O Conselho Nacional de Justiça, considerando a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, lançou o Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras, conhecido como “Pena Justa”.
Na aludida ação o Supremo Tribunal Federal reconheceu “a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro. Com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o Tribunal deu prazo de seis meses para que o governo federal elabore um plano de intervenção para resolver a situação, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena”.
Trocando em miúdos, reconheceu a Excelsa Corte que ocorrem constantemente violações de direitos humanos nas unidades prisionais, que apresentam diversas condições que não atendem ao mínimo necessário para que o preso seja tratado com dignidade, tais como precariedade de infraestrutura, higiene e alimentação, atendimento insuficiente em saúde, superlotação, insuficiência na gestão processual das pessoas apenadas e relatos de tortura e maus tratos.
Confesso que dá medo do que pode sair deste programa, considerando o histórico de seus idealizadores.
Não defendo de maneira nenhuma que qualquer sentenciado seja tratado de forma desumana ou degradante nas prisões, mas, do mesmo modo, não posso concordar que sob esse pretexto presos sejam colocados em liberdade sem que ainda estejam em condições de retornar ao convívio social, pondo em risco ou mesmo ferindo os direitos humanos dos membros da sociedade ordeira.
Não desconheço que a Constituição Federal veda expressamente as penas cruéis e que diplomas internacionais são no mesmo sentido.
Contudo, direitos por direitos, devem prevalecer os dos honestos e não dos marginais, que foram presos por cometerem crimes graves ou por teimarem em delinquir. Só assim para ser preso no Brasil em razão da legislação extremamente leniente com os criminosos. A sociedade também tem o direito à segurança para preservação de bens jurídicos constitucionalmente previstos de suma importância, como a vida, saúde, tranquilidade, propriedade, dentre vários outros.
Será que não bastam os marginais que já se encontram soltos e não foram localizados ou identificados e ainda a sociedade terá de arcar com o descaso e negligência estatal em não tratar adequadamente o problema da superpopulação carcerária e o estado catastrófico de algumas unidades prisionais?
O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. A quantidade de homicídios nos últimos anos supera em muito a de mortos em países que estão em guerra interna. Além disso, o tráfico de drogas corre livre, leve o solto. Assaltos a bancos em cidades do interior de São Paulo e de outras cidades do Brasil com o emprego de táticas de guerrilha e armamento pesado, explosivos e drones têm se tornado constantes. Isso sem falar nos pequenos crimes, como furtos de celulares e automóveis, estelionatos e falsidades que trazem forte tormento e prejuízo para a população.
E, ainda assim, prejudica-se milhões de pessoas para que algumas que cometeram crimes, a maioria graves, sejam beneficiadas com a aplicação de enormidade de benefícios que podem reduzir sensivelmente o tempo de permanência na prisão (remição, comutação, progressão de regime, livramento condicional e indulto) de forma a constituir em punição inadequada e insuficiente.
Quando o direito penal é ineficaz, não alcançando algumas pessoas pelos mais variados motivos ou as punindo de forma muito branda, desproporcional à gravidade do crime cometido, faz com que o sistema se desestabilize e as pessoas percam a confiança nele, além de os marginais sentirem-se à vontade para cometer os mais variados delitos por contarem com a impunidade, seja por sua não identificação ou mesmo, caso processados e condenados, pela punição pífia de modo a não lhes desencorajar.
A finalidade do direito penal moderno é a aplicação de uma sanção, que não existe por si mesma. Ela deve possuir uma finalidade sem o que é ineficiente e despropositada.
A pena, por sua própria natureza, é retributiva, uma vez que impõe algum tipo de expiação para aquele que a cumpre, mas sempre dentro dos limites da legalidade. Também se busca a justiça com a aplicação da reprimenda. Passa-se à sociedade a notícia e a impressão de que houve a correta aplicação da lei e a justiça foi feita no caso concreto. É um efeito muito mais psicológico e simbólico do que efetivo, mas que pode trazer pacificação social.
Também é finalidade da pena a prevenção geral. Procura-se com sua aplicação mostrar para a sociedade que o crime não compensa. Que aquele que cometer algum tipo de infração penal será punido, não estando imune à justiça.
A prevenção especial é outra finalidade da pena. Ela retira o criminoso do convívio social e busca reeducá-lo para que possa voltar a conviver em sociedade. Insere-se dentro da prevenção especial a função ressocializadora da pena, sendo o principal objetivo almejado pela Lei de Execução Penal.
No que concerne àqueles em que não se faz possível a ressocialização, normalmente criminosos contumazes, remanesce na prevenção especial a finalidade de evitar a reiteração criminosa e preservar a segurança da coletividade. É uma maneira de pacificar a sociedade retirando de seu convívio por algum tempo quem cometeu infração penal.
Quando o direito penal é frouxo e a pena não pune adequadamente e nem previne infrações penais, por mais que se diga o contrário, a tendência é o aumento da criminalidade. Punição inadequada incentiva a prática de outros delitos, tanto por quem o praticou quanto por aquele que não a teme por ser branda demais. Isso vale para todas as espécies de crimes, notadamente aqueles que “dão lucro”, como delitos patrimoniais (furto, roubo, estelionato, receptação, dentre outros), tráfico de drogas, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.
O fato de o sistema prisional estar colapsado e ter unidades penais em que a permanência é desumana não pode ser subterfúgio para não se punir adequadamente e nem para soltar antes do tempo aquele sentenciado que ainda não está pronto para retornar ao convívio social. As pessoas de bem não podem prejudicadas pelo descaso estatal, que não constrói estabelecimentos prisionais e nem reforma os que estão em situação ruim.
A pena privativa de liberdade, mesmo que seja medida severa, deve ser aplicada quando for necessária e adequada para a retribuição e a prevenção geral e especial (princípio da proporcionalidade), reservando-se para os demais casos as penas restritivas de direitos, que são eficazes quando bem executadas e fiscalizadas.
Foge à razoabilidade colocar em risco a segurança da sociedade com a libertação de marginais, como não bastassem os já existentes, que foram prematuramente soltos.
A solução para o problema deve passar pelo plano político com a construção de novas unidades prisionais e reformas das existentes, e não simplesmente adotar o método mais simples que constantemente é aplicado, isto é, a flexibilização do direito penal e a soltura de marginais, que ainda não se encontram em condições de retornar para o seio da sociedade.
E podem ter a plena certeza de que toda vez que se fala em aplicar a pena de forma justa, no caso de não existirem unidades prisionais condizentes com a dignidade que toda pessoa merece, incluindo os presos, a solução dada será cumprir a pena em casa em prisão albergue domiciliar ou ser convertida em restritivas de direitos, como a prestação de serviços à comunidade, limitação de final de semana e prestação pecuniária.
E não demorará para quererem implementar o sonho de inúmeros operadores do direito. Só prender o marginal quando houver vaga disponível dentro da lotação da unidade prisional. Assim, v.g, para prender o homicida, terá de ser solto outro preso, como um traficante, assaltante, estuprador e outros do gênero. Só entrará um condenado se a unidade prisional estiver com vaga disponível. Do contrário, um terá de sair, mesmo que ainda não tenha direito ao benefício, para que outro entre. E o que sair ou o que não entrar cumprirá a pena em sua casa e sem nenhuma fiscalização, em regra, porque não há tornozeleira eletrônica para todos. Não é piada. Já tentaram isso várias vezes e ainda não desistiram.
Sem contar que poderão não mais impor pena de prisão a diversos crimes tidos pelos Tribunais Superiores como de média ou pequena gravidade, como o tráfico de drogas, que já é tratado como furto de galinha não raras vezes, como cansei de escrever em diversos artigos.
Enfim, não sei exatamente o que esperar desse programa, mas afrouxar a punição pelo fato de o sistema prisional estar colapsado, irá aumentar ainda mais o cometimento de delitos por trazer para a sociedade condenados que ainda não se encontram em condições de deixar o sistema prisional.