Causou surpresa e, para muitos, espécie e indignação, a decretação da prisão preventiva do General de Exército da reserva Braga Netto, ministro da Casa Civil e da Defesa durante o governo Bolsonaro, e candidato a vice-presidente na chapa dele em 2022.
Não pretendo e sequer tenho elementos para opinar sobre a justiça ou não da decretação da prisão cautelar. Quero, apenas, analisar os fatos tecnicamente acerca da necessidade e adequação da prisão preventiva à luz do direito.
A grande questão, que se desdobra em vários quesitos, é: qual a circunstância do art. 312 do CPP que se fazia presente para a decretação da prisão preventiva? Dessa indagação surgem outras perguntas: o general estava atrapalhando a colheita de provas? Pretendia fugir (preso quando chegou de viagem). Há risco para a ordem pública, dois anos após os fatos? Há fatos novos ou contemporâneos (atuais) concretos que embasem a prisão? Seria possível a imposição de outras medidas cautelares que não a prisão preventiva, isto é, a medida excepcional de restrição da liberdade era a adequada ou podia ser imposta outra cautelar menos gravosa, como o recolhimento domiciliar e proibição de contato com testemunhas ou investigados?
Lembro que prisão cautelar não pode ser empregada como antecipação da pena e não se faz possível pelo magistrado a preconcepção de uma condenação certa, posto que as provas devem ser produzidas sob o crivo do contraditório e possibilitada a ampla defesa antes de ser proferida a sentença ou acórdão.
E, como se trata de restrição a um dos direitos constitucionais mais importantes, só pode ser empregada quando não for possível a imposição de outra espécie de medida cautelar, visando a preservação da produção da prova sem nenhum empecilho (conveniência da instrução criminal), para impedir a fuga (assegurar a aplicação da lei penal) ou para obstar a prática de outras infrações penais (garantia da ordem pública).
Anoto que a fundamentação deve trazer fatos certos que justifiquem a prisão e não apenas presunções, suposições ou especulações. Há necessidade de elevado grau de certeza de que o fato que ensejou a prisão ocorreu ou poderia ocorrer e não meros “achismos”.
O fundamento empregado para a prisão foi o fato de o general ter entrado em contato com o pai do tenente coronel Mauro Cid para saber sobre o conteúdo da delação (colaboração) ou o contrário, o pai é que teria entrado em contato com ele.
Com o devido respeito aos que entendem de forma diversa, tecnicamente isso não é obstrução de justiça (conveniência da instrução criminal) porque a pessoa investigada tem o direito de saber quais as provas existentes contra ela e fatalmente o conteúdo da delação seria revelado durante a investigação ou ao final dela. Ao que consta, pelo menos não foi o fundamento da decisão, não havia proibição de contato entre o general e Mauro Cid ou de seu pai com o general, inexistindo vedação legal para que os investigados se comuniquem antes do seu interrogatório policial, até porque a combinação de versões é estratégia de defesa e amparada pelo princípio da ampla defesa. O que a lei veda e pune é a manipulação e alteração de provas, além de qualquer forma de intimidação de quem vai depor ou ser interrogado.
Com efeito, para a decretação da prisão preventiva sob o fundamento de preservação da prova e para não atrapalhar sua colheita (conveniência da instrução criminal), não se pode partir de presunções ou suposições, dependendo de fatos certos que a justifiquem.
Saliento que, além de não poder levar à condenação quando for a única prova produzida a incriminar o delatado, a delação premiada também não poderá ser empregada para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais ou para o recebimento da denúncia (art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/2013). Com efeito, as declarações do delator isoladamente não podem levar à decretação de nenhuma medida restritiva a direitos do delatado, inclusive a prisão preventiva.
Caso existisse a proibição de contato entre os investigados ou com pessoas a ele ligadas (medida cautelar), a situação seria outra, posto que estaria o general a descumpri-la, o que pode efetivamente ensejar a decretação da prisão preventiva por esse fundamento (art. 312, § 1º, do CPP), observando que, caso seja suficiente, ao invés de decretar a prisão preventiva, pode o magistrado substituir a medida ou impor outra em cumulação (art. 282, § 4º do CPP), reforçando o caráter excepcional da prisão cautelar. Nesta hipótese, fará o magistrado juízo de proporcionalidade e razoabilidade quanto à decretação da prisão preventiva, que só deverá ocorrer se a imposição de outra medida cautelar, em substituição ou de forma cumulativa, não se fizer suficiente para afastar o perigo da perda ou manipulação de provas.
Mesmo neste caso, resta saber se os fatos são contemporâneos, isto é, atuais. Fatos ocorridos há meses ou anos não justificam a decretação da prisão cautelar quando não houver outros elementos que demonstrem estar a ocorrer a manipulação de provas ou intimidação de pessoas que irão depor como testemunhas ou serem interrogadas, tanto na fase policial quanto na judicial.
Novamente, prisão preventiva não pode ser empregada como antecipação de pena, sendo cabível para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime (materialidade) e indícios suficientes de autoria, nos exatos termos do que dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal, observado, ainda, o artigo 313 do mesmo diploma legal, que não interessa para o caso em comento.
Lembro, aliás, que os investigados e acusados podem mentir à vontade porque no Brasil não existe o crime de perjúrio, como há nos Estados Unidos. Lá, o acusado pode exercer o direito constitucional de não falar; porém, caso opte por ser interrogado, presta o compromisso de dizer a verdade e pode ser processado por perjúrio caso fique demonstrado que mentiu.
O que não é possível é a intimidação ou a ameaça à testemunha ou ao delator para que deponham de uma forma ou de outra. Neste caso, pode ser decretada a prisão cautelar (temporária ou preventiva a depender da hipótese) para que não sejam atrapalhadas as investigações ou a instrução processual, além de ser considerado crime de coação no curso do processo (art. 344 do CP) ou, quando se apura a existência de organização criminosa, o delito previsto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013.
Como já cansei de escrever e falar, não existe investigação secreta. Para se defender, o suspeito, indiciado ou acusado tem o direito constitucional de saber qual a acusação e as provas existentes contra si (devido processo legal). Não é possível sonegar da defesa e do sujeito de investigação o conteúdo de uma colaboração premiada e as demais provas existentes nos autos do procedimento investigatório, exceto as diligências em andamento cujo conhecimento do conteúdo possa prejudicar as investigações. Neste último caso, as provas produzidas serão apresentadas após o levantamento do sigilo em contraditório diferido (posterior). A ampla defesa e o contraditório, que integram o devido processo legal, assim determinam.
E, antes de ser formalmente interrogado, ou ouvido como testemunha na fase policial quando se é suspeito, toda prova produzida, inclusive os autos da delação premiada, deve ser apresentada à defesa para que o interrogando possa se defender e apresentar contraprova. Mesmo no caso de ser ouvido como testemunha, quando na realidade está sendo investigado, o depoente tem o direito de saber o conteúdo das provas produzidas, visto que pode deixar de ser testemunha e passar a ser indiciado.
Enfim, a minha intenção é apenas trazer ao público os aspectos técnicos da questão sem adentrar o mérito acerca da justiça e correção da decisão.
PS: Acerca da vedação de investigação secreta, dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva, mormente sem o oferecimento da denúncia, e da colaboração premiada, escrevi artigos para a Jusbrasil, cujos links seguem abaixo, que trazem maiores subsídios para se entender a questão. Anexei ainda link que trata dos crimes de abolição violenta do estado democrático e golpe de estado: