Eu tinha 11 anos e cai de amores por um moço que tinha 22, prestes a se formar na Faculdade do Largo de São Francisco. As pessoas achavam graça, brincavam comigo, me perguntavam se eu queria casar com ele. Enfim, me zoavam e eu embrabecia: “Eu gosto dele, pronto!”
O moço soube. Também deve ter achado graça naquela menininha sapeca. Mas quando eu tinha 12 anos, um dia foi me buscar no colégio. Por um triz não morri de alegria. Outro dia me convidou para ir ao cinema. Sim, eu parecia uma jovem de 15 anos, mas tinha 12. Até que meu pai não achou graça nenhuma e convocou seu cunhado – marido da irmã da minha mãe e mandou recado: “Fale para seu irmão que não quero saber de namoro com a Regina. É uma criança! Acabou esse namoro!”
Perceberam? O meu namorado era cunhado da tia Alicinha, irmã da mamãe.
Acontece que o moço já tinha me convidado para dançar a valsa com ele no baile da sua formatura na São Francisco. “Que valsa, que nada!” Era meu pai, novamente. “Não vai a baile nenhum!” Chorei que me esbaldei. Pensei em fugir de casa, mas que fugir! Onde eu ia arranjar o vestido de baile se não conhecia nenhuma fada que me ajudasse?
O namoro acabou aí. Namorei um outro moço – aliás, um quase menino, com jeito de menino, ideias de menino, jeito de menino, éramos duas crianças. Aos 18 anos rompemos e não chorei nem senti, acabou-se e pronto (O garoto era um bom menino!)
Acontece que minha prima, sobrinha do primeiro moço contou para o tio: “Titio, a Regina “desmanchou” com o namorado.”
No dia seguinte o moço apareceu lá em casa. Fiquei na maior alegria, só não soltei foguetes porque ia dar muito na vista. E começamos a namorar. Desta vez fui eu que o convidei para dançar a valsa no dia do meu baile de formatura na Cásper Líbero. E dançamos. E foi lindo. E fiquei feliz.
O moço tinha prestado concurso para delegado de Polícia e foi destacado para uma cidade em São Paulo, longe toda a vida. Acho que se chamava Nhandeara. “Falávamos” por cartas e uma vez por mês ele vinha a São Paulo e íamos ao cinema. Ele gostava de filmes policiais e de terror e eu detestava. Ele gostava, desses filmes, também, por uma segunda razão: eu morria de medo e me garrava com força na mão dele, virava o pescoço para não olhar a tela e ele aproveitava e me beijava.
Passei a gostar de filmes de terror. Mas de noite tinha pesadelos.
Tem uma coisa que nunca consegui entender: eu nunca fiquei à vontade com ele. Ficava sempre retraída. Mas o namoro seguia. Íamos muito aos finais de semana a Santana do Parnaíba, onde tia Alicinha estava morando, o marido era delegado lá. Como vocês estão vendo a deles era uma família de delegados de polícia. E, um dia, a mesma prima Marisa que tinha contado ao tio que eu “desmanchara” com o namorado veio me segredar: “Regina, sabe o que o tio Celso falou para minha mãe? Que quando vocês se casarem ele vai pegar seus livros todos e fazer com eles uma fogueira no meio do quintal.”
Horrorizei!
Quando ele veio de Nhandeara perguntei se tinha, mesmo, falado aquilo. Respondeu que sim. E acrescentou: “Mulher minha não vai ser jornalista.” “Então vamos romper”, eu falei, pensando em como seria doloroso esse rompimento. Devolvi um anel e um retrato que ele me dera, com dedicatória. Era o costume, na época.
E aí chorei muito. Mas, muito!
No ano seguinte ainda o encontrei, por acaso, na rua. Foi atrás de mim. “Vamos fazer as pazes?” pediu. Respondi não. E chorei tanto na rua que precisei entrar na Catedral da Sé e sentar um pouco para me acalmar.
Da Sé fui à rua Líbero Badaró, onde ficava o consultório do meu pai. Cheguei chorando. “Papai, eu encontrei o Celso e ele quis voltar comigo, eu disse não” E chorava, chorava, chorava. Meu pai: “Minha filha, se você gosta tanto assim dele reate o namoro”. “Não quero!” respondi, chorando.
E aí acabou-se a história, morreu vitória, entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra.
Sabem que foi bom? Namorei, depois, pra caramba! (Depois de um tempão chorando!) Me apaixonei outras vezes, nunca deu certo, mas estou aqui aos 94 anos e meio, trabalhei muito, viajei muito, agora escrevo livros e crônicas como esta nas redes sociais.
O motivo de ter, neste momento, escrito esta crônica? É que o excelente delegado de polícia que foi assassinado na Praia Grande, Rui Ferraz Fontes era filho do moço por quem estive apaixonada aos 11 anos. Rui Fontes é um delegado que passou sua curta vida – 64 anos – trabalhando para que a sociedade fosse mais feliz. Não o conheci. Mas quem de nós não sabia quem era ele? Finalizo: que os dois, pai e filho, estejam em paz.
(Setembro, 2025 NOTA – Quem gosta do que escrevo e ainda não sabe: tenho um romance na praça, Vento Endiabrado. Na Amazon ou nas livrarias).