Diferentemente do que ocorreu por ocasião do recebimento da denúncia em que são exigidos meros indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime (materialidade), para a condenação criminal são imprescindíveis provas concretas e acima de qualquer dúvida razoável.
Também diversamente do que ocorre no inquérito policial em que não há contraditório e nem ampla defesa, sendo um procedimento inquisitivo visando a colheita de provas para embasar o oferecimento da denúncia ou para que seja promovido o arquivamento do procedimento, na instrução processual, que já iniciou, o devido processo legal deve ser observado e propiciada a ampla defesa e o contraditório pleno, podendo as partes produzirem prova e contrariarem os elementos probatórios colhidos na fase investigatória.
Trocando em miúdos, a condenação penal somente pode ser motivada em provas fortes, isentas e que não apresentem dúvidas fundadas, que são aquelas que não foram dissipadas, mesmo depois de aplicados todos os métodos analíticos de investigação e interpretação.
Neste momento processual será dada oportunidade para que os defensores apresentem provas e questionem as já existentes, fruto da investigação realizada pela Polícia Federal de forma inquisitiva, isto é, unilateral e sem a ampla defesa e o contraditório, e que foram empregadas pela acusação para fundamentar a ação penal.
Ao analisar as provas apresentadas contra Bolsonaro e demais acusados em razão da suposta prática de crimes contra o estado democrático, constata-se de plano que a prova indiciária embasa todo o processo.
Costuma-se dizer que os indícios não são prova, pois baseados em probabilidades e não em certeza.
Isso não é verdade. Os indícios estão previstos no ordenamento processual objetivo no capítulo que trata justamente das provas.
Não há hierarquia entre as diversas espécies de prova. Não é sua natureza (prova direta ou indireta) que vai influir na convicção do magistrado. É a qualidade da prova, que poderá ou não convencer o juiz sobre a reconstrução histórica dos fatos, que é o seu objeto.
Indícios são fatos secundários, conhecidos e provados, relacionados com o fato principal, que autorize com o emprego de processo dedutivo/indutivo chegar-se à conclusão sobre algo.
Enquanto a prova direta se refere aos fatos a serem provados, ao objeto da prova, a prova indireta ou indiciária se refere a outros fatos próximos ou remotos ao indicado, que permitem por meio de processo lógico (indução e dedução) chegar-se ao objeto da prova.
Isoladamente, em regra, o indício não é uma prova plena. Mas vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato ou circunstância.
Na prova indiciária são coletados diversos fatos convergentes e fortes que, após o emprego da dedução e da indução, pode trazer a necessária certeza sobre a ocorrência de um fato até então processualmente desconhecido.
Dedução é um processo mais simples. Parte do geral para o particular. Emprega o silogismo para se chegar a uma conclusão. Assim, por exemplo: 1) Quem é encontrado na posse da arma com sangue no local do crime é seu autor (premissa maior); 2) Pedro foi encontrado no local do crime com a arma e ensanguentado (premissa menor); 3) Logo, é o autor do crime (conclusão).
Na dedução, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, assim mesmo a conclusão pode ser falsa. Sendo uma das premissas falsas, a conclusão também será falsa.
No silogismo acima, a primeira premissa é falsa, pois nem sempre aquele que é encontrado no local do crime com a arma e ensanguentado é seu autor. Mas é um indício que, juntamente com outros indícios sempre no mesmo sentido, pode demonstrar a ocorrência do fato (homicídio).
Indução é um processo mais complexo, pois emprega vários processos dedutivos para se chegar à conclusão sobre algo. Parte-se do particular até se chegar ao geral. É um processo oposto ao dedutivo.
A dedução apenas não é suficiente para demonstrar a verdade dos fatos, porque precária e sujeita a sofismas.
Por isso, no processo indutivo são empregadas várias deduções até se chegar a uma conclusão.
Cada indício é uma probabilidade. Quanto mais indícios fortes e convergentes maior será a probabilidade de o fato a ser demonstrado ter ocorrido. Por isso, a prova indiciária é uma soma de probabilidades.
Para que possam ser válidos e ensejar a demonstração do fato como prova plena, os indícios devem ser: a) graves (fortes) a ponto de resistirem a um contraindício; b) precisos para não darem margem a outras interpretações; c) concordantes.
Também é essencial para sua aceitação que os indícios sejam demonstrados por meio de prova direta (testemunhal, pericial, documental etc.).
A avaliação dos requisitos de validade deve ser global, ou seja, analisada da somatória dos indícios e não de cada um isoladamente. Entendemos dessa forma porque um indício isoladamente pode ser um nada jurídico, mas interpretado com outros pode tomar outro significado.
Também é comum confundir indício com presunção.
A presunção não parte de processo dedutivo/indutivo, mas de máximas de experiência. Não há análise de fatos secundários, mas apenas conclusão de acordo com o que geralmente acontece em casos análogos.
Já na prova indiciária não se presume nada. Chega-se a uma conclusão lógica por meio do somatório de outros fatos próximos ou remotos. O indício é a premissa menor do silogismo. A ele se adicionam regras científicas e máximas de experiência (extraída de casos semelhantes) e, com isso, permite-se chegar a uma conclusão sobre algo.
O objetivo da prova indiciária não é alcançar a verdade absoluta dos fatos, que é impossível de ser obtida. Chega-se à verdade processual de modo a reduzir-se ao máximo a margem de erro.
Os vários indícios convergentes podem ensejar a condenação. É uma prova como outra qualquer. Servem para demonstrar a existência de fatos e o elemento subjetivo. Aliás, é por meio dos indícios que, em regra, se demonstra a ocorrência do dolo direto e eventual, que está na cabeça do réu e na grande maioria das vezes não pode ser demonstrado por meio de prova direta.
No entanto, os indícios são como um castelo de cartas. Caso uma caia, corre-se o risco de o castelo ruir. Caindo duas, o castelo desmorona e todo arcabouço probatório fundado em indícios se torna frágil, insuficiente para a condenação.
Por isso, os indícios devem ser fortes, precisos, convergentes e resistir a um contraindício, isto é, outro indício em sentido contrário, que, se for suficientemente forte, preciso e convergente, trará no mínimo a dúvida sobre a existência do fato a ser demonstrado, levando ao não oferecimento ou recebimento da denúncia, ou, caso recebida, à absolvição.
Anoto, ademais, que o indício deve sempre ser demonstrado por prova direta (documental, pericial, testemunhal etc.). E, por isso, a prova indiciária não pode ser contrariada ou colocada em dúvida por prova direta, que pode fazer desmoronar o castelo de cartas por não ser forte e precisa o suficiente para demonstrar a ocorrência de um ou mais fatos.
O Magistrado julga de acordo com seu livre convencimento motivado e, por isso, pode empregar os indícios para fundamentar a condenação.
Com efeito, a prova indiciária é suficiente para ensejar a condenação. Para isso, os indícios angariados devem ser fortes, precisos, convergentes e demonstrados por meio de prova direta.
Do contrário, prova indiciária cheia de brechas, cujas peças não se encaixam ou balançam com a apresentação de outras provas diretas ou indiretas, nem de longe pode ensejar a condenação, que deve ser lastreada em provas firmes e coerentes, acima de qualquer dúvida razoável.
E, no caso específico da ação penal movida contra Bolsonaro e várias outras pessoas que compuseram seu governo ou a ele estavam ligadas, o castelo de cartas sofreu um forte solavanco com a oitiva da primeira testemunha.
Não vou entrar em detalhes sobre o depoimento porque não tenho acesso ao todo dele. No entanto, pelo noticiado e publicado nas redes sociais, vários indícios que compõem o castelo de cartas foram afastados e poderão desconfigurar a prova acusatória, a não ser que sejam confirmados por outros elementos de prova, vez que somente a prova produzida na investigação policial, notadamente se contrariada pela prova colhida em juízo, é insuficiente para a condenação, nos exatos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal.
Ou seja, levantadas dúvidas razoáveis sobre a autoria ou participação nos atos de 8 de janeiro ou em seu planejamento, levará necessariamente ao decreto absolutório.
Anoto, ainda, que esses indícios de participação nos eventos estão sendo empregados para confirmar a delação premiada do Ten. Cel. Mauro Cid, que, no meu modo de ver, conforme artigos que escrevi, é viciada e deveria ter sido anulada e o acordo de colaboração rescindido.
Afastada a vinculação dos acusados aos atos de 8 de janeiro, resta apenas o planejamento, que faz parte da segunda fase do iter criminis (preparação), que é impunível penalmente por si só, exceção feita se constituir outro delito, como o de organização ou associação criminosa, que possui seus requisitos próprios, dentre eles a estabilidade e permanência do grupo criminoso.
Ficou uma dúvida sequer sobre a ocorrência de importante e determinado fato, que, se excluído, não se pode chegar a uma conclusão acerca da culpa (sem sentido amplo) de alguém, a solução não pode ser outra, que não a absolvição.
É o que todo cidadão de bem espera. Havendo provas suficientes da culpa (em sentido amplo) de alguém, que seja punido de forma proporcional à conduta praticada. Do contrário, deve a ação ser julgada improcedente com a absolvição dos acusados.
Em um verdadeiro estado democrático de direito, como já dizia Voltaire: “É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”.
Imprescindível para o perfeito entendimento do tema a leitura dos artigos abaixo:
https://orbisnews.com.br/o-julgamento-dos-atos-de-08-01…
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/colaboracao-premiada-e-a-voluntariedade/3080915611