Admito que me surpreendeu a absolvição de Daniel Alves. Com a experiência adquirida em longos anos de vida, boa parte deles na condição de advogado ou de magistrado, constatei, entretanto, que juízes podem errar e que muitas vezes erram.
O duplo grau de jurisdição é garantia instituída pela ciência do direito exatamente para impedir que erros de julgamento se perpetuem, e tornar possível a correção de sentenças por algum motivo injustas ou erradas. Para isso existem os tribunais de segundo grau ou superiores. No Brasil a Constituição de 1988 criou, em caráter excepcional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, com ele, o terceiro grau de jurisdição, destinado a rever decisões prolatadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados.
Daniel Alves havia sido condenado pelo Tribunal Provincial de Barcelona, em 22/2/2024, a 4 anos e 6 meses de prisão por violência sexual contra jovem espanhola, em dezembro de 2022, em boate de Barcelona. Depois de permanecer preso desde fevereiro de 2023, encontrava-se em liberdade provisória, após pagar multa ou fiança no valor de 1 milhão de euros.
Essas são, resumidamente, as informações transmitidas sobre o caso pela imprensa. A absolvição, pelo Tribunal de Justiça da Catalunha, baseou-se no fato de a sentença condenatória conter uma série de “lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições sobre os fatos” e na falta de confiabilidade do depoimento da vítima durante o julgamento inicial. Segundo a decisão proferida por colegiado integrado por um homem e três mulheres, “O que foi explicado pela denunciante difere sensivelmente do que aconteceu de acordo com o exame do episódio registrado. A divergência entre o que a queixosa relatou e o que realmente aconteceu compromete seriamente a fiabilidade da sua história, afirmou o Tribunal da Catalunha” (O Estado, 29/3, pág. A25).
O acórdão de segundo grau, tomado por unanimidade de votos, ressalvou, entretanto, não haver reconhecimento de serem verdadeiros os fatos alegados pela defesa do acusado,
Desde que as acusações envolvendo Daniel Alves se tornaram conhecidas, presumi que o conhecido jogador de futebol seria condenado. O renome do atleta, a sua suposta fortuna, a força dos movimentos feministas na Europa e no Brasil, o peso da opinião pública, a cobertura desfavorável da imprensa, tudo militava, naquele momento, contra a credibilidade do acusado.
No mundo moderno as mulheres aprenderam a defender os seus direitos. Agressões e até simples ameaças deixaram de ser sofridas em silêncio, como aconteceria no passado. Movimentos e tornaram cada vez mais frequentes e vigorosos, em defesa da dignidade ofendida. Ações judiciais como a intentada contra Daniel Alves, antes impossíveis, tornaram-se comuns, resultando em condenações como a imposta ao jogador Robinho, cumprindo sentença da Justiça italiana no Brasil.
No terreno do direito, cada caso é um caso. Por maiores que sejam as semelhanças, cabe o Juiz examinar o processo submetido a sua jurisdição de acordo com a sua peculiaridade. Acusação e defesa determinarão o espaço sobre o qual se debruçará o magistrado.
Sabemos que nas penitenciárias cumprem penas inocentes, erradamente condenados, ou cujas penas foram fixadas de maneira desproporcional aos crimes cometidos. Mesmo com dois e às vezes três graus de jurisdição, o sistema judicial é imperfeito e sujeito a falhas. Vítimas de erros judiciais são réus pobres, que não tiveram dinheiro para contratar bons advogados. A justiça é supostamente cega. Não é o que se constata, entretanto, quando outros interesses pesam na decisão do magistrado. Veja-se, nesse sentido, o caso da Lava Jato. Réus confessadamente criminosos, depois de condenados foram repentinamente absolvidos, por decisões monocráticas, sob o argumento de falhas processuais.
A absolvição de Daniel Alves não é definitiva. O Ministério Público espanhol insistirá na condenação, recorrendo à instância superior. Espera-se que fatores estranhos aos autos não venham a pesar na decisão. Pouco importa se se trata de pessoa famosa, ou de brasileiro sendo julgado na Espanha. Se as acusações foram lacunosas, imprecisas, inconsistentes, contraditórias, diferindo sensivelmente do que aconteceu de acordo com o exame do episódio, como diz a sentença de absolvição, não haverá razão suficiente para condená-lo a 4 anos e 6 meses de cadeia.