No campo da saúde mental, o vitimismo é uma postura psíquica que merece atenção. Não se trata apenas de pessoas que reclamam demais ou que dramatizam situações do cotidiano. Vitimizar-se, na verdade, é um mecanismo psicológico de defesa muitas vezes inconsciente que impede o sujeito de assumir responsabilidade pelas próprias escolhas, atitudes e reações diante da vida.
Quem adota essa posição tende a ver o mundo como injusto, as relações como ameaçadoras e o outro como responsável direto pelo seu sofrimento. Assim, permanece em um ciclo de dor, estagnação e frustração que, com o tempo, pode gerar sintomas de ansiedade, isolamento e até quadros depressivos.
O que é o vitimismo, afinal?
O vitimismo não é uma invenção ou fingimento. Muitas vezes, quem se coloca constantemente como vítima acredita sinceramente que está sendo injustiçado, que não tem saída, que tudo está contra ele. Mas o problema não está em sentir dor e sim em se prender a ela como se fosse a única possibilidade.
Na prática clínica, observamos que o sujeito que se identifica com a posição de vítima frequentemente repete narrativas de abandono, injustiça ou rejeição, sem conseguir dar um passo em direção à mudança. Ele culpa o outro, o sistema, a família, as circunstâncias, mas não consegue reconhecer o que pode ser transformado por ele mesmo.
Vitimismo como defesa psíquica
Do ponto de vista psicanalítico, o vitimismo funciona como uma defesa do ego. Ou seja: uma forma de evitar a dor de confrontar traumas, perdas, culpas ou fracassos. Quando a responsabilidade é sempre externa, o sujeito preserva sua autoimagem. Não precisa lidar com as próprias falhas, com o que não deu certo, com o que exige esforço para mudar.
Além disso, muitas pessoas que se vitimizam regredem psiquicamente a um lugar infantil de desamparo esperando que o outro venha resolver, proteger, reparar. É como se esperassem um pai ou uma mãe que cuide da dor que ficou mal elaborada na infância. Nesse cenário, o sujeito adota a postura inconsciente de “quem não pode fazer nada”, e espera que alguém o salve.
O ganho secundário que aprisiona
Vitimizar-se também oferece um ganho secundário: piedade, atenção, justificativas para não agir, controle das relações. Ser visto como frágil pode impedir cobranças e manter a proximidade dos outros. Mas esse “ganho” tem um alto custo: a perda da autonomia, da potência e da capacidade de mudança.
A repetição da queixa não é só uma tentativa de ser ouvido é também uma forma inconsciente de evitar o enfrentamento real da vida. E quem está sempre esperando algo do outro, geralmente, fica impedido de se mover por si mesmo.
A importância da escuta e da responsabilização
Na escuta terapêutica, não julgamos quem se sente vítima. Muito pelo contrário: acolhemos, validamos e ajudamos o sujeito a perceber o que se repete, de onde isso vem e o que é possível transformar.
O processo envolve perguntas que provocam reflexão, como:
“O que você tem feito com o que fizeram com você?”
“O que você repete sem perceber?”
“O que depende do outro e o que já pode depender de você?”
Essas perguntas não têm o intuito de culpar, mas de libertar. Porque sair da posição de vítima não significa negar a dor vivida. Significa reconhecer que, mesmo com tudo o que aconteceu, ainda é possível escolher diferente.
Por que isso é tão importante para a saúde mental?
A repetição do vitimismo ao longo da vida pode se tornar um fator de adoecimento psíquico. Quando a pessoa acredita que não pode nada, que tudo é culpa dos outros ou que nada muda, ela enfraquece sua autoestima, sua autonomia e sua capacidade de construir novos caminhos.
A psicanálise, nesse contexto, não oferece respostas prontas, mas um espaço de escuta, reflexão e elaboração. Um convite a reconhecer os padrões inconscientes que aprisionam e, a partir disso, reconstruir uma nova forma de existir.
Vitimismo paralisa. Mas responsabilizar-se é o primeiro passo para se tornar autor da própria história.
Quem se responsabiliza pela própria vida não nega a dor, mas escolhe não se aprisionar nela.