O instituto da colaboração premiada, também conhecido como delação premiada, foi amplamente empregado na Operação Lava-jato e se mostrou fator decisivo para a apuração do esquema criminoso, que lesou a Petrobrás e tanto prejuízo trouxe para o país.
No entanto, algumas questões foram levantadas, notadamente quanto a possibilidade de pressão sobre os colaboradores, além de questões éticas.
Houve sensível alteração em suas regras pela Lei nº 13.964/2019, que teve o escopo de limitar seu alcance e, ainda, reduzir eventual coerção dos órgãos da persecução penal sobre o provável colaborador.
É certo que sem esse eficiente método de investigação e de produção de provas inúmeros crimes cometidos por organizações criminosas dificilmente serão esclarecidos, posto que a obtenção de prova direta, como testemunhas e documentos, é extremamente difícil, senão impossível em alguns casos. Só com a indicação pelo colaborador de provas a serem perseguidas é que será possível o esclarecimento dos fatos e a punição de crimes cometidos pela organização criminosa, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros de especial gravidade.
E no que consiste este instituto e quais são as suas regras atuais?
Colaboração premiada consiste no benefício concedido ao autor de um delito que colabora voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Nossa legislação prevê várias formas de colaboração ou delação premiada.
Esse eficiente método de obtenção de prova já é aplicado na grande maioria dos países democráticos, mas apenas recentemente passou a figurar em nosso sistema legal. O método é eficaz notadamente na apuração de crimes cometidos em organização ou associação criminosa, pois envolve, na maioria das vezes, número considerável de pessoas.
O crime organizado é um fenômeno mundial e transcende as fronteiras internacionais. Bilhões de dólares frutos dos mais variados crimes são movimentados anualmente por meio de transferências eletrônicas ou “doleiros”, que levam os valores pessoalmente através dos países.
É impossível combater eficazmente o crime organizado sem instrumentos modernos de investigação.
A ideia é muito simples: são oferecidas vantagens processuais a uma pessoa investigada ou acusada da prática de crime em troca de informações que levem aos demais integrantes da organização ou associação criminosa, esclarecimentos de crimes, recuperação de bens e valores, prevenção de novas infrações penais e localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Ao colaborador poderá o juiz, homologado o acordo, conceder vários benefícios legais.
Por outro lado, há necessidade de se tomar muito cuidado na aplicação deste instituto para que não seja instrumento de constrangimento ilegal e até mesmo de tortura, que podem ocorrer quando se prende ou ameaça de prisão uma pessoa acusada ou investigada por determinado delito, a fim de que coercitivamente realize a colaboração premiada.
Muito se tem falado acerca da nulidade da delação premiada do Ten. Cel. Mauro Cid e que isso impactaria na ação penal movida contra o ex-presidente Bolsonaro e outras pessoas pelo suposto planejamento de um golpe de estado, que, segundo a acusação, teria eclodido nos atos de 8 de janeiro.
Realmente, aquele que mente na delação premiada sobre um fato pode ter mentido sobre outros, o que enfraquece sobremaneira as declarações prestadas.
No entanto, o efeito jurídico não é tão abrangente com a sua anulação, como explicarei de forma bem resumida.
É possível às partes se retratarem da proposta de acordo de delação ou colaboração premiada, ocasião em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser empregadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10, da Lei 12.850/2013). Isso pode ocorrer quando as partes se arrependem do acordado por algum motivo.
Nesta hipótese, a prova colecionada produzida pelo colaborador poderá ser empregada contra outras pessoas, mas não contra ele. Como a colaboração é um ato jurídico bilateral, um acordo de vontades, é possível a retratação, que é ato lícito e, por isso, as provas trazidas pelo colaborador não podem prejudicá-lo, mas, certamente, podem ser empregadas em seu favor, visto que por ele produzidas.
Como a retratação implica arrependimento, é possível até a homologação judicial do acordo de colaboração premiada. Note-se, aliás, que a norma diz que as partes podem se retratar da proposta e não do acordo.
Após a homologação judicial do acordo de colaboração premiada, havendo descumprimento das obrigações nele estabelecidas, poderá ser requerida pelo Membro do Ministério Público sua rescisão, que será apreciada pelo Magistrado, após estabelecido o contraditório e a ampla defesa em procedimento próprio (art. 4º, § 17, da Lei 12.850/2013).
Neste caso, demonstrada ação ou omissão dolosa do colaborador sobre os fatos objetos da colaboração, além de possibilitar a rescisão do acordo, as provas produzidas poderão ser empregadas também em seu desfavor, posto que não se trata de retratação, mas de rescisão do pactuado pelo descumprimento das condições impostas. Não é dado ao colaborador se beneficiar da própria torpeza.
Com efeito, no caso de rescisão do acordo de colaboração premiada por culpa do colaborador, as provas apresentadas e sua confissão poderão ser empregadas contra ele e os delatados.
Obviamente, não basta delatar, há necessidade de que os fatos trazidos pelo delator sejam corroborados por outros meios de prova. Só a colaboração, isoladamente, sem nenhuma outra prova que confirme os fatos trazidos pelo delator, não serve nem para justificar o recebimento da denúncia e muito menos para levar a uma condenação.
Enfim, malgrado seja um eficaz método de investigação, seus requisitos devem ser plenamente observados, notadamente a voluntariedade da colaboração, sem a qual o acordo é nulo e as provas devem ser descartadas, vez que derivadas de uma prova obtida por meio ilícito.
Quer saber muito mais sobre o tema, vide:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/colaboracao-premiadaea-voluntariedade/3080915611