Vocês já repararam que os comentaristas de economia da imprensa tradicional adoram ouvir “especialistas do mercado” para respaldar suas opiniões? Às vezes citam um ou outro, mas, no geral, são as famosas “fontes” ocultas. Afirmam sem pestanejar: “Conversei com um especialista…”.
Mas, dá para perceber que nem tão ocultas são essas fontes porque o que os “especialistas do mercado” dizem coincide exatamente com aquilo que os comentaristas pensam, resultando num processo de retroalimentação das mesmas ideias.
E isso é muito grave quando falamos de liberdade de imprensa porque o direito consagrado na Constituição Federal é muito mais amplo do que a garantia da livre expressão individual de opinião. Em primeiro lugar, um jornalista deve obediência aos princípios da ética, da honestidade intelectual e da busca da verdade com base nos fatos.
E o que fazem esses comentaristas econômicos? Estão alinhados com uma única forma de enxergar a economia, ditada pelo…mercado. Para eles não existem outros pontos de vista, outras teorias e práticas. O que está dado, está dado. Não há questionamento e muito menos reflexão crítica que envolva novas possibilidades. E olha que elas existem. Basta pesquisar os estudos de acadêmicos reconhecidos internacionalmente. Não custaria lembrar de Celso Furtado, por exemplo.
Amarrados a uma visão neoliberal, criticaram o programa de reindustrialização do Brasil, lançado pelo governo federal com uma estimativa de investimento de 300 bilhões de reais até 2033. Dizem que é um programa antigo, cuja ineficácia foi comprovada em gestões petistas passadas, escondendo tragédias de administrações recentes.
Esquecem esses comentaristas que a participação da indústria no PIB é essencial para o desenvolvimento de um país. Sem modernização do parque industrial e sem prioridade em áreas estratégicas com o suporte da ciência e tecnologia, não haverá competitividade e inserção internacional.
A queda da participação da indústria no PIB brasileiro é uma realidade inquestionável que vem se agravando desde a década de 1990. Não fosse o agronegócio, cujos ingressos salvam nossa balança comercial, e o nosso país não ocuparia atualmente a nona posição entre as principais economias do mundo.
Outro exemplo do apego cego desses comentaristas à cantilena neoliberal ultrapassa, inclusive, o bom senso. A vítima da vez agora é o ex-ministro Guido Mantega, cuja indicação para assumir a presidência da Vale virou “escândalo” na boca de quem ainda vive do espólio da operação Lava Jato.
O fato do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ter intercedido por Mantega junto a alguns acionistas, supostamente a pedido do presidente Lula, gerou “mal-estar” no mercado, provocando o risco de desvalorização das ações da empresa e do dólar.
Curiosamente, no mesmo momento que desabam críticas à possibilidade de Guido Mantega ser presidente da Vale, se completam cinco anos do rompimento da barragem do córrego Saco do Feijão, em Brumadinho, que deixou mais de 270 mortos e cujas indenizações aos familiares ainda seguem sem solução na Justiça. Nem um único executivo da Vale foi preso por um acidente tão grave.
Mas, para os comentaristas econômicos, o pior mesmo é Mantega vir a presidir a Vale…Qual é o motivo? Não dizem, talvez por vergonha de terem que assumir que o ministro da Fazenda mais longevo da história republicana brasileira tenha sido absolvido de todas as acusações que a ele foram imputadas pela tropa de choque comandada pelo ex-juiz e atual ex-senador em exercício, Sergio Moro. Foram acusações que mereceram páginas e páginas dos jornais e imagens de TVs, sem direito a uma defesa justa e proporcional, o que maculou a reputação pessoal do ex-ministro.
Cada vez mais me convenço, lembrando Darcy Ribeiro, que o nosso destino é ser um país desigual, onde a ignorância faz parte de um projeto de poder daqueles que efetivamente mandam na economia. O lamentável é ver como alguns colegas se deixam levar por uma ideologia que já provou sua inviabilidade social e ambiental e se transformam em meros ventríloquos dos “especialistas do mercado”.
Prof. Marco Piva é jornalista e apresentador do programa Brasil Latino, na Rádio USP. Pesquisador do Centro de Estudos Latino-americanos de Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (CELACC/USP).