Todo poder deve ser fiscalizado e controlado por outro. Cuida-se do que a doutrina chama de sistema de freios e contrapesos, que existe em qualquer estado democrático de direito.
Contudo, no Brasil, que sempre está na contramão da história, não é bem assim.
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, responsável pela guarda da Constituição Federal, na prática, até os dias atuais, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1.988, não se submete a nenhum tipo de controle interno ou externo.
Quando me refiro ao Pretório Excelso, falo especificamente de seus ministros, uma vez que as contas da Corte são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União.
Os ministros não se submetem à fiscalização e controle do Conselho Nacional de Justiça e nem de uma corregedoria interna.
Em tese, o controle externo da Corte deveria ser realizado pelo Senado Federal.
No entanto, vimos o que ocorreu no apagar das luzes do mandato do senador Davi Alcolumbre como presidente da Casa. Simplesmente, de forma arbitrária e absolutamente ilegal, arquivou todos os pedidos de impeachment apresentados contra alguns ministros do STF.E, até o presente momento, não se tem notícia de que um processo de impeachment tenha sido instaurado contra um ministro da Suprema Corte, malgrado haja diversos pedidos apresentados.
A Lei nº 1.079/1950 e a própria Carta Magna (art. 85) trazem os diversos casos em que haverá crime de responsabilidade cometido por um ministro do STF, que dará ensejo a um processo de impeachment, a ser julgado pelo Senado Federal (art. 52, II, da CF), o que parece ser impossível de ocorrer pelos mais variados motivos.
Vou dar um exemplo muito simples e de conhecimento de todos.Quando é arguida a suspeição de um deles em um dado processo sabemos que a questão dificilmente é colocada em pauta para julgamento ou sempre é afastada. E o motivo é bem simples: se for reconhecida a suspeição deverá ser instaurado processo de impeachment perante o Senado Federal (art. 39, 2, da Lei n.º 1.079/1950).
Suspeição é o estado de espírito do magistrado que o impede de julgar de forma isenta por estabelecer relação subjetiva (pessoal) com uma das partes (ou seus advogados).
Em casos criminais, quem traz as hipóteses de suspeição é o Código de Processo Penal. Diz o artigo 254, inciso I, deste diploma legal, que é causa de suspeição, dentre outras hipóteses, ser o juiz amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes.
No que tange ao processo civil, que engloba ações por atos de improbidade administrativa, também é considerado suspeito o juiz que for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes ou de seus advogados (art. 145, inciso I, do CPC).
Basta, dessa forma, que o magistrado, podendo ser juiz, desembargador ou ministro dos tribunais superiores, profira decisão em quaisquer dessas situações.
Não é suficiente, porém, a simples amizade ou relação de coleguismo de trabalho, ou a ocorrência de alguma rusga, mas que a amizade seja estreita e que a inimizade seja manifesta, severa.
Essa relação subjetiva impeditiva de julgamento imparcial, nem sempre admitida pelo magistrado, pode ser demonstrada objetivamente por meio de prova documental ou testemunhal. As mais comuns são a frequência à casa de uma das partes, constantes telefonemas sem relação profissional, defesas públicas de tese que lhe seja favorável ou desfavorável com o propósito de beneficiá-la ou prejudicá-la, atritos anteriores sérios, dentre outras.
Anoto que não é exigida decisão judicial anterior que declare a suspeição para que se configure o crime de responsabilidade. A infração se consuma com o desrespeito às normas processuais (e não decisão judicial) que impeçam o ministro de decidir quando a causa envolver pessoa (ou advogado) com a qual mantenha amizade íntima ou dela seja inimigo capital.
Com efeito, no caso de indícios da ocorrência de quaisquer um desses casos, pode ser pleiteado o impedimento (impeachment) de ministro do STF, cujo procedimento é regido pela Lei nº 1.079/1950.
Contudo, quando o pedido é apresentado ao Senado, é arquivado por seu presidente e sequer apreciado pela Mesa, como deveria ser, nos exatos termos do que dispõe o artigo 44 da Lei nº 1.079/1950.
A Mesa do Senado é composta, não apenas pelo presidente da Casa, mas também por dois Vice-presidentes e quatro secretários (art. 46 do RI do Senado).
Assim, a Mesa do Senado não é um órgão unipessoal, mas colegiado, responsável por deliberações conjuntas, dentre elas a de recebimento e análise de pedidos de impeachment formulados contra ministros da Suprema Corte e Procurador-geral da República, conforme o disposto no artigo 44 da Lei nº 1.079/1950.
Não está enumerada entre as diversas e importantes funções da presidência do Senado o arquivamento dos pedidos de impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 48 do RI do Senado). Não há nenhuma norma que dê suporte a esse proceder. Aliás, o inciso XXXIII do dispositivo diz expressamente que o presidente deverá resolver, ouvido o plenário, qualquer caso não previsto no regimento.
A própria Lei nº 1.079/1950, que não pode ser contrariada por normas internas do Senado, por ser superior hierarquicamente, no seu artigo 48, dispõe: “Se o Senado resolver que a denúncia não deve constituir objeto de deliberação, serão os papeis arquivados”. Essa decisão do Senado, e não do seu presidente, será tomada após a deliberação de uma comissão especial eleita para opinar sobre o pedido. No caso de ser decidido pela instauração do processo de impeachment, a Mesa remeterá cópia das peças ao denunciado para responder à acusação, que seguirá o trâmite previsto nos artigos 58 e seguintes, exceto quanto aos crimes descritos no artigo 10 praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e Procurador-geral da República, que observarão o procedimento trazido na Lei nº 8.038/1990, que cuida dos processos de competência originária dos Tribunais Superiores.
Quando se trata de suspeita da prática de crime comum, para ser instaurada investigação pela Procuradoria Geral da República ou pela Polícia Federal contra um ministro do STF, faz-se necessária prévia autorização da Corte, que poderá trancar qualquer uma que seja iniciada sem a sua aquiescência.
No campo correcional, isto é, pela prática de infrações funcionais, em tese, os próprios ministros são responsáveis por corrigir uns aos outros, que, como é fato notório, não ocorre. Assim, não há controle interno por meio de uma corregedoria.
O STF é o único Órgão existente no Brasil que não se submete, na prática, a nenhum tipo de controle externo e, por isso, muitas vezes a conduta dos ministros é questionada e, como sabemos, sem que ocorra a devida apuração dos fatos.
É certo que, na maioria das vezes, não era mesmo o caso de ser instaurada uma investigação. Mas, em muitas outras, pelo menos no campo disciplinar, seria necessária dar uma resposta efetiva para a sociedade a fim de que não paire nenhuma dúvida a respeito da lisura de determinado ato.
Por outro lado, os ministros devem ser protegidos contra as pressões externas, uma vez que suas decisões podem influenciar na vida dos brasileiros e no destino da nação. No entanto, não é bom para a democracia que exista um órgão que não seja controlado externamente.
Os demais magistrados brasileiros são fiscalizados e seus respectivos tribunais controlados administrativamente por órgãos internos e pelo Conselho Nacional de Justiça, que, com todas as críticas que podem ser feitas, bem ou mal, exerce algum tipo de controle disciplinar no tocante à conduta funcional dos Magistrados. O que vale para todos os demais Tribunais, inclusive para o Ministério Público, teria de ocorrer também para o STF, que deveria ter a conduta de seus membros fiscalizada, mesmo que em situações excepcionais.
E como solucionar essa questão?
Há algumas hipóteses.
Uma delas e a mais plausível, que não demanda alteração constitucional, é que o presidente do Senado Federal cumpra suas funções e apresente o pedido de instauração de processo de impeachment para a mesa diretora da Casa deliberar, como, aliás, determina a legislação. Neste caso, depende apenas de vontade política e escolha dos próprios integrantes do Senado de quem assumirá o cargo de presidente.
Outra hipótese seria que as condutas dos ministros da Corte fossem analisadas pelo Conselho Nacional de Justiça, como ocorre com os demais membros do Poder Judiciário. Neste caso, há um problema de hierarquia, posto que as decisões do Conselho Nacional de Justiça são revistas pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Isto implica que, na prática, pode haver corporativismo e consequente óbice para a instauração da investigação ou que o resultado dela e de eventual processo administrativo sejam sempre reformados. Já há, aliás, decisão do STF no sentido de que a conduta de seus membros não pode ser analisada pelo CNJ, uma vez que à Corte cabe rever os atos daquele órgão.
A última hipótese seria a criação por meio de emenda constitucional de um órgão independente para analisar a conduta dos membros da Excelsa Corte. Uma espécie de tribunal composto por representantes das Casas Legislativas, Poder Judiciário, Ministério Público, OAB e sociedade civil com a competência de analisar pedidos de investigação e julgar as condutas imputadas aos ministros do STF em todas as esferas, afastando, dessa forma, o corporativismo, que, infelizmente, pode ocorrer, de modo que um proteja o outro.
O que não é possível é existir um órgão que não tenha a conduta de seus membros fiscalizada externamente, uma vez que o controle que poderia ser exercido pelo Senado Federal, que é um controle político, muito dificilmente advirá, até porque, muitas vezes, depende da apuração dos fatos pela Procuradoria Geral da República ou pela Polícia Federal, que somente ocorrerá com a autorização do próprio Supremo Tribunal Federal.