Está marcado para a próxima quinta-feira, dia 03 de abril, a finalização do julgamento no STF da ação que questiona a constitucionalidade das revistas íntimas realizadas nos visitantes das unidades prisionais.
O tema é controvertido e impacta diretamente na segurança dos presídios, posto que neles ingressam celulares, drogas e armas, objetos estes proibidos e que causam enormes problemas para a ordem e a disciplina nas unidades, alicerces do sistema prisional, vez que diretamente ligados à segurança dos próprios detentos e dos funcionários públicos que lá trabalham.
O ministro Edson Fachin votou pela inconstitucionalidade, em qualquer hipótese, da chamada “revista íntima” nas unidades prisionais, mostrando, novamente, desconhecimento de como normas constitucionais devem ser interpretadas, principalmente quanto à inexistência de direitos absolutos. Nem mesmo o direito à vida é absoluto, podendo ser violado em algumas hipóteses, como o estado de necessidade e a legítima defesa, quanto mais o direito à intimidade, que perde espaço para outros direitos de superior valia, como a segurança e a vida dos funcionários ou mesmo presos de uma unidade prisional. Propôs, assim, o DD ministro que o plenário da Corte fixe a seguinte tese: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos” (ARE 959620/RS). Tal voto foi acompanhado por alguns ministros da Corte.
Foi aberta divergência pelo ministro Alexandre de Moraes, que reconhecia parcialmente a inconstitucionalidade, sugerindo a seguinte tese: “A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos, nas hipóteses de exames invasivos”. “O excesso ou abuso na realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita”.
Ocorre que foi pedido destaque e o julgamento foi retomado no plenário físico, mantendo cada um dos dois ministros o seu voto proferido no plenário virtual.
Em poucas palavras, vou explicar a incorreção do voto do relator.
O preso não perde o contato com o mundo exterior, que é apenas restringido.
O contato com os familiares deve ser preservado e estimulado, como, aliás, previsto nas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso: “Será prestada especial atenção à manutenção e melhora das relações entre o preso e sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos” (Regra 79).
Assim, é direito do preso manter esse contato, seja com amigos ou com familiares.
No entanto, tal direito não é absoluto, até porque todo direito, por mais importante que seja, é relativo. Para a preservação da segurança da unidade prisional as visitas são realizadas em dias e horários certos e tomadas as medidas necessárias para que sejam obstadas as entradas de objetos proibidos, como armas, celulares, drogas, dentre outros.
Para impedir o indevido acesso desses objetos é necessária a realização de revistas, que não podem invadir a esfera de intimidade dos visitantes. Com efeito, a prática usualmente adotada de o visitante ser obrigado a despir-se e agachar-se para verificar se não está escondendo algum objeto afronta o direito à intimidade e a própria dignidade humana, sendo ato vexatório e abusivo.
Contudo, não havendo outros meios adequados para que sejam interceptados objetos ilícitos ou proibidos, tem-se admitido a revista íntima no interesse da segurança do estabelecimento penal, uma vez que não existem direitos absolutos e a intimidade da pessoa não pode servir de escudo para a prática de ilícitos.
A revista íntima encontra fundamento legal nos artigos 240 e 244 do Código de Processo Penal, que regulam a busca pessoal (revista) e não diferenciam a superficial da minuciosa. Também é fundamento para a revista íntima o disposto no art. 144, caput, da Constituição Federal, que diz ser dever do Estado a preservação da segurança, que igualmente é de responsabilidade de todos.
Com efeito, não havendo scanner corporal ou outra forma de impedir a introdução de objetos proibidos na unidade prisional, como drogas, celulares ou mesmo armas de fogo, aplicado o princípio da proporcionalidade, é possível a revista íntima ou a proibição da entrada no estabelecimento penal de quem se negar à sua realização.
Resumidamente, na ausência de scanner corporal ou outro instrumento similar só será permitida a visita daquele(a) que consentir com a revista pessoal íntima; do contrário, no interesse da segurança da unidade prisional, nela o visitante não poderá ingressar.
Do mesmo modo, não sendo possível apurar o delito de outro modo e para que não seja incentivado o tráfico de drogas e o ingresso de outros instrumentos proibidos nas unidades prisionais que não possuam scanner corporal ou outro instrumento similar e adequado, a prova produzida nessas hipóteses deverá ser admitida, não sendo, portanto, ilícita.
Não é possível a quem quer que seja se valer de um direito constitucional legítimo para a prática de crimes, ou seja, no caso de apreensão de droga, arma de fogo ou celular na posse do visitante, o que caracteriza infração penal, não pode ele arguir a ilicitude da prova por ter sido violada sua intimidade em razão da revista íntima nas unidades prisionais que não possuem scanner corporal.
As regras que se pretende impor poderiam funcionar em algum país desenvolvido em que a criminalidade é mínima e é possível a aquisição de caros instrumentos, que possam substituir as revistas íntimas sem que implique óbice para a aquisição de outros produtos tão ou mais importantes, como medicamentos e mesmo alimentos para a população mais carente.
O que espera a sociedade é a lucidez na decisão para que a situação nas unidades prisionais, que já é caótica no quesito segurança em muitos Estados, não piore e leve, inclusive, à quebra da segurança, com resultados imprevisíveis.