, como se fosse algo legítimo, aceitável e verdadeiro. Um faz-de-conta cometido sob o signo do ilusionismo, criando-se a enganosa percepção geral de que estariam portando produtos originais, apresentando-se publicamente como se tivessem certo status, que na realidade não têm.
Essas pessoas circulam em shoppings, restaurantes, exposições e livrarias visando a induzir a erro os outros, imitam famosos e mesmo subcelebridades. Fraudadores da própria imagem, criando personagens fake para as redes sociais, com objetivos de alpinismo afetivo, golpismo político ou financeiro, ascensão social ou até meramente por questões de ego mal resolvidas.
Por isto mesmo é que nos tempos pós-modernos, os boatos mentirosos difundidos boca a boca ou por meio digital se tornaram um verdadeiro câncer, sendo extremamente trabalhoso o processo de neutralização e proteção da imagem e da reputação diante da velocidade de circulação das informações falsas e mentirosas. Como disse sabiamente Warren Buffett: “Demoramos 20 anos para construir nossa reputação, e ela em 5 minutos pode ser destruída”.
Mas toda moeda sempre tem 2 lados e naturalmente todo aquele e toda aquela que dissemina ou propala informação, que sabe ser inverdade, responderá civil e criminalmente por estes atos a título de danos materiais e morais, assim como por difamação e denunciação caluniosa, diante da evidência que tinha ciência de se tratar de inverdade. Na pós-verdade, vivemos tempos difíceis, em que as narrativas praticamente suplantaram a busca da verdade, mas em nome da ética jamais podemos desistir de lutar para que essa busca prevaleça.
Fonte: Poder360