Eu não sei, doutor, se eu poderia sentar no teu divã pra desabafar contra os meus próprios fantasmas. Mas vou arriscar. Ou seriam os personagens reais que me incomodam? Não precisa responder. Juro: estou mentalmente confuso. Um help ao psicólogo resolveria meus conflitos no labirinto das contradições? Não me diga nada. Vamos ver se o senhor consegue me compreender. Então, relaxe, caríssimo. Também devo me descontrair. Permaneço de olho fechado e de mãos cruzadas no peito? Estico as pernas? Qual é a posição correta?
Tento explicar. O problema não é redigir um artigo que agrade ou desagrade. Meu desafio é o de cravar um tema que não aborde o futebol – a minha praia durante quatro décadas. Depois de tanta rodagem na mesma estrada, confesso, doutor, que cansei de correr atrás de personagens banais. Que – pelo menos na retórica – transmitem superpoderes na ponta da língua. Isso é ludibriar. Não os leve a sério. Direi o quê sobre o planeta bola?
Como já abordei aqui neste espaço, ganham os clubes que mais investem na montagem de milionários elencos. Sim: comentei isso recentemente. Mas vamos lá. Não custa nada lembrar que o teatro da hipocrisia não fecha – repare – as cortinas das falcatruas na frente de uma ingênua plateia. Veja o caso das bets – apostas virtuais que afundam o bolso dos mais pobres. O sonho de riqueza vira pesadelo.
Vou perguntar ao meu editor se posso juntar as próximas colunas pra transformá-las no meu fictício livro que nunca sai do rascunho. Como vivo desconectado e assumidamente distante do mundo real, escreveria minhas próprias memórias no improviso. Seja o que Deus quiser. Te conto mais: antes de resgatar imagens esportivas, talvez eu explore assuntos diversificados. Me aponte o ambiente mais emporcalhado neste país: política ou futebol? Escolha difícil, não é? Infelizmente, doutor, os dois lados exercitam e proliferam reações odiosas. Um ataque aqui, outro rebate acolá. É uma guerra sem fim nos debates eleitorais ou nos duelos dos estádios. Às vezes, até se matam de graça. Ou escorados no bilionário dinheiro da corrupção incorporada à cultura de um país que o então presidente francês Charles de Gaulle (1890-1970) sugeriu que o mundo não levasse a sério. Como apagar uma frase historicamente humilhante?
Algum dia, doutor, o senhor viu campanhas políticas que não sejam iguais a brigas de rua? Era quase impossível até o momento em que a a prefeita eleita em Assis – a carismática Telma Spera – soube como encarar a máquina municipal para se eleger sem uma única ofensa aos adversários. Nem ela nem o vice Alexandre Cachorrão adotaram o estilo do “chute no pau da barraca”. Provaram que o povo gosta do jogo limpo. Ah, um detalhe: se um homem ganha, a mulher dele vira primeira dama. Quanto ao Carlos Daniel Spera – marido da mocinha – como podemos chamá-lo? É a dúvida que intriga nossa comunidade. Falei bobagem, doutor? Agora, vou pensar no meu livro.
Política ou futebol? Direi o quê sobre o planeta bola? Por Nelson Cilo
Jornalista há quatro décadas, cobriu pelo Diário da Noite, Estadão, Folha da Tarde e Gazeta Esportiva e também quatro Copas do Mundo e uma Olimpíada.
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