É inegável: João Havelange não gostava de repórteres.
Os atendia por imposição do cargo, mas não conseguia esconder seu desagrado. E as fotos deixavam clara essa impaciência.
Como no dia em que, pela primeira vez, eu entrevistei o presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) para o jornal Diário Popular.
A foto de Manoel dos Santos (Muca) revela, em imagem marcante, um jovem repórter compenetrado com seu trabalho. Ouvindo e fazendo anotações.
E um entrevistado claramente impaciente, desviando o olhar, visivelmente descontente com o momento.
O palco desse registro: o estádio da Portuguesa, no Canindé, no dia de sua inauguração, em novembro de 1972. A Lusa perdeu do Benfica por 3 a 1 em jogo amistoso.
Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange – este seu nome – preferia fazer só pronunciamentos, sem ter de responder perguntas de jornalistas.
Pronunciamentos como quando de sua posse na presidência da Federação Internacional de Futebol (Fifa), em Frankfurt, Alemanha, em junho de 1974.
Eu, repórter da Folha de S. Paulo, também estava lá, cobrindo as eleições e ouvindo o seu discurso logo após sua vitória sobre o inglês sir Stanley Rous. Vitória em dois turnos (62 a 56 e 68 a 52).
Antes disso, em maio de 1967, em função de ações estratégicas de João Havelange na busca por votos, estive em 10 países da África, cobrindo para o Diário Popular os jogos de uma seleção brasileira sub-20 organizada pela CBF.
A excursão da equipe era um presente para os dirigentes esportivos daqueles países africanos.
Presente providenciado pelo comandante do futebol brasileiro bicampeão mundial (1958 e 1962). Havelange contava com os votos dos cartolas africanos na futura eleição da Fifa.
Ele também beneficiou os africanos ao enviar técnicos de futebol do Brasil (entre os quais Zagallo, Parreira, Cláudio Coutinho) para ajudá-los na Preparação e evolução das seleções do futebol daquele continente.
Elias Zaccour, empresário libanês amigo de Havelange, foi organizador da excursão da seleção pela África. E também deu seu importante apoio na quitação de dívidas de 14 federações africanas para com a Fifa – para que pudessem votar.
A tática deu certo: com essa jogada política Havelange ganhou os votos dos países da África, que se somaram aos da América do Sul, da América Central/Caribe e do México na vitória sobre o sir inglês nas eleições da Fifa.
Esse era Havelange, filho de um comerciante de armas belga. Advogado, empresário, atleta de natação e de polo aquático nas Olimpíadas de Berlim e de Helsinque, e ex-presidente de Federações de Natação e de Futebol.
Um hábil administrador, que se especializou na função de gestor de esportes no Brasil ao longo de 17 anos de condução da CBD.
Do céu ao inferno
Na Fifa, atuando com desenvoltura nos bastidores da cartolagem mundial, Havelange organizou seis Copas do Mundo e ampliou de 16 para 24 e posteriormente para 32 o número de participantes do Campeonato Mundial.
Visitou 186 países, modernizou a sede da entidade em Zurique, obteve a volta da China à Fifa, criou a Copa das Confederações, a Copa do Mundo feminina e vários campeonatos juvenis e de juniores.
De trajetória marcada por sua grandiosa ambição pelo poder.
Tinha atitudes polêmicas, mas muita habilidade e astúcia. Foi considerado o maior dirigente esportivo do mundo nos 24 anos em que presidiu a Fifa, de 1974 a 1998.
Também foi presidente de honra da Fifa e presidente do COI, Comitê Olímpico Internacional.
Mas a história mudou. João Havelange foi do céu ao inferno.
Acusado e condenado no Tribunal de Cantão, na Suíça, por envolvimento em casos de corrupção – fraude na venda de direitos de transmissão de jogos e publicidade das Copas do Mundo –, renunciou aos cargos em 2013 para escapar de punições. E pagou multas de 500 mil francos suíços.
Os escândalos fizeram seu prestígio ruir.
Passou a evitar os holofotes e a recusar convites para eventos públicos. Acumulando esse legado de escândalos, permaneceu isolado, afastado de tudo e de todos durante três anos.
Até falecer em 2016, quando completou 100 anos.