Dia desses, em meio a uma conversa animada com um amigo, ele me apresentou um texto de Rubem Alves intitulado “Escutatória”. Eu nunca tinha lido a respeito, mas bastaram algumas linhas para que uma profunda reflexão se instalasse em minha mente. No texto, o autor questionava por que há tantos cursos de oratória e nenhum de escutatória. Afinal, aprender a falar com eloquência é amplamente valorizado, enquanto ouvir com atenção e genuíno interesse se tornou uma habilidade negligenciada.
Vivemos tempos de excessos comunicativos. Há vozes por todos os lados, monólogos incessantes nas redes sociais, conversas ruidosas sem profundidade, opiniões lançadas como flechas sem a preocupação de atingir um alvo coerente. No entanto, poucas vezes nos detemos para verdadeiramente ouvir o outro. E aqui está um paradoxo curioso: embora nunca tenhamos nos comunicado tanto, raramente nos sentimos realmente compreendidos.
O ato de ouvir vai muito além da audição. Exige presença, empatia e silêncio interno. Para Rubem Alves, escutar é um exercício de humildade, pois significa abrir espaço para o outro, reconhecer sua existência e validar sua voz sem a pressa de impor nosso ponto de vista. O silêncio torna-se uma ferramenta valiosa: nele, permitimos que a essência do outro se manifeste.
Vivemos tempos em que a comunicação se tornou cada vez mais ruidosa. As redes sociais amplificam vozes que gritam incessantemente por atenção, transformando diálogos em monólogos simultâneos. A pressa pelo próximo assunto, a ânsia de expor opiniões e o medo do silêncio tornam a escuta uma habilidade cada vez mais rara. No entanto, aqueles que dominam essa arte destacam-se em qualquer esfera da vida, seja pessoal ou profissional. Saber ouvir é um diferencial poderoso.
Certa vez, um velho amigo me disse que o verdadeiro aprendizado acontece na pausa, no espaço entre uma palavra e outra. Na música, por exemplo, o silêncio é tão importante quanto as notas. Os grandes pianistas, antes de iniciar um concerto, permanecem em silêncio por um tempo considerável. Esse ritual não é uma hesitação, mas uma preparação para que a arte flua de maneira autêntica. No diálogo, ocorre o mesmo: é no silêncio atento que a compreensão genuína floresce.
Mas por que escutar se tornou tão difícil? A resposta pode estar na vaidade e na velocidade com que vivemos. Queremos ser ouvidos, reconhecidos, validados. Falamos mais para nos afirmarmos do que para dialogar. O espaço de escuta é, muitas vezes, interrompido pela ânsia de resposta, pela necessidade de provar um ponto ou simplesmente pelo desconforto com o silêncio. É um reflexo da sociedade contemporânea, onde o tempo se tornou um bem escasso e as interações, superficiais.
Na esfera profissional, a escutatória é um diferencial valioso. Líderes eficazes são aqueles que sabem ouvir suas equipes, compreender demandas, captar nuances emocionais. Na área da saúde, profissionais que desenvolvem a escuta ativa criam laços mais profundos com seus pacientes, permitindo diagnósticos mais precisos e relações de confiança. No ambiente familiar, pais que escutam seus filhos com atenção os ensinam que suas palavras têm valor, fortalecendo o vínculo e promovendo um espaço seguro para o diálogo.
A medicina tradicional chinesa, há séculos, já compreende o valor da escuta como ferramenta de diagnóstico. Um bom terapeuta não apenas ouve as palavras do paciente, mas também observa seus silêncios, sua respiração, sua postura. Muitas vezes, aquilo que não é dito verbalmente revela mais do que longas explicações. O corpo fala, e a escuta sensível permite captar mensagens que passariam despercebidas em uma comunicação apressada.
Fernando Pessoa, poeta que compreendia os mistérios da alma humana, dizia que há algo que se ouve nos interstícios das palavras, no espaço onde o som se dissipa e resta apenas a sensação. Essa percepção sutil é uma das chaves para compreender o outro. Quando ouvimos verdadeiramente, não apenas absorvemos informações, mas nos conectamos de forma mais profunda, criando pontes de significado entre nós e o mundo.
Um grande equívoco é acreditar que escutar é um ato passivo. Pelo contrário, requer esforço, atenção e intenção. Exige que deixemos de lado nossas pré-concepções, que sejamos receptivos ao inesperado. Quando ouvimos com real interesse, permitimos que a conversa se transforme, que novas perspectivas se abram, que um verdadeiro intercâmbio de ideias aconteça.
No entanto, é preciso ressaltar que a escuta verdadeira não é apenas a ausência de fala. Não se trata de esperar pacientemente para que o outro termine sua frase e, em seguida, despejar nosso pensamento sem considerar o que foi dito. A escutatória implica interação, questionamentos genuínos, demonstrações de compreensão. Um olhar atento, uma inclinação sutil do corpo, uma interjeição precisa no momento adequado – tudo isso faz parte da arte de ouvir.
Torna-se evidente, então, que a escutatória não é apenas um complemento à comunicação eficaz, mas sim um pilar fundamental. Imagine o impacto transformador se todos nós praticássemos uma escuta mais profunda. Relações interpessoais seriam mais saudáveis, conflitos seriam reduzidos, o entendimento mútuo se tornaria a base para um convívio mais harmonioso.
Não à toa, nas tradições orientais, a escuta é uma virtude cultivada por aqueles que buscam a sabedoria. No budismo zen, por exemplo, os monges treinam a arte da atenção plena, ouvindo cada som, cada palavra, cada silêncio com total presença. Eles entendem que, ao escutar com profundidade, tocam a essência do outro e, por consequência, a si mesmos.
Se queremos realmente aprimorar nossa comunicação e fortalecer nossos laços, talvez seja hora de mudar o foco. Que tal, ao invés de buscar ser um grande orador, tornar-se um excelente ouvinte? Que tal exercitar o silêncio interno para que as vozes externas sejam mais compreendidas? Talvez nunca existam cursos populares de escutatória, mas cada conversa pode se tornar uma sala de aula, cada interação, uma oportunidade de aprendizado.
Na próxima vez que alguém lhe dirigir a palavra, experimente ouvir com mais atenção. Resista à tentação de formular sua resposta enquanto o outro fala. Absorva cada frase, cada pausa, cada inflexão. Ao final, em vez de responder automaticamente, reflita por um momento. Você pode se surpreender com o que descobrirá – sobre o outro e sobre si mesmo.
Falar, todo mundo fala: a arte perdida de ouvir. Por Cristiane Sanchez

Enfermeira, Dra em Saúde do Adulto, especialista em acupuntura e estética.
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