O direito penal brasileiro adota a teoria finalista da ação.
Essa teoria foi criada por Hans Welzel, na Alemanha, nos idos de 1931. Para essa teoria, a conduta é uma atividade final humana. Toda ação visa a um determinado resultado. O que importa é o fim a que se destinou a ação ou a omissão e o desvalor destas e não o resultado.
A teoria finalista da ação parte do pressuposto de que toda conduta humana tem um fim. Não se concebe uma ação sem finalidade. Quando o ser humano age ele sabe o que está fazendo e qual será a consequência da sua conduta. Não se pode analisar e valorar apenas o resultado para mensurar a sua gravidade. Aquele que por acidente atropela e mata alguém não pratica ação típica semelhante daquele que causa o resultado morte voluntariamente.
Do mesmo modo, aquele que mata por motivo de relevante valor social comete conduta diferente do que mata por vingança. Muito embora o resultado seja o mesmo (morte), a finalidade da conduta foi diversa. Por isso, a importância de se aferir o desvalor da conduta e não apenas a gravidade do resultado.
O dolo está inserido na conduta, que é o primeiro elemento do fato típico, sendo considerado elemento subjetivo do tipo. A culpa também está inserida na conduta, sendo elemento normativo do tipo. Assim, a conduta pode ser dolosa ou culposa. Ausente o dolo ou a culpa, o fato é atípico e, via de consequência, não terá ocorrido delito. Isso porque não há como separar dolo e culpa da própria conduta.
Com efeito, no crime doloso, o agente quer concretizar os elementos definidores do tipo penal ou assume o risco de produzir o resultado. Sua atividade é voltada para esse fim e ele quer ou assume o risco de que ele ocorra.
Por outro lado, no crime culposo, embora o agente não queira o resultado, ele responde por ter praticado uma conduta sem observar o dever objetivo de cuidado e causado um resultado naturalístico.
Se o agente efetua disparo de arma de fogo e mata alguém, deverá ser verificada qual foi a sua intenção para, após, capitular a conduta. Isso porque, ao disparar a arma, o sujeito pode ter querido apenas assustar a vítima, mas errou o alvo; pode ter querido matar ou apenas lesionar; pode ter atirado em uma pessoa e acertado outra por erro na pontaria ou de representação; ou mesmo pode ter simplesmente atirado para qualquer lugar inadvertidamente e acertado a vítima sem ter a intenção.
Com isso quero dizer que a denúncia, peça inicial da ação penal pública, deve ser clara e imputar fatos e individualizar a conduta de cada denunciado, de tal modo que saiba exatamente do que está sendo acusado. Do contrário, a denúncia é inepta por não propiciar o direito de defesa, já que o acusado se defende dos fatos imputados; se não sabe quais são, não tem como se defender e eventual sentença condenatória é nula.
Pretender empregar a teoria dos crimes multitudinários para justificar a ausência de individualização da conduta a fim de punir a todos (de baciada), pouco importando a conduta praticada, ou ausência dela, fere o devido processo legal e o direito penal constitucional.
O crime multitudinário é o cometido pela multidão em tumulto, isto é, pela turba muitas vezes enfurecida, o que é comum nos linchamentos e nas brigas entre torcidas.
Contudo, só será possível condenar a turba pelo mesmo crime quando houver o vínculo psicológico entre os participantes para a prática desse mesmo delito, malgrado algumas pessoas tenham efetivamente realizado os atos executórios (coautores) e outras apenas dele participado, seja induzindo, instigando ou auxiliando materialmente os autores (partícipes), nos exatos termos do que diz o artigo 29 do Código Penal.
Em casos desse tipo, não sendo materialmente possível individualizar a conduta de cada um, como pretenderam o mesmo resultado, a denúncia pode apenas descrever o fato principal e imputar a todos os participantes (coautores e partícipes) o mesmo resultado (naturalístico ou jurídico).
Por outro lado, mesmo em linchamentos e brigas entre torcidas, ou seja, nos crimes multitudinários em geral, há aqueles que efetivamente quiseram o resultado morte ao agredirem a vítima ou vítimas (dolo direto); que, muito embora não quisessem o resultado, assumiram o risco que ele ocorresse (dolo eventual); que queriam apenas agredir e causar lesões corporais, mas o resultado morte adveio por sua culpa (crime preterdoloso – lesões corporais seguida de morte); que queriam apenas agredir e causar ferimentos (lesões corporais); que incentivaram os demais a causar determinado resultado (responderão de acordo com sua intenção e resultado produzido). E há, ainda, aqueles que nada fizeram e nada quiseram, muitas vezes estando apenas no local, tentando separar a turba ou para impedir que o resultado se produzisse; neste caso, sequer crime há, pelo contrário.
Trocando em miúdos, sem saber a intenção do sujeito (dolo) ele não pode ser condenado somente pelo resultado produzido. E não se pode condenar a todos pelo mesmo crime sem apurar a intenção de cada um, mesmo que o resultado produzido seja o mesmo. Isso é básico em direito penal e ensinado logo no início do curso de direito.
Nossa Carta Constitucional e o Código de Processo Penal trazem princípios e regras constitucionais para proteger o cidadão contra o arbítrio estatal, que não raras vezes mostra seus dentes e persegue desafetos pelos mais variados motivos.
Por isso, em um verdadeiro estado democrático de direito, todos devem ser tratados da mesma maneira e os princípios e regras constitucionais e legais devem ser sempre observados; do contrário, não se trata de democracia, mas de tirania.
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